Arno Rieder2
O bioma conhecido por Pantanal está numa planície sedimentar formada
por volta de 14 milhões de hectares. O Pantanal é inundado
principalmente por águas de rios que drenam os planaltos adjacentes.
Os níveis das águas dos rios e os extravasamentos na planície pulsam
em função dos volumes e períodos de chuvas, das estiagens, das
condições dinâmicas e de sedimentação nas calhas. Mas o regime de
águas no Pantanal é também, cada vez mais e fortemente influenciado
pelas condições de infiltração e escorrimento das águas nas
superfícies das áreas situadas acima e até a linha divisória das
bacias platina-amazônica. As faixas de terras situadas entre esta
linha divisória das bacias e a linha da borda do Pantanal determinam
o volume e a qualidade dos sedimentos e das águas que adentram ao
Pantanal. Logo a vida no Pantanal depende intensamente desta faixa,
do que ocorre ali.
O Pantanal é um ambiente altamente dinâmico, por ação de eventos
naturais acrescidos da ação antrópica dentro da bacia e nas
adjacências influentes. Desde a origem do vale, este lugar é
receptor dos sedimentos erodidos das partes altas, por ação de
chuvas e de ventos nas serras, montanhas, planaltos e, até nas
bordas. O formato e a baixa altitude da bacia constituem um ambiente
receptor e cumulativo por excelência dos materiais deslocados de
outras partes. Assim o Pantanal é um clássico e mega ambiente de
sedimentação, dinâmico mesmo sem a ação do homem. Na medida em que o
homem foi se instalando e desenvolvendo sua ação neste espaço e
adjacências, a dinâmica no Pantanal sofre alterações em seu curso
natural. Entre as ações que alteraram ou alteram esta dinâmica
tem-se: caça; pesca; instalação de núcleos urbanos; desflorestamento
e alteração da paisagem; substituição das áreas de composição
florística e faunística natural por cultivos (agricultura) e
criações (pecuária); introdução de elementos exóticos; extração de
elementos nativos; ajustamentos hidroviários; rodovias; aumento da
densidade de populações locais e na bacia, demandadoras crescentes
dos recursos deste ambiente, também incrementado pelas demandas
externas (exploração-exportação) e pelos migrantes e turistas (em
passagem por estas bandas). O uso e introdução de “insumos modernos
como adubos, sementes híbridas ou transgênicas, pesticidas”, de
equipamentos agrícolas potentes, de alta capacidade de ação e
motorizados, intensificam a alteração da dinâmica no Pantanal, porém
de modo degradativo. Pois a capacidade de sustentação
ecológica-produtiva do Pantanal é afetada em tempo ecológico muito
curto e não consegue tempo suficiente para
alcançar novos estágios de equilíbrio, pela continuidade e
intensificação das ações antrópicas.
Então, o homem precisa tomar consciência disto e prever as
conseqüências, saber se nada fizer vai delegar as futuras gerações
(filhos, netos, etc.) uma herança maldita, comprometendo seriamente
a qualidade e capacidade ambiental de sustentar o bioma e os nossos
sucessores. Precisamos construir o hoje de tal modo que a humanidade
se perpetue e em condição melhor que a atual. Isto requer a busca da
perfeita interação ambiental. Estes são motivos da necessidade de se
perseguir o desenvolvimento sustentado, e no caso em foco, no
Pantanal. É necessário
interagir sustentavelmente no Pantanal por muitas razões, entre as
quais por abrigar um bioma típico (sugere-se a leitura da teoria dos
refúgios); exibir paisagens impares e dinâmicas; produzir e ser
reserva de muitas riquezas de interesse do homem atual e do futuro
(alimentos: peixes, jacarés, boi, frutas, etc; materiais: madeira,
plantas medicinais, etc; serviços: turismo, etc.); ser espaço para o
homem habitar, mas harmoniosamente; ser caminho de águas navegáveis;
impactar quem está abaixo (jusante); receber o que adentra (de tudo)
e perder o que perece e sai (Ex.: estoques pescados, peixes que
morrem por envenenamento). O Pantanal é receptor do que é lançado
nele e acima dele, inclusive poluentes.
Entre os poluentes estão os pesticidas, no Brasil definidos por
agrotóxicos e afins.
