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A DEVASTAÇÃO FINANCEIRA

 Celso Luis Rodrigues Vegro

            A mídia social (escrita e falada) tem enfatizado com imenso interesse os desdobramentos dos debates em torno do novo Código Florestal. O regulamento que está sendo posto no papel balizará a forma como ocorrerá a apropriação dos recursos naturais, visando sua transformação em outro tipo de riqueza. A necessidade de construção de pontes1 entre os que defendem maior preservação do patrimônio natural e aqueles que precisam fazer negócios produzindo alimentos, fibras e madeira é o desiderato que, felizmente, a sociedade brasileira caminha para alcançar.  

            Se para a devastação ambiental, finalmente, se estabelecem limites objetivos e se apontam os caminhos de sua reversão2, ou seja, da recuperação florestal e dos recursos hídricos, o planeta, entretanto, move-se para os extremos de uma Terra Devastada3, capitaneados no “difuso” interesse representado pelas finanças internacionais.  

            O universo financeiro é protagonista de um dos fenômenos mais decisivos para o funcionamento da economia que é a formação das cotações4 “justas” para as mercadorias. Parece coisa singela, mas não é! A atração de milhares de “especuladores” para o espaço das Bolsas de Mercadorias, interessados em aplicar seus recursos monetários na expectativa de obtenção de receitas futuras é o que de melhor se tem em termos de formação justa para os preços.  Até o chamado comércio fair trade utiliza-se da cotação em Bolsa para intermediar fluxos de suprimentos entre produtores e compradores. Sem a interveniência das bolsas e a gestão da natureza intrinsecamente especulativa do processo capitalista, sobraria a anarquia de mercado, um caminho possivelmente macamado pela barbárie.  

            Todavia, o que são os fenômenos sociais sem seu contraditório. Pois é justamente a exuberância financeira em seu excesso de confiança, amparada pela timidez/catatonia das lideranças políticas institucionais e na falta de protagonismo das Nações líderes, que conduzem para a atual devastação. O marco de início desse ciclo recessivo foi a falência do banco de investimentos Lehman Brothers (ocorrida em 15/09/2008), após a recusa do Federal Reserve (Banco Central Americano) em socorrer financeiramente a instituição. A contração mundial na oferta de crédito à produção e ao refinanciamento dos compromissos mutuamente pactuados que se seguiu, produziu inflexão para baixo na expansão da economia mundial. 

            Naquela altura os governos nacionais abriram as comportas para o incremento do gasto público. Passou-se entre 12 a 18 meses imaginando-se que o colapso financeiro havia sido revertido, e a economia global rumava para uma acelerada retomada em céu de brigadeiro. A trajetória em W5 prevista pelos considerados pessimistas foi confirmada e o que era um mega colapso bancário6, imobiliário e das montadoras de veículos, metamorfoseou-se em inadimplência das dívidas soberanas sem sequer resolver o crash dos demais segmentos. A crise foi socializada e seu custo se traduz em índices de desemprego inaceitáveis, especialmente, entre os jovens que lutam para ingressar no mercado de trabalho.

            Dentre as medidas públicas visando o estímulo do investimento por parte da iniciativa privada esteve a redução drástica das taxas de juros básicas. Na maior parte do mundo desenvolvido não alcança, atualmente, sequer 0,5% ao ano. Diante de taxas tão irrisórias, comprar um Título do Tesouro Americano (chamados de T-Bonds7) é o mesmo que guardar dinheiro debaixo do colchão, algo absolutamente paradoxal face ao atual estágio do desenvolvimento econômico. Surpreenda-se amigo leitor: a demanda por esses títulos mantém-se vigorosa, mesmo com toda a desconfiança que já existe em torno da capacidade de honrar seus compromissos da autoridade monetária estadunidense. 

            Mas, quais seriam os motivo para os especuladores buscarem esses títulos? Uma hipótese forte é o temor de uma deflação generalizada, de moldes nipônicos que por experiência demonstraram ser tremendamente mais difícil reverter uma deflação do que domar uma inflação. O argumento utilizado é mais ou menos esse: para que comprar hoje se amanhã estará mais barato? Por conseguinte o diagnóstico: paralisia total dos negócios e fluxos financeiros, seguido por infarto econômico. 

            O olho do furacão repousa sobre os países que formam a União Européia. A injeção de dinheiro por parte, principalmente, da Alemanha para resgatar os estados falimentares encontra-se próximo do esgotamento. A orientação para maior rigor no gasto público com corte dos benefícios da política de bem estar, produzirão efeito contracionista de tal magnitude que aumentará ainda mais a relação Dívida/PIB, tornando ainda mais distante qualquer possibilidade de superação da crise das nações já prostradas de joelhos. O que sobra? Entrar definitivamente na guerra cambial e desvalorizar o euro! Outra iniciativa deflacionista que pretende apagar fogo aspergindo gasolina.            

