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Monarcas & Falenas1

Celso Luis Rodrigues Vegro

 

            Os lepidópteros são pragas bem conhecidas pelos agricultores. Entre os cafeicultores a Leucoptera coffeella  (bicho mineiro) é a mariposa que mais dilapida as colheitas brasileiras de norte a sul. Assim, ter os lepidópteros como título do artigo de conjuntura do mercado de café algo perfeitamente plausível.

            Monarcas empreendem anualmente uma grande migração por todo o território estadunidense alcançando, no inverno, as florestas tropicais do México. Ao início da primavera voltam a migrar para os EUA e reproduzir o ciclo natural dessa espécie. Para aqueles que não conhecem o assunto vale conferir o documentário: http://www.youtube.com/watch?v=fjkTEzj7-V8. Mas desde seu último deslocamento iniciado em outubro de 2010 até seu retorno a partir de março de 2011, as Monarcas encontraram um pais totalmente transformado, quase irreconhecível.

            Nesse retorno, as borboletas, encontram uma nação, que por mais de 60 anos exerceu papel de protagonista global, transformada repentinamente em alvo de especulações quanto a sua capacidade de cumprir com os pagamentos de sua dívida pública. De fato, os chamados Treasuries ou T-bonds, foram considerados os títulos financeiros mais seguros e contra o qual, todos os demais títulos de outros países inclusive os do Brasil, sempre foram negociados com incidência percentuais relativos à desconfiança quanto a capacidade de honrar tais pagamentos. Em final de julho e início de agosto a história mudou. O superendividamento estadunidense, incrementado inclusive para resgatar os bancos, montadoras e imobiliárias que vieram à lona em 2007 e 2008, ultrapassou o suposto limite da capacidade de pagamento do país.

            Os US$3 trilhões emitidos pelos EUA desde 2008 exigiram a venda de igual volume de T-bonds para evitar uma escalada inflacionária, embora seus efeitos na produção de liquidez excessiva estejam ainda pairando sobre os mercados em que se formam os preços de inúmeros produtos chave da matriz econômica mundial. A inflação é, reconhecidamente, o maior inimigo de qualquer política monetária, pois como já se experimentou no Brasil dos anos 80, a inflação fora de controle (hiperinflação) instaura processos inerciais de remarcação de preços que desorganiza a economia e paralisa o investimento privado. Ademais diminui o bem estar das famílias por empobrecer toda a sociedade que passa a alimentar o imposto inflacionário. Emitir moeda de um lado e vender títulos de outro são como irmãs siamesas da política macroeconômica não inflacionária.

            Todavia é um equivoco acreditar que os EUA vivem seu momento de república das banana. O que se viu no senado americano foi uma antecipação da disputa eleitoral, com nítida tentativa de desgaste da imagem do presidente que é candidato à reeleição. Igualmente crer que o império irá desmoronar um exagero. Impérios não ruem de uma hora para outra. O cruel Nero Cesar mandou atear fogo em Roma então construída quase que inteiramente em madeira. Após seu suicídio, os imperadores que o sucederam reconstruíram a cidade em mármore e o império permaneceu sólido por mais quatrocentos anos. A capacidade empreendedora do povo estadunidense sempre é um fator que colabora para com o achamento de saídas exitosas.

            O império não cairá, mas o ajuste necessário será sofrido. Desprovido de uma liderança capaz de nortear as ações, os EUA patinam e patinaram por mais dois ou três anos até que o setor privado consiga imprimir nova dinâmica à combalida economia. Manter a trajetória de desvalorização do dólar e juros básicos próximo de zero, formam, por enquanto, os únicos consensos. Como financiar seu endividamento sem demandar poupança externa é o verdadeiro desafio americano, o que traz a tona um outro império ainda mais antigo que o romano.

            A China, detentora de mais de US$1,3 trilhões de dólares em T-bonds2, constitui-se no reflexo imediato das dificuldades estadunidenses. A estratégia de crescer financiando com sua poupança o déficit americano esgotou-se. Ademais, criou-se uma armadilha aos chineses que não podem iniciar um processo de venda dos títulos americanos, pois não existe outro refúgio que o possa substituí-lo (talvez o ouro). Também, negociar com títulos denominados em outras moedas mais arriscados, uma vez que o euro e o iene andam ainda mais desacreditados. Sobra apenas repensar seu modelo de desenvolvimento que seja menos dependente das exportações (cerca de 50% do PIB) e acelerar o processo de valorização de sua moeda.