Uma definição de poluição pode ser: tudo aquilo que excede em
relação ao que é aceito como normal e está em equilíbrio no
ecossistema em questão. Assim temos vários tipos de poluições
conforme o foco: quando o som está demasiado alto, tem a poluição
sonora; quando o visual nos muros ou anúncios na cidade estão feios
e muitos, se tem a poluição visual; quando há despejo
de muitos esgotos
domésticos de uma cidade (e não tratados) no rio que
leva suas águas para formar o Pantanal, se tem poluição por
esgotos; quando se tem restos e resíduos
de pesticidas lançados no ambiente (sem um tratamento adequado) se
tem a poluição por pesticidas. As poluições desequilibram o
ecossistema atingido, impactam-no de alguma forma, comprometendo a
sustentabilidade do mesmo. As causas de poluição podem ser naturais
(ex. cinzas de vulcão) ou antrópicas (causados pela ação humana). As
antrópicas podem ser impedidas, assim como mais bem administradas. O
grande desafio para o homem moderno, quanto a poluição, é: tomar
consciência das conseqüências de suas atitudes na interação
ambiental, educar-se, buscar conhecimento, desenvolver tecnologia e
adotar medidas eficazes ajudar a não
deixar deteriorar a qualidade ambiental e, se possível melhorá-lo.
Focando mais especificamente os pesticidas, usados crescentemente na
bacia do Alto Pantanal, estes são definidos na legislação brasileira
como: “produtos e agentes de processos
físicos, químicos ou biológicos, destinados ao uso nas atividades
agro-silvo-pastoris, em outros ecossistemas, também em ambientes
urbanos, hídricos e industriais, cuja finalidade seja alterar a
composição da flora ou da fauna, a fim de preservá-las da ação
danosa de seres vivos considerados nocivos, bem como desfolhantes,
dessecantes, estimuladores e inibidores de crescimento” (Lei nº
7.802, de 11/07/89). São classificados de várias maneiras, em função
do alvo (Herbicidas, Inseticidas, Fungicidas, etc.), dos grupos
químicos (Fosforados, Clorados, Carbamatos, Piretróides, etc.), do
modo de ação (Sistêmicos, Contado, Fumigantes, etc.), da toxicidade
(Extremamente
Tóxicos/faixa vermelha: 5mg/Kg, 1 pitada/ algumas gotas; Altamente
Tóxicos/faixa amarela:5-50 mg/Kg, algumas gotas/1 colher de chá;
Medianamente Tóxicos/faixa azul:50-500 mg/Kg,
de 1 a 2 colheres de sopa; Pouco Tóxicos/faixa verde:500-5000
mg/Kg, de 2 colheres de sopa a 1 copo; Muito Pouco Tóxicos:5000
mg/Kg ou mais, de 1 copo
a 1litro), da periculosidade (Classe
I – Altamente Perigosos; Classe II- Muito Perigosos; Classe III-
Perigosos; Classe IV –Pouco Perigosos). A periculosidade ambiental
dos pesticidas leva em conta o comportamento ambiental,
ecotoxicidade e impacto na saúde humana do produto pesticida.
Os pesticidas são usados para combater pestes ou
pragas, embora o conceito de peste é relativo, e depende dos
interesses do sujeito definidor. Na era da tecnologia moderna de
produção e manutenção sanitária dos ambientes, os seres
indesejáveis, para serem controlados, são combatidos por
pesticidas(agrotóxicos) “modernos”, desenvolvidos para atender uma
demanda consumista, competitiva, mercadológica crescente. Isto, em
especial a partir da segunda guerra mundial, passou a introduzir
quantidades e diversidade de produtos crescentes a cada ano. Não tem
sido diferente no Pantanal e em suas cabeceiras. Ocorre que ao serem
lançados nos alvos (praga), em geral atingem não-alvos(não-pragas) e
o ambiente como um todo. Provocam danos ou morte a quem está exposto
e é sensível ao produto. Dependendo do comportamento do produto
pesticida no ambiente (pouco até muito: persistente, móvel,
cumulativo, degradável, metabolizável; de largo espectro até ação
específica; de ingresso na cadeia trófica ou não, etc.) este pode
produzir desde impactos específicos até amplos, por prazos curtos e
até longo. Pode atingir ecossistemas inteiros ou até biomas e
desequilibrá-los. Há risco efetivo e crescente para o Pantanal em
face do uso de pesticidas e de forma inadequada, seja dentro da
planície ou na montante. A contaminação pode ser direta (por
exposição direta a aplicação) ou indireta (por exposição indireta
aos resíduos, metabólitos ou derivas). Os danos podem ser desde
intoxicações leves até mortes (imediatas ou por conseqüências
crônicas e induções de outros males, inclusive câncer).
