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AGROPECUARISTA SEQUESTRA ... CARBONO:  NOVO CÓDIGO FLORESTAL EM SÃO PAULO AUMENTA A VEGETAÇÃO NATIVA SEM ANISTIA A DESMATADORES

JOSÉ SIDNEI GONÇALVES

 

A agricultura é o único setor em São Paulo com saldos comerciais positivos no comércio exterior (US$ 12,13 bilhões em 2010), sem ela o déficit comercial seria maior que os US$ 15,48 bilhões de 2010. E a agricultura está em todos os municípios. Daí ser estratégica para a economia paulista. E não há mais fronteira agropecuária a ocupar no território paulista de lavouras e criações ocupando espaços produtivos consolidados a mais de quatro décadas, cuja dinâmica de aumento da produção associa-se a ganhos de produtividade, à intensificação do uso do solo (mais de uma colheita na mesma gleba) e à alterações na composição de culturas. Daí a relevância das políticas e das legislações de uso do solo.

A agricultura paulista é uma das mais eficientes do mundo e um setor estratégico para o desenvolvimento estadual e nacional. Inclusive não está associada à multiplicação  de pura e simples expansão de produtos primários, tendo em vista que mais de 80% das exportações da agricultura paulista consiste em produtos processados, diferenciando-se das demais regiões brasileiras de agropecuária primário-exportadora, uma vez que mais da metade das vendas externas referem-se a produtos básicos. Com dinâmicas econômicas tão distintas, não fazem mais sentido postulações que não levem em conta os elementos imanentes das territorialidades específicas.

O atual Código Florestal empurrou para a ilegalidade 3,7 milhões de hectares da agropecuária paulista. As propriedades rurais ocupam 22 milhões de hectares em São Paulo. Outros 800 mil hectares são de agropecuária (lavouras e criações) em propriedades situadas no perímetro urbano das cidades. Desses 18 milhões são ocupados com lavouras (10 milhões dos quais 5,5 milhões com cana) e criações (8 milhões de hectares de pasto). Se perdermos 3,7 milhões como no atual Código Florestal seria um desastre econômico. E 3,6 milhões de hectares seriam na Bacia Tietê-Paraná, dado que as Bacias do Ribeira e do Paraíba perderiam 100 mil hectares.

O que se quer com a mudança no Código Florestal não é desmatar mais, mas preservar o patrimônio produtivo. Deixe-se claro que não faz qualquer sentido o argumento de que a proposta levaria à redução da vegetação nativa, uma vez que o documento em votação não autoriza ninguém a cortar qualquer árvore em qualquer propriedade rural. Ao contrário, matas ciliares atualmente inexistentes em várias propriedades e que são vitais para conservação do solo e da água, deverão ser recompostas.

Em São Paulo a recomposição de Áreas de Proteção Permanente (APPs) implicaria em aumento em torno de 700 mil hectares de vegetação nativa (nas propriedades rurais e urbanas que se dedicam à agropecuária), principalmente em matas ciliares.  Para isso, se aprovada a emenda 164 (que firma competência compartilhada entre estados, municípios e união para regular estes casos especiais) e a regulamentação reconhecer como consolidadas todas as ocupações das várzeas e APPs de topo de morro ainda assim teríamos  no mínimo a recomposição de APPs em matas ciliares de 340 mil hectares.

Outro fato relevante, a agricultura de São Paulo não desmata mais desde 1970, ao contrário recuperou cerca de 150 mil hectares. Essa estrutura de ocupação consolidada está tendo o direito adquirido reconhecido na forma da proposta aprovada na Câmara Federal.  A proposta tira da ilegalidade os 3,7 milhões de hectares produtivos da agricultura paulista. O critério de contar a área de preservação permanente para efeito de reserva legal que a proposta prevê, tira sozinho da ilegalidade quase 1,5 milhão de hectares paulistas. O da temporalidade outros 2,0 milhões de hectares.  

O que é isso? A não contagem das áreas de preservação permanente para efeito de reserva legal é uma invenção da Medida Provisória 2166-67 de 2001, quando toda a área paulista já era produtiva. Logo a proposta faz justiça em função de que a lei não pode ter efeito retroativo e quando o agropecuarista desmatou não era proibido logo não cometeu crime algum. O que é o critério da temporalidade? Trata-se de respeito ao direito adquirido. O agropecuarista somente é obrigado a seguir leis vigentes na época em que abriu a fazenda. E em São Paulo quando as fazendas e sítios foram abertos não era obrigado manter 20% de reserva legal. Logo não podemos confundir a legislação ambiental justa para São Paulo com a legislação ambiental necessária para a Amazônia. São situações diferentes. E como são diferentes deve ter tratamentos legais também diferentes. Afinal, o principio ambiental de preservação dos ecossistemas não parte exatamente do fato de que cada qual consiste numa dinâmica biológica distinta. 

A proposta aprovada na Câmara Federal equaciona o reconhecimento do direito adquirido de cerca de 3,5 milhões de hectares da agropecuária paulista. Desse universo no mínimo 340 mil hectares adicionais de vegetação nativa devem ser incorporados. Nas propriedades rurais restariam em torno de 200 mil hectares para serem considerados na regulamentação especial das áreas consolidadas no tocante a várzeas e topos de morros. Se a legislação não “consolidar a ocupação submetida à normatização especial“ seriam então até 540 mil hectares na agropecuária das propriedades rurais que seriam reconvertidos em vegetação nativa. Esse indicador depende de normatização adicional pelos governos estaduais ou pelo governo federal dependendo de como prosperará a Emenda 164 no Senado.

