Sair dos trilhos: Um autêntico rumo1
Celso Luis Rodrigues
Vegro
A possibilidade de que no
contexto atual estejamos vivenciando uma espécie de estancamento do
processo civilizatório é um sentimento que se difunde por entre
governantes e empresas. O desiderato de que a produção de riquezas,
por meio do incremento da base de produção de bens e prestação de
serviços, se traduz em mais bem-estar/felicidade deixou de ser
irrefutável identidade. Em 2011, o ex-presidente francês sinalizou
que já se havia ultrapassado o momento de substituir o método de
mensuração do Produto Interno Bruto (PIB), buscando novas maneiras
de acoplar o “sentido da vida” ao do desenvolvimento econômico. No contexto das
transnacionais é possível recolher afirmativas como: "as empresas
terão de mudar a forma como fazem negócios, para manter crescimento
sustentável de longo prazo. O velho modelo de consumo cada vez
maior, com crescimento a qualquer preço, está acabado5”.
Não poderia haver diagnóstico mais contundente de
esgarçamento do decantado mecanismo de
reprodução ampliada do capital6.
Congênere diagnóstico é compartilhado pelas montadoras que confiando
no cenário de ser ecologicamente insustentável que cada família
possua dois automóveis, entende ser preciso abandonar a produção de
veículos para adentrar no ramo de serviços de mobilidade7,
outro posicionamento que evidencia dilemas pelos quais atravessam os
CEO’s das grandes líderes globais. Em esforço individual de
espelhamento desse conjunto de reflexões prospectivas frente ao
complexo agroindustrial do café, que ilações são possíveis de se
extrair? Considerando especialmente os encadeamentos
técnico-produtivos pós-porteira, por quais trilhos evoluíram a
reinvenção desse negócio? Concebe a vertente
shumpeteriana do pensamento econômico o
crescimento como um desdobramento das inovações. Porém, na indústria
do café nos deparamos com segmento tecnologicamente maduro, ou seja,
sob esse prisma, tecnicamente condenado a uma trajetória de baixo
crescimento8.
Caso empiricamente tal hipótese se verifique, será que não se
concentrariam nas empresas desse segmento os exemplos a ser
estudados, procurando-se perceber em quais situações foi possível
alinhar crescimento das vendas (e,
conseqüentemente, do lucro) com padrões sustentáveis de consumo.
As experiências de êxito no negócio
café situam-se na produção de inovações (de produto e processo)
destinadas à prestação de serviços vinculados à bebida. Empresas
como a
illycaffè®;
NESPRESSO®; Syngenta®; Café do Centro®, Café Bom Dia® e Starbucks®,
exemplificam trajetórias diversas que se curiosamente assemelham
nessa capacidade que aqui denomino de sair dos trilhos. De um ponto de vista brasileiro, o mais icônico dos casos de reinvenção dos negócios em café foi o da illycaffè®. Em 1989 seu saudoso presidente Ernesto Illy percebeu que jamais conseguiria manter o elevadíssimo padrão de excelência da bebida sem um estreitamento das ligações com regiões/países produtores do grão, especialmente, o Brasil, sinônimo de café com os mais destacados atributos para o preparo espresso. A estratégia de empresa constituiu-se na estruturação de conjunto de empresas com atribuições muito específicas: laboratório de prova de café; empresa trading, firma distribuidora do produto para clientes no território nacional e convênio com centro de pesquisas para treinamento e capacitação de técnicos no agronegócio café, conjuntamente com a organização de rol de fornecedores com reconhecido esmero no pós-colheita e concurso anual de qualidade de café para espresso. A esse arranjo de intervenções, mais recentemente, integraram-se os padrões de sustentabilidade da produção mediante a verificação de protocolos próprios ou daqueles já aceitos pelo mercado. Todo esse processo de articulação e construção de instituições permitiu à empresa, não apenas manter trajetória de crescimento dentro da UE, como estruturar filial fora da Itália conquistando market-share em mercados não tradicionais para a empresa. Outro caso de inegável êxito é o representado pela NESPRESSO®9. Adotando linhas/desenhos arrojados na fabricação de suas máquinas de preparo, a NESPRESSO® converteu-se em ícone dentre os itens de desejo de consumo entre a nova e a antiga classe média brasileira. Tais máquinas preparam espresso a partir de cápsulas de variadas origens e misturas, extraídas à pressão de 19 Bar. O resultado na xícara é dos mais desejáveis, conquistando de imediato a maior parte dos apreciadores da bebida. A empresa não se limita a buscar a excelência, mas está intimamente vinculada aos cafeicultores fornecedores, oferecendo suporte aos cafeicultores (inclusive financeiro) para que eles produzam grãos de alta qualidade. Paralelamente, estimula a adoção da certificação coorporativa designada de Triplo A (AAA) que associada a certificadora de reputação internacioal (RainForest Alliance®), promovem um salto sem igual tanto nae gestão dos estabelecimentos como na excelência da bebida. Ademais, conscientiza seus clientes para que tragam suas cápsulas usadas para reciclagem, estabelecendo por meta o recolhimento e reaproveitamento de 75% delas até 201310 e a redução em 20% de sua pegada de carbono até 2013.
