Celso Luis Rodrigues Vegro Antes que se renegue a
estes analistas, alertamos que desde sempre prestigiamos o movimento
orgânico, participando, ainda quando estudante de agronomia (no caso
do primeiro autor), do grupo de agricultura alternativa e, depois
disso, acompanhando os primórdios de organização da Associação de
Agricultura Orgânica (AAO/SP). Sempre que possível adquiro produtos
orgânicos e, até poucos dias atrás, havia café orgânico em casa para
o consumo diário. Ademais, recentemente facilitei contatos para
aquisição de café orgânico por parte de empresa de suprimentos para
a indústria de cosméticos. Todavia, esse comprometimento pessoal não
impede que se procure elucidar as aparentes “esquisitices” no
mercado de café orgânico brasileiro. A partir de
Fonte: Organização
Internacional do Café (OIC), 20121. Enquanto em 2005 os embarques de cafés
orgânicos contabilizaram pouco mais de 364 mil sacas, em 2012
(jan.-out.) esse montante aproximou-se de 1 milhão de sacas.
Considerando-se os doze meses desse último ano é provável que as
exportações totais tripliquem frente a quantidade inicial.
Entretanto, a participação no mercado do café orgânico brasileiro
nesse mesmo período apenas dobrou saltando de pouco mais de 10 mil
sacas para apenas 20,6 mil entre 2005 e 2012, respectivamente. Pelos dados relacionados pela OIC, na
trajetória de concorrentes constata-se o caso de Honduras que, em
2005, exportava pouco mais de 12 mil sc
e em 2012 (jan.-out.) contabilizava mais de 287,5 mil sacas! Querem
mais surpresas: Papua Nova Guiné exportava, em 2005, cerca de 12,7
mil sacas, saltando para 29,9 mil em 2012, em ambos os períodos mais
que o celebradíssimo país líder na
produção, consumo e exportação! Sabe-se que o Peru é outro grande
exportador de orgânico, porém não membro da OIC e por esse motivo
não se dispõe de dados sobre suas vendas. Em 2012 (jan./out.) os negócios
internacionais com café orgânico somaram mais de US$230 milhões,
praticamente, repetindo o resultado apurado em 2011 quando se
ultrapassou os R$272 milhões. Comparações com outros anos podem
gerar distorções na medida em que muitos países exportadores
declaram, nos respectivos certificados de origem, as quantidades
embarcadas sem, porem, apontar o preço pelo qual o produto foi
comercializado. De qualquer modo, tomando-se 2009 (ano do colapso
macroeconômico global) os valores apurados nesse mercado mais que
triplicaram. Como nossas exportações não se expandiram no mesmo
ritmo que os demais concorrentes nesse mercado, o resultado cambial
obtido pelo Brasil com as o café orgânico transitaram entre os US$7
a US$8 milhões nos dois últimos anos. Dessas informações surgem
questionamentos: o que haveria de errado/distorcido no agronegócio
café orgânico. Quais razões poderiam explicar a diminuição da
demanda relativa pelo grão brasileiro, ou melhor, que elementos
subtrairiam competitividade dos sistemas de produção orgânico de
café? A análise dos preços médios pagos pelos cafés orgânicos evidencia que aqueles praticados para com o produto brasileiro foram sistematicamente mais elevados que a média para os demais concorrentes. Em 2010, por exemplo, a média dos preços para os volumes globais (incluindo o Brasil) foi de US$234,54/sc, enquanto que o proveniente do país alcançou os US$305,24/sc, ou seja, ágio de US$70,70 (FIGURA 2).
