A mídia social (escrita e falada) tem enfatizado com imenso
interesse os desdobramentos dos debates em torno do novo Código
Florestal. O regulamento que está sendo posto no papel balizará a
forma como ocorrerá a apropriação dos recursos naturais, visando sua
transformação em outro tipo de riqueza. A necessidade de construção
de pontes1 entre os que defendem maior preservação do
patrimônio natural e aqueles que precisam fazer negócios produzindo
alimentos, fibras e madeira é o desiderato que, felizmente, a
sociedade brasileira caminha para alcançar.
Se para a devastação ambiental, finalmente, se estabelecem
limites objetivos e se apontam os caminhos de sua reversão2,
ou seja, da recuperação florestal e dos recursos hídricos, o
planeta, entretanto, move-se para os extremos de uma
Terra Devastada3,
capitaneados no “difuso” interesse representado pelas finanças
internacionais.
O universo financeiro é protagonista de um dos fenômenos mais
decisivos para o funcionamento da economia que é a formação das
cotações4 “justas” para as mercadorias. Parece coisa
singela, mas não é! A atração de milhares de “especuladores” para o
espaço das Bolsas de Mercadorias, interessados em aplicar seus
recursos monetários na expectativa de obtenção de receitas futuras é
o que de melhor se tem em termos de formação justa para os preços.
Até o chamado comércio
fair trade utiliza-se da cotação em Bolsa para intermediar fluxos de
suprimentos entre produtores e compradores. Sem a interveniência das
bolsas e a gestão da natureza intrinsecamente especulativa do
processo capitalista, sobraria a anarquia de mercado, um caminho
possivelmente macamado pela barbárie.
Todavia, o que são os fenômenos sociais sem seu
contraditório. Pois é justamente a exuberância financeira em seu
excesso de confiança, amparada pela timidez/catatonia das lideranças
políticas institucionais e na falta de protagonismo das Nações
líderes, que conduzem para a atual devastação. O marco de início
desse ciclo recessivo foi a falência do banco de investimentos
Lehman Brothers (ocorrida
em 15/09/2008), após a recusa do Federal Reserve (Banco Central
Americano) em socorrer financeiramente a instituição. A contração
mundial na oferta de crédito à produção e ao refinanciamento dos
compromissos mutuamente pactuados que se seguiu, produziu inflexão
para baixo na expansão da economia mundial.
Naquela altura os governos nacionais abriram as comportas
para o incremento do gasto público. Passou-se entre 12 a 18 meses
imaginando-se que o colapso financeiro havia sido revertido, e a
economia global rumava para uma acelerada retomada em céu de
brigadeiro. A trajetória em W5 prevista pelos
considerados pessimistas foi confirmada e o que era um mega colapso
bancário6, imobiliário e das montadoras de veículos,
metamorfoseou-se em inadimplência das dívidas soberanas sem sequer
resolver o crash dos demais segmentos. A crise foi socializada e seu
custo se traduz em índices de desemprego inaceitáveis,
especialmente, entre os jovens que lutam para ingressar no mercado
de trabalho.
Dentre as medidas públicas visando o estímulo do investimento
por parte da iniciativa privada esteve a redução drástica das taxas
de juros básicas. Na maior parte do mundo desenvolvido não alcança,
atualmente, sequer 0,5% ao ano. Diante de taxas tão irrisórias,
comprar um Título do Tesouro Americano (chamados de T-Bonds7)
é o mesmo que guardar dinheiro debaixo do colchão, algo
absolutamente paradoxal face ao atual estágio do desenvolvimento
econômico. Surpreenda-se amigo leitor: a demanda por esses títulos
mantém-se vigorosa, mesmo com toda a desconfiança que já existe em
torno da capacidade de honrar seus compromissos da autoridade
monetária estadunidense.
Mas, quais seriam os motivo para os especuladores buscarem
esses títulos? Uma hipótese forte é o temor de uma deflação
generalizada, de moldes nipônicos que por experiência demonstraram
ser tremendamente mais difícil reverter uma deflação do que domar
uma inflação. O argumento utilizado é mais ou menos esse: para que
comprar hoje se amanhã estará mais barato? Por conseguinte o
diagnóstico: paralisia total dos negócios e fluxos financeiros,
seguido por infarto econômico.
O olho do furacão repousa sobre os países que formam a União
Européia. A injeção de dinheiro por parte, principalmente, da
Alemanha para resgatar os estados falimentares encontra-se próximo
do esgotamento. A orientação para maior rigor no gasto público com
corte dos benefícios da política de bem estar, produzirão efeito
contracionista de tal magnitude que aumentará ainda mais a relação
Dívida/PIB, tornando ainda mais distante qualquer possibilidade de
superação da crise das nações já prostradas de joelhos. O que sobra?
Entrar definitivamente na guerra cambial e desvalorizar o euro!
Outra iniciativa deflacionista que pretende apagar fogo aspergindo
gasolina.
Defensivamente, mas totalmente aderente a lógica de
reprodução ampliada do capital8, os especuladores buscam
ancoradouros seguros para seu dinheiro. O ouro tem sido esse porto
ao longo de toda a história humana e continua ainda sendo no atual
momento. Mas há também outras mercadorias que pegam carona nessa
procura por investimentos seguros. Assim, outros ativos passaram a
interessar os especuladores, especialmente, as commodities
agrícolas.