Estratégia das mais complexas
estruturou a transnacional de agroquímicos Syngenta®. Percebendo que
se manter exclusivamente no suprimento de insumos aos cafeicultores
estaria limitando suas potencialidades de crescimento econômico,
buscou avançar na cadeia de valor criando empresa irmã que
aproximasse micro e pequenos torrefadores dos países do Hemisfério
Norte aos cafeicultores brasileiros11.
Valendo-se de derivativos financeiros que permitem a troca de café
por insumos e estimulando os cafeicultores a implementar boas
práticas agrícolas com rastreabilidade,
a empresa logrou, em 2011, negociar cerca de 300 mil sacas com
garantias ao torrefador de entrega de produto com alta qualidade,
angariando assim significativo prêmio para o produtor. A empresa
incentiva a contratualização entre as
unidades de produção e os industriais conferindo horizonte econômico
para a atividade agrícola. Ao internalizar margens por meio do
avanço na cadeia de valor (encurtamento da rede de intermediação) e
propiciar menor volatilidade nos preços recebidos pelos
cafeicultores, a empresa criou uma espécie de jogo
ganha-ganha, sendo exemplo mais palpável de
consolidação de uma classe média rural, orientação que
aparentemente, ainda, não sensibiliza as esferas dos governos.
São poucos os casos entre as
torrefadoras que atuam no mercado brasileiro que ao seu modo saíram
dos trilhos. O Café do Centro®, por exemplo, conduzido por dupla de
jovens empreendedores, apostou no mercado gourmet; na segmentação da
linha de cafés (seleção por regiões/estados produtores); em
embalagens desenhadas com estilo; na recusa ao varejo tradicional
voltando-se para o suprimento do mercado institucional e na
internacionalização da marca por meio do
franqueamento. Adotando esse rol de
estratégias, a empresa conseguiu crescer a taxas de dois dígitos nos
últimos anos, obtendo ainda reconhecimento de alta excelência no
mercado japonês, onde já soma três estabelecimentos servindo o café
que é inteiramente processado, embalado e exportado a partir de sua
torrefadora em Adamantina/SP.
Outra torrefadora que se destacou no
cenário brasileiro foi o Café Bom Dia® de Varginha/MG. Firmemente
decidido a agregar valor ao produto seu CEO decidiu-se por exibir
seu café Marques de Paiva nas gôndolas das lojas do
Walmart® estadunidense. Não apenas conseguiu
distribuir seu café na rede como ainda, em prova cega conduzida por
rede de televisão de ampla penetração no país, selecionou-o como o
produto de melhor relação custo/benefício disponível naquela rede. A
ousadia do empresário associada ao momento oportuno (enquete
televisiva) alçou a companhia a patamares que outras, congêneres,
sequer um dia cogitaram.