Fonte: Organização Internacional do Café (OIC), 2012. Comparativamente, os elevados preços médios do café orgânico brasileiro exportado explicam, possivelmente, o modesto crescimento dos embarques. Embora o contexto internacional seja francamente demandante para essa especialidade de bebida, os cafeicultores brasileiros associados aos agentes de comercialização não são capazes de se posicionar competitivamente nesse mercado. Não existem dados públicos sistematizados para o consumo de cafés orgânicos no mercado brasileiro. Pesquisa indica que a demanda doméstica por café (todos os tipos) cresce sustentadamente há vários anos2. Tal fenômeno, apenas por hipótese, poderia espelhar a demanda pelos orgânicos. Porém parece não ser esse o caso, pois, normalmente, nos mercados de matérias primas agrícolas, maior mercado interno fortalece a competitividade desse mesmo produto no mercado externo (em quantidade e preços), decorrente dos ganhos de escala e/ou introdução de inovações nos sistemas produtivos. Os preços médios praticados para os mercados interno e externo, exibem diferenciais bastantes expressivos, tendo alcançado os R$227,46/sc em 2009 (Tabela 1). Tal fenômeno apontaria para uma procura e preferência crescente pela exportação dos lotes de grãos orgânicos, porém conforme os dados apontam, não tem havido grandes saltos nas quantidades exportadas desse produto específico. Se a sinalização de preços internacionais não tem sido suficiente para alavancar as exportações, teriam os menores preços praticados para o abastecimento doméstico tido essa capacidade? TABELA 1 – Preço Médio
Recebido pelos Cafeicultores, de Café Orgânico, Mercados Interno e
Externo, Estado de Minas Gerais, (em R$/sc)
* Refere-se à
média dos preços diários recebidos pela COOPFAM, convertidos pela
cotação diária do dólar (comercial). Os valores diários, bem como a
cotação diária do dólar utilizadas na conversão não foram cedidos
pela cooperativa. Fonte: Adaptado a partir
de TURCO, et al (2012)3. Na produção orgânica as vantagens
econômicas capturadas pelos cafeicultores foram relevantes conforme
relata TURCO et
al (2012) (Tabela 2). Os patamares de preços
recebidos pelos cafeicultores orgânicos rivalizam com aqueles
obtidos por outros cafeicultores especializados no produto gourmet
(bebida mole, cereja descascado e lavados). Mediante esses prêmios
os orgânicos, ao menos nesse estudo de caso, obtêm rentabilidade
satisfatória e acima de seus congêneres convencionais. Essa sinalização de preços favorável aos orgânicos deveria, ainda que potencialmente, incentivar essa modalidade de sistema produtivo. Como reflexo esperado desse fato haveria maior oferta do produto com queda nas suas cotações. Eventualmente, também se observaria maior disponibilidade para transações internacionais, que estariam registradas nos certificados de origem dos embarques brasileiros. Entretanto, não é isso que se constata no banco de dados da OIC. TABELA 2 – Preço Médio
Recebido pelos Cafeicultores, de Café Orgânico e Convencional,
Estado de Minas Gerais, (em R$/sc)
* Refere-se à
média dos preços diários recebidos pela COOPFAM, convertidos pela
cotação diária do dólar (comercial). Os valores diários, bem como a
cotação diária do dólar utilizadas na conversão não foram cedidos
pela cooperativa. Fonte: Adaptado a partir
de TURCO, et al (2012)3. A cafeicultura orgânica, aparentemente,
não deslancha, apesar dos incentivos de preços e melhor
rentabilidade constatada em estudos exploratórios sobre a temática.
Outras certificações4
com menos tempo de atividades que o orgânico operam na casa do
milhão de sacas sob tais rotulagens. As investigações necessitam prosseguir.
Os custos com a certificação orgânica para acessar o mercado externo
constitui, obviamente, uma barreira ao incremento desse mercado.
Demais limitações como a produtividade menos pujante dessas lavouras
frente suas congêneres convencionais, outra possível barreira.
Escala produtiva e elevada dependência do trabalho manual, também,
contribuem para esse ambiente de baixo crescimento para o segmento.
Impossível imaginar o desenvolvimento regional e local na
agricultura que prescinda da agricultura orgânica, especialmente
naquelas porções do território em que a agricultura familiar é
majoritária, porém, A ausência de instituições (cooperativas) que
coordenem essa cadeia também5.
A realidade é que há um descolamento do café orgânico brasileiro
frente a dinâmica do mercado internacional, passível de reversão
desde que com a aplicação de nossa expertise em assuntos cafeeiros.
Missão impossível, felizmente é temática hollywoodiana. 1
Dados disponíveis em: www.ico.org
Celso Luis Rodrigues Vegro
Eduardo Heron Campos Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT): VEGRO , C.l.R. CAMPOS, E.R.; Naufrágio Orgânico. 2013. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2013_1/naufragio/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 30/01/2013 |