As políticas de estímulo aos biocombustíveis, associada ao
progressivo encarecimento dos custos de produção, representado pela
necessidade em descarbonizar a matriz produtiva, torna ainda mais
atraente o investimento em commodities agrícolas9. Por
essa razão, tais cotações têm atingido seus máximos históricos e ali
permanecido, sendo tais fatores muito mais explicativos dessa
alavancagem do que a clássica interpretação conjuntural pautada pela
análise da produção, consumo, estoques e estimativas do
desaparecimento.
A atratividade ao especulador pelo café é ainda mais forte
que as mercadorias congêneres. Café é um produto de elevada
inelasticidade, que manteve suas cotações mesmo sob o impacto da
primeira onda da ruptura financeira. Trata-se de um hábito arraigado
no cotidiano das populações ocidentais e ocidentalizadas, com
chances efetivas de se manter como boa proteção para a reserva de
valor quando não se encontra melhores alternativas.
Porém, não há como negar que existe no fluxo de suprimento de
café, especialmente do arábica, um contexto de acentuada escassez
conjuntural. Esse fato compõe naturalmente o cálculo econômico
especulativo. Outros fatores de natureza estrutural adicionam mais
interesse no café como a concentração entre produtores e o mercado
por dose. O primeiro elemento concorre para tornar o fluxo comercial
tenso (o importador não tem para onde correr, somente encontra café
no Brasil ou no Vietnã, Indonésia e com muita mas muita sorte mesmo
na Colômbia). O segundo, catapulta de tal maneira a agregação de
valor ao produto e a sua cadeia de custódia enquanto,
concomitantemente, cresce a taxas tão formidáveis (entre 20% a 30%
ao ano), que se destaca sem haver outro negócio que rivalize na
capacidade de atração do investidor privado.
A maré de notícias favoráveis também contempla o mercado
brasileiro. Dentro de dois ou três anos suplantaremos os
estadunidenses como maior mercado consumidor da bebida e o aceite do
lavado brasileiro na bolsa novaiorquina abrirá novas possibilidades
mercadológicas para o grão verde e amarelo. A aplicação de
tecnologia agronômica, que a olhos vistos não para de incrementar a
produtividade da lavoura, já conferem uma competitividade
absolutamente tenaz para a cafeicultura brasileira. Essas poucas mas
boas notícias, por si só são motivo de alento e estímulo para nossos
que cafeicultores cumpram com a missão intransferível para a qual a
humanidade os conclama e espera: PRODUZAM MAIS E AINDA MELHOR!
1 A necessidade de construção de pontes ligando:
ambientalistas e agricultores, foi abordada pelo prof. Dr. Efraim
Rodrigues em se blog Ambiente por Inteiro. Disponível em:
http://ambienteporinteiro-efraim.blogspot.com/.
2
Na história de ocupação do território por parte da
cafeicultura, sempre foi privilegiado os topos de morros quando do
plantio de novos talhões. Tal processo contém racionalidades de duas
naturezas: agronômica e social. No alto dos morros as geadas são
menos freqüentes e a bebida tende a ser de melhor qualidade
(racionalidade agronômica) e, instalando-se as lavouras nas partes
mais altas, o proprietário (senhor de terras) podia visualmente
controlar o desempenho das tarefas por parte dos trabalhadores
(escravos), pois as residências situadas nos vales (proximidade dos
cursos de água) garantiam, apenas com o esforço de se sentarem na
sombra de suas varandas, o completo controle social de sua riqueza.
3
Título daquele é considerado por muitos críticos
literários um dos mais importantes poemas escritos no século passado
(publicado em 1922) de autoria do Nobel de Literatura Sir T. S.
Eliot. Disponível em:
http://www.culturapara.art.br/opoema/tseliot/tseliot.htm
4 Costumo distinguir preço de cotações. Pode parecer
preciosismo, mas não o é. Cotações são referências para os preços. A
transferência de propriedade de uma mercadoria ou serviço ocorre por
meio dos preços que seguem a sinalização emitida pelas cotações.
5 As ilustrações que indicavam qual seria o desenho
da retomada eram: em
L (longa depressão);
em
V (rápida reversão);
em
U
(moderada depressão com gradual reversão), ou em
W (duplo tombo).
6 Muito similar à fatídica quebra de 1929.
7 Assim chamados quando o prazo para seu vencimento
é de dez anos ou mais.
8 Karl Marx definiu a reprodução ampliada do capital
como a passagem de Dinheiro para Dinheiro’, onde D’>D, ou seja,
criação de mais dinheiro sem passar pela etapa da transformação
produtiva pautada por uma mercadoria objetiva.
9 Mais até que as minerais e o petróleo que em razão
da desaceleração econômica tendem a exibir cotações declinantes. Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café. Contato: celvegro@iea.sp.gov.br
Dados para citação bibliográfica(ABNT): VEGRO, C.L.R. A devastação financeira. 2012. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2012_1/devastacao/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 19/01/2012 |