O fundador da rede de cafeterias
Starbucks® escreveu em sua autobiografia que a origem brasileira não
poderia participar do blend da
companhia por não reunir atributos de excelência, inverteu seu
posicionamento e, atualmente, adquire mais de 1 milhão de sacas do
produto verde amarelo. Após essa guinada, a empresa, que passou por
dificuldades financeiras entre 2007-2010, retomou trajetória de
crescimento, estimando haver espaço para a abertura de até 1.000
pontos de oferta da bebida apenas no Brasil12.
Para não especialistas os fatos são apenas ocorrências aleatórias,
quando na verdade, já entre os especialistas, o forte incremento da
origem brasileira no blend confirma sua
aptidão para o preparo espresso,
contribuindo para uma mais acentuada fidelização dos apreciadores,
pois a experiência sensorial de cada um se enobreceu. Não faltou
coragem para o CEO da companhia em por em prática a expressão
“esqueçam aquilo que escrevi”!
Os poucos casos listados não tem a
pretensão de esgotar as iniciativas que demonstram a saída dos
trilhos. Os poucos exemplos selecionados reúnem conjunto de
estratégias diferenciadas em que prevalece a complementaridade face
a esperada competição. Estou persuadido pelo caminho até aqui
conduzido que a reinvenção do negócio café não tem um líder ou dono,
mas ao contrário, formam um leque de possibilidades alternativas
construídas e selecionadas pelos agentes econômicos na busca de
fortalecer seu negócio cuja coluna mais robusta são os Cafés
do Brasil. 1
A imagem de sair dos trilhos significa a
atitude de buscar novas formas de transacionar café em contraposição
àquela de aguardar o pedido do importador ou a reposição na gôndola
do varejista. O autor agradece ao apoio e aos oportuníssimos
comentários do prof. Dr. Ricardo Abramovay.
2 WOLF, Martin. Acabou a era do crescimento?
Jornal Valor Econômico, 03/10/2012. Disponível
em:
http://www.valor.com.br/opiniao/2853102/acabou-era-do-crescimento 3
VOLPON, Tony. A crise é permanente, mutante e contagiosa.
Jornal Valor Econômico, 24/09/2012.
Disponível em:
http://www.valor.com.br/brasil/2838436/crise-e-permanente-mutante-e-contagiosa
4 Tampouco o otimismo na acepção do filósofo
da Rainha.
5
Conforme original:
Companies will have to change the way they do
business, to deliver long-term sustainable growth. The old model of
ever-greater consumption, with growth at any price, is broken.
SOURRY,
Amanda (Chairman, Unilever 6 A elegante
equação proposta por Marx e, formalmente, aceita por Keynes assim
expressa: D (dinheiro) - M (mercadoria) - D’ (mais dinheiro). 7 Depoimento recolhido de palestra do prof. Dr.
Ricardo Abramovay durante o VI Encontro Nacional de Estudos do
Consumo e II Encontro Luso-Brasileiro de Estudos do Consumo. ESPM,
Rio de Janeiro, 2012. 8 A expansão do mercado de café mundial é de
aproximadamente 2% ao ano. As tecnologias de embalagens, talvez,
constituam a única exceção a hipótese do baixo crescimento. 9 Este autor foi um dos participantes da
expedição 2012 do NESPRESSO® Experience. Nessa edição além do
conhecimento da estratégia do programa ECOLABORATION® foram
visitados cafeicultores fornecedores e não fornecedores da empresa,
laboratório de classificação e prova da bebida. 10 O percentual de recuperação de cápsulas
utilizadas no Brasil em 2012 já é de cerca 20%. A Veja SP em
pesquisa conduzida no primeiro semestre de 2012 sobre o hábito de
consumo do café entre paulistanos, estimou que a penetração das
máquinas NESPRESSO já atingisse mais de 20% dos domicílios. 11 Para detalhes ver o sítio na internet:
http://www.nucoffee.com.br/ 12 Compõem a rede no
Brasil 64 estabelecimentos.
Celso Luis Rodrigues Vegro Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT): VEGRO, C. L. R.; WOLF, M. Sair dos trilhos: Um autêntico rumo. 2012 Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2012_3/trilhos/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 31/10/2012 |