O uso de pesticidas se dá no meio rural
(agricultura: controle fitossanitário, preparo de plantio direto,
uniformização de colheitas; pecuária: fins veterinários e
zootécnicos) e no meio urbano (limpezas, combate a pragas, vetores,
etc.). O grande problema está na dúbia escolha de medidas adequadas
de controle de pragas/alvos, aplicação cuidadosa-protetora e correta
das medidas escolhidas e destinação dos resíduos dos produtos
pesticidas e restos das embalagens.
Alguns estudos sobre o impacto do uso de pesticidas
na região pantaneira e suas adjacências vêm sendo executadas desde a
década de 1980. Da década seguinte até a atual estes estudos estão
se intensificando, graças ao incremento de pesquisas propiciadas
pelas agências financiadoras e pelos programas de pós-graduação das
universidades comprometidas com a questão ambiental (quase todas).
Em Cáceres, no Alto Pantanal, foram efetivados
estudos (1982-2000) sobre os procedimentos de escolha, aplicação, de
medidas de prevenção e curativas adotadas pelos principais usuários
de pesticidas. Os resultados mostram riscos ambientais e humanos
elevados, principalmente por falta de treinamento e fiscalização
adequada. Também foram efetivados estudos (1992-99) sobre o risco de
contaminação de águas subterrâneas com o uso de pesticidas na
superfície e o risco de águas contaminadas atingirem o Pantanal. Os
resultados surpreendem e revelam que a matéria orgânica na camada
superficial do solo concentra a retenção de resíduos que atingem a
superfície das terras. Outro estudo (2000-2002) abrangeu todo o
Pantanal e nos pontos coletados nos rios que ingressam no Alto
Pantanal foram encontrados níveis preocupantes de resíduos de alguns
pesticidas, inclusive de produtos proibidos(clorados). Também foi
efetuado um estudo (1999-2002) que abarcou mais de 20 municípios que
formam a cabeceira do Alto Pantanal e os resultados revelam
situações extremamente preocupantes.
No meio urbano de Cáceres também foram desenvolvidos
estudos (2000-2006) sobre o uso de pesticidas domésticos e
destinação de resíduos. Constatou-se que os procedimentos adotados
revelam alto risco de contaminação e de produção de danos a saúde e
ao ambiente.
Além destes estudos específicos sobre pesticidas
também foram desenvolvidas pesquisas(2000-2003) sobre a
caracterização e destinação de efluentes urbanos em Cáceres e, mais
uma vez a situação revelou-se
muito grave em quatro sangradouros urbanos, que recebem e
arrastam rejeitos de toda sorte (não adequadamente
tratados) para dentro do rio Paraguai, no início do Pantanal
norte.
Como boa parte dos resíduos urbanos e rurais adentra
no Pantanal, provavelmente o impacto sobre o bioma do Pantanal deve
estar ocorrendo, e de forma progressiva. Talvez a poluição
progressiva dos rios seja um importante fator de redução da
população de peixes. Habitantes e usuários permanentes ou
temporários das bacias hidrográficas que drenam para a planície
pantaneira, todos nós precisamos rever hábitos e atitudes, optar e
agir melhor para viabilizar a sustentabilidade do Pantanal. A
educação ambiental adequada fará a diferença.
1-
Texto preparado para apresentação no evento I
FORUM DE SUSTENTABILIDADE, ECOLOGIA E
CULTURA NA BACIA DO ALTO PANTANAL; 32ºFIPe, Cáceres
(MT); 04 de maio de 2012.
2-
Engº Agrº, Dr. Em Saúde e Ambiente; Prof. da Unemat; Ext. EMPAER-MT
(em licença). Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT): RIEDER, A. Sustentabilidade do Pantanal diante de pesticidas. 2012. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2012_2/sustentabilidade/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 14/05/2012 |