            Defensivamente, mas totalmente aderente a lógica de reprodução ampliada do capital8, os especuladores buscam ancoradouros seguros para seu dinheiro. O ouro tem sido esse porto ao longo de toda a história humana e continua ainda sendo no atual momento. Mas há também outras mercadorias que pegam carona nessa procura por investimentos seguros. Assim, outros ativos passaram a interessar os especuladores, especialmente, as commodities agrícolas. 

            As políticas de estímulo aos biocombustíveis, associada ao progressivo encarecimento dos custos de produção, representado pela necessidade em descarbonizar a matriz produtiva, torna ainda mais atraente o investimento em commodities agrícolas9. Por essa razão, tais cotações têm atingido seus máximos históricos e ali permanecido, sendo tais fatores muito mais explicativos dessa alavancagem do que a clássica interpretação conjuntural pautada pela análise da produção, consumo, estoques e estimativas do desaparecimento. 

            A atratividade ao especulador pelo café é ainda mais forte que as mercadorias congêneres. Café é um produto de elevada inelasticidade, que manteve suas cotações mesmo sob o impacto da primeira onda da ruptura financeira. Trata-se de um hábito arraigado no cotidiano das populações ocidentais e ocidentalizadas, com chances efetivas de se manter como boa proteção para a reserva de valor quando não se encontra melhores alternativas. 

            Porém, não há como negar que existe no fluxo de suprimento de café, especialmente do arábica, um contexto de acentuada escassez conjuntural. Esse fato compõe naturalmente o cálculo econômico especulativo. Outros fatores de natureza estrutural adicionam mais interesse no café como a concentração entre produtores e o mercado por dose. O primeiro elemento concorre para tornar o fluxo comercial tenso (o importador não tem para onde correr, somente encontra café no Brasil ou no Vietnã, Indonésia e com muita mas muita sorte mesmo na Colômbia). O segundo, catapulta de tal maneira a agregação de valor ao produto e a sua cadeia de custódia enquanto, concomitantemente, cresce a taxas tão formidáveis (entre 20% a 30% ao ano), que se destaca sem haver outro negócio que rivalize na capacidade de atração do investidor privado.  

            A maré de notícias favoráveis também contempla o mercado brasileiro. Dentro de dois ou três anos suplantaremos os estadunidenses como maior mercado consumidor da bebida e o aceite do lavado brasileiro na bolsa novaiorquina abrirá novas possibilidades mercadológicas para o grão verde e amarelo. A aplicação de tecnologia agronômica, que a olhos vistos não para de incrementar a produtividade da lavoura, já conferem uma competitividade absolutamente tenaz para a cafeicultura brasileira. Essas poucas mas boas notícias, por si só são motivo de alento e estímulo para nossos que cafeicultores cumpram com a missão intransferível para a qual a humanidade os conclama e espera: PRODUZAM MAIS E AINDA MELHOR! 

 

1 A necessidade de construção de pontes ligando: ambientalistas e agricultores, foi abordada pelo prof. Dr. Efraim Rodrigues em se blog Ambiente por Inteiro. Disponível em: http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/. 

2 Na história de ocupação do território por parte da cafeicultura, sempre foi privilegiado os topos de morros quando do plantio de novos talhões. Tal processo contém racionalidades de duas naturezas: agronômica e social. No alto dos morros as geadas são menos freqüentes e a bebida tende a ser de melhor qualidade (racionalidade agronômica) e, instalando-se as lavouras nas partes mais altas, o proprietário (senhor de terras) podia visualmente controlar o desempenho das tarefas por parte dos trabalhadores (escravos), pois as residências situadas nos vales (proximidade dos cursos de água) garantiam, apenas com o esforço de se sentarem na sombra de suas varandas, o completo controle social de sua riqueza.   

3 Título daquele é considerado por muitos críticos literários um dos mais importantes poemas escritos no século passado (publicado em 1922) de autoria do Nobel de Literatura Sir T. S. Eliot. Disponível em: http://www.culturapara.art.br/opoema/tseliot/tseliot.htm 

4 Costumo distinguir preço de cotações. Pode parecer preciosismo, mas não o é. Cotações são referências para os preços. A transferência de propriedade de uma mercadoria ou serviço ocorre por meio dos preços que seguem a sinalização emitida pelas cotações.            

5 As ilustrações que indicavam qual seria o desenho da retomada eram: em L (longa depressão); em V (rápida reversão); em U (moderada depressão com gradual reversão), ou em W (duplo tombo). 

6 Muito similar à fatídica quebra de 1929. 

7 Assim chamados quando o prazo para seu vencimento é de dez anos ou mais. 

8 Karl Marx definiu a reprodução ampliada do capital como a passagem de Dinheiro para Dinheiro’, onde D’>D, ou seja, criação de mais dinheiro sem passar pela etapa da transformação produtiva pautada por uma mercadoria objetiva.  

9 Mais até que as minerais e o petróleo que em razão da desaceleração econômica tendem a exibir cotações declinantes. 


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato:
celvegro@iea.sp.gov.br


Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R. A devastação financeira. 2012. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2012_1/devastacao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 19/01/2012