            Essa foi a sinuca encontrada pelas Monarcas em seu retorno. Já as falenas, suas primas de natureza notívaga, desde a crise de 2008 presenciam o ambiente europeu cada vez mais escuro, portanto mais afeito as suas singularidades. De fato a união monetária imperfeita mostrou que sem uma Lei de Responsabilidade Fiscal é quase que impossível gestão eficaz. Após centenas de bilhões de euros aplicados em diferentes nações pré-falimentares emprestados junto ao FMI e Banco Mundial, a eurolândia terá que passar por um ajuste ainda mais penoso e custoso que o estadunidense pautado por austeridade orçamentária, combate ao desemprego crescente e da explosão de distúrbios urbanos. Ao final de agosto, não bastassem às más notícias provindas dos chamados PIIGS, o mercado financeiro se surpreendeu com os esforços do Banco Central Europeu de resgate de seus bancos após já ter apoiado à exaustão suas nações falimentares, incrementam os temores de que um colapso seria eminente.

            A atual década não possui protagonistas3. Os antigos perderam-se e a China terá que se reinventar. Nas finanças não existe mais um porto seguro (excetuando-se o ouro) e a ansiedade obtusa substitui as necessárias decisões ponderadas. Apalermadas estão as Monarcas e suas primas Falenas. Mirar o sul ou procurar a iluminação pública são nesse caso posturas insuficiente.

             No Brasil existem aqueles que acreditam que como em 2008 o país sairá relativamente ileso, enquanto outros prevêem problemas graves com a queda do preço das commodities decorrente da desaceleração mundial. Isso afeta diretamente o mercado de café e os cafeicultores que se aproximam de encerrar a colheita se perguntam: é hora de vender ou seria vantagem adiar a comercialização apostando numa valorização do produto. Essa de fato é a pergunta que vale o milhão.

            Não existe metodologia científica que permita fazer previsões sobre o futuro. Assim, o mais próximo disso consiste em averiguar desempenho passado e elaborar cenários prospectivos alternativos. O colapso financeiro de 2008 exibiu um grau de severidade similar ao atual. Todavia, o mercado de café pouco se ressentiu dos reflexos do encolhimento da riqueza financeira4. A substituição do consumo fora do lar pelo preparo da bebida em âmbito doméstico, foi a postura dos apreciadores que impediu que o mercado de café pouco se ressentisse dos reflexos da crise anterior.

            O café está relativamente blindado frente às crises econômicas em razão da sua singular inelasticidade. Diferentemente das carnes, por exemplo, o encolhimento da renda das famílias não corrói sua participação do café na composição da cesta básica.

            O café, beneficiado por sua intrínseca inelasticidade associada a outros fatores como: a provável manutenção da trajetória de depreciação do dólar e a busca por ativos reais por parte dos agentes econômicos, tende a impulsionar suas cotações. Uma coisa é fato: comercializar ao término da colheita nunca foi a melhor opção para qualquer produto agrícola. No caso do café, setembro é historicamente um dos meses de mais baixas cotações, enquanto entre dezembro e março as melhores.

            Os cafeicultores que estabeleceram planejamento da comercialização devem se manter fieis aos objetivos delineados. Para os demais a recomendação é vender apenas para fazer frente aos compromissos financeiros mais imediatos, dosando novas venda de forma homeopática. Há forte sentimento que a próxima safra brasileira não seja de magnitude jamais vista, impedindo qualquer recuperação dos estoques o que, por sua vez, manterá as cotações sob forte estresse. Quanto aos lepidópteros, veneno neles!

 

1 Monarca: espécie de borboleta comum nas Américas, enquanto falena designa as mariposas. Essas últimas são atraídas pela luz da iluminação pública, condição essa que o vocábulo passou também a designar, por extensão de sentido e/ou silogismo, especialmente o poético, às cortesãs.

2 Existem estimativas não oficiais de que o volume de T-bounds em posse dos chineses alcance os US$2trilhões.

3Alguém poderia se lembrar do Japão. Todavia, o país padece de estagnação crônica e surtos de deflação que paralisa sua economia. Efeitos do terremoto seguido por tsunami ainda não foram revertidos e provavelmente não serão revertidos em um horizonte próximo.

4 Esse analista foi daqueles que colocou em dúvida equivocadamente as possibilidades de manutenção do crescimento do mercado de café. Ver www.cafepoint.com.br/relatóriosmensais/apanágiodainelasticidade

 

 


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nível VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato:
celvegro@iea.sp.gov.br 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R. Monarcas & Falenas. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_3/monarcas/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 06/09/2011