Mas essa vegetação nativa pode atingir até 700 mil hectares porque outros 160 mil hectares de agropecuária realizada em propriedades urbanas estão dependentes da mesma regulamentação especial. Para isso há que se ter em conta também outro aspecto da legislação sobre a agropecuária. Os impactos do Novo Código Florestal devem considerar também a agricultura urbana e peri-urbana, que não são praticadas em propriedades rurais mas em propriedades urbanas (Bairro de Parelheiros na Capital e praticamente todo cinturão verde). Esses produtores já são penalizados porque arcam com Imposto da Propriedade Territorial Urbana (IPTU) muito maior que o Imposto Territorial Rural (ITR).

E estão fora dos benefícios do Programa nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (PRONAF) porque para isso teriam que obter a Declaração de Aptidão ao PRONAF (DAP) que a associa ao imóvel rural excluindo as unidades agropecuárias localizadas no perímetro urbano. São os “excluídos” dos excluídos das políticas públicas federais. Esses agropecuaristas sequer têm reconhecida a sua relevância, inclusive para a questão ambiental na medida em que se não resistirem à expansão imobiliária são literalmente riscados do mapa – porque não existem nem para o MAPA, nem para o MDA – dando espaço a ocupações irregulares e desastrosas dos mananciais no tocante aos impactos ambientais. Reconhecer esse segmento como agropecuária consolidada é o primeiro passo para o reconhecimento das contribuições dessa agricultura urbana.  

De qualquer forma não há redução da vegetação nativa em São Paulo com a aplicação do Novo Código Florestal. E também não faz sentido falar-se em anistia no caso paulista das multas até 2008. Muitos agropecuaristas foram multados com base no Decreto Federal nº 6.514/2008 por descumprirem a Medida Provisória 2166-67 de 2001 que além de não reconhecer o direito adquirido nas ocupações já consolidadas também excluiu as APPs do cômputo para efeito da Reserva Legal. E determinava averbação em prazo curto e multas pesadas no não cumprimento.

Decisões governamentais posteriores suspenderam as multas e aplicação das medidas do referido Decreto Federal nº 6.514/2008. Finalmente o Decreto Federal nº 7.039/2009 estendeu esse prazo até 11 de junho de 2011. E agora aprovado o Novo Código Florestal na Câmara Federal, o Decreto Federal 7.497, de 9 de junho de 2011 postergou entrada em vigência do artigo 55 do Decreto Federal nº 6.514/2008 para 11 de dezembro de 2011.  Trata-se de cautela necessária para que seja evitado o conflito e o caos jurídico. Dessa maneira, até agora as multas não foram executadas porque a dada a correta prudência governamental, a legislação protegeu o agropecuarista.

No Novo Código Florestal essas multas não existirão de direito porque esse instrumento legal ao reconhecer o direito adquirido das áreas consolidadas deixa de dar sustentação jurídica às multas editadas com base na legislação até então em vigor que ignoravam esses direitos. Em São Paulo a esmagadora maioria das situações será resolvida com o reconhecimento do direito adquirido das áreas consolidadas. E não tendo cometido infração não há razão para multa. E como não há multa não há nada a anistiar. Logo no caso paulista não faz qualquer sentido a leitura distorcida de anistia de desmatadores. Afinal, só pode ser anistiado o infrator e não é infrator quem seguindo a lei em dado tempo histórico montou a estrutura produtiva de sua propriedade rural.

O reconhecimento desse direito implica num fato positivo adicional, qualquer que seja o formato do Novo Código Florestal que resulte do debate atual, no final das contas, quem terá que preservar o meio ambiente na sua propriedade rural será exatamente o agropecuarista.  Não faz sentido imputá-lo a condição de vilão clamando por indulgência, quando na verdade deve-se destacar a excelência de sua contribuição para a sociedade, produzindo alimentos, vestuário, energia e lazer. O produtor agropecuário – rural ou urbano -, longe de ser bandido, reconheça-se que se trata de notório seqüestrador... de carbono, ao preservar e ampliar a vegetação nativa.

 


José Sidnei Gonçalves possui graduação em Engenharia Agronômica pela Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias de Jaboticabal (FCAJ) da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho-UNESP (1983) e Doutorado em Ciências Econômicas pelo Instituto de Economia (IE) da Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP (1992). Defendeu a Tese de Dotoramento "Mudar para Manter: Pseudomorfose da Agricultura Brasileira" (1997). Atualmente é Pesquisador Científico VI em regime de tempo integral do INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA (IEA) da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios (APTA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Foca a pesquisa & desenvolvimento na área de Economia Aplicada à Agricultura, com ênfase na Análise do Desempenho Setorial e Políticas Públicas à luz da Teoria Econômica e da História Econômica, abarcando, principalmente, os temas: desenvolvimento economico, orçamento público, instrumentos de políticas governamentais, competitividade setorial, progresso técnico e estrutura de mercado e formação de preços.
Contato:
sydy@iea.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

GONÇALVES; J.S. Agropecuarista sequestra ... Carbono:  novo código florestal em São Paulo aumenta a vegetação nativa sem anistia a desmatadores. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_2/CodigoFlorestal/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 03/08/2011