Carambolas Lógicas
Celso
Luis Rodrigues Vegro No país das jabuticabas, ninguém presta atenção nas carambolas. Eis um caso perverso da burra unanimidade. A jabuticaba (árvore e fruto), cantadíssima em verso e prosa, alcançou notoriedade pelo exotismo, singularidade e exclusividade das terras tupiniquins. A carambola, embora reúna todas as características para ser ainda mais esquisita (fruto ovóide que em seção transversal tem formato de estrela), permanece relegada. Curiosamente, o contrário dessa evidência acontece quando consideramos o sentido figurado de “carambola”: tramóia, trapaça, trambique... Nisso o Brasil é imbatível, pois somos, verdadeiramente, o país das interruptas carambolas públicas e privadas.
Investigar os motivos mais profundos
para um fenômeno recente da balança comercial do agronegócio café é
a proposta deste artigo. O crescimento exponencial das importações
de café torrado e moído e torrado em grãos (T&M), observado no
primeiro semestre deste ano, promove uma inversão na trajetória das
transações internacionais do produto passando a ser deficitário ao
país esse comércio. Argumentar dialeticamente com as unanimidades
que já se formaram, consiste no objetivo desta análise.
No primeiro
semestre de
A trajetória de
declínio das exportações em quantidade e oscilante em valor ocorre
mesmo sob a importantíssima alavanca representada pelo Programa
Setorial Integrado (PSI-Café) da Agência de Promoção das Exportações
(APEX). Desde
Legalmente impedida de compor ligas
contendo especialidades trazidas de fora, a torrefação doméstica
convive com uma espécie de “concorrência desleal”, na medida em que
aos torrefadores internacionais se permite explorar no mercado
interno os diferenciais de seu produto, enquanto os locais vêem-se
restritos aos tipos de bebidas aqui produzidas.
Entretanto, não se
limita ao imbróglio do draw
back a limitação competitiva da torrefação verde e amarela
(nacionais e transnacionais). A indústria enfrenta custos crescentes
que cumulativamente roubam-lhe competitividade. Desde a excessiva
valorização cambial; pesadíssima carga tributária; taxas de juros
estratosféricas; custos elevados para a contratação de mão de obra;
logística precarizada pelos lamentáveis adiamentos dos cruciais
investimentos (portuário, ferroviário, armazenagem, colapso na
oferta de energia), entre outros, formam aquilo que se convencionou
denominar Custo Brasil. Esse conjunto de fatores tem induzido o
fenômeno da commoditização da pauta aliada à desindustrialização.
Até esse ponto
temos argumentos do tipo jabuticaba, ou seja, o decantadíssimo
discurso da unanimidade. Passemos ao capítulo ignorado pela maioria
e no qual são poucos os que se aventuram a enfiar o nariz (exceto os
míopes) essa é a carambola.
A indústria de
torrefação brasileira carece de cultura em transferir riscos por
meio de contratos (colaterais, futuro e opções). Tal posicionamento
comercial fragiliza, acentuadamente, qualquer empreendimento em que
seu principal custo (aquisição de matéria prima) tem sua formação de
preços pautada pelo jogo especulativo das bolsas de Nova Iorque
(arábica) e de Londres (robusta). Até existe o interesse em fazer
hedge seus custos, mas a decisão não ultrapassa a fronteira da
intenção devido ao “elevado” padrão de qualidade para os grãos
contratualmente estabelecidos2. Aqui já se denuncia uma
postura retrógrada da indústria, pois o discurso da qualidade esta
presente em todas as peças publicitárias de qualquer torrefadora
quando, em contrapartida, essas mesmas firmas se mantêm alijadas do
mercado em que essa qualidade é arbitrada.
Vem a pergunta, mas
o que isso tem em haver com as exportações. Sem cultura do hedge é
absolutamente impossível formalizar contratos de longo prazo (
Outra deficiência
da torrefação brasileira é sua baixíssima propensão para a inovação
(produtos e processos). O detalhe que escapou aos seletíssimos
membros da unanimidade foi à origem do produto importado:
SUÍÇA!!!! Está claro que
o grosso das importações consiste em cápsulas (dose de café) para
operação das máquinas de espresso (de padrão doméstico e/ou
institucional). O conjunto de inovações introduzido pelo mercado de doses contempla diversas ações: alta qualidade do blend de características sempre surpreendentes; facilidade de preparo; certeza de excelência, certificação; equipamentos de desenho encantador com ares de requinte de uma cafeteria no lar. Juntando-se a isso se tem a distribuição das cápsulas por meio de logística própria estruturada em clubes de consumidores. Há ainda a necessidade inadiável de concentração do capital no segmento, pois não se espera que a torrefação doméstica (de controladores nacionais como internacionais) alcance patamar de competitividade internacional sem reunir antes musculatura para tal projeto. O jogo concorrencial disputado na arena do comércio internacional exige porte empresarial similar aos grandes grupos transnacionais que atuam no segmento. Ironicamente, há poucos meses atrás, a Sara Lee – divisão de café esteve à venda. Por incapacidade dos gestores públicos (BNDES) o negócio não se concretizou embora houvesse grupo nacional (JBS) disposto a entrar no negócio da torrefação. Por outro lado deve-se reconhecer, ou melhor, felicitar casos de êxito na exportação de T&M. A empresa Café do Centro, por exemplo, construiu alianças com empreendedores de casas de café no Japão e na Tailândia, tornando-se numa das mais destacadas companhias brasileiras na exportação do T&M. Concentrados no mercado de especialidades e buscando incessantemente inovações, a dupla de empresários dessa firma exibe ano a ano saltos no faturamento de vendas e da carteira de clientes. Uma honrosa exceção. Outros fracassaram como foi o caso da frustrada tentativa de abrir o mercado chinês capitaneada por cooperativa mineira. A desconsideração para com os apreciadores da bebida pautou a ação do lobby da torrefação, pois tiveram êxito ao incluir na Instrução Normativa 16, o limite de até 5% de água adicionada no T&M. O decantado discurso da modernização, certificação, qualidade cai por terra diante da produção legalizada do lucro fácil e do engodo de inocentes consumidores. Diante desse panorama sobre o assunto, cabe perguntar: será que se justifica a manutenção do PSI-café (convênio ABIC-APEX), ou ao contrário dever-se-ia suspender à subvenção pública, jogar a toalha e colaborar com o esforço macroprudencial federal, economizando-se a inversão financeira prevista para o programa? Aparentemente, não há como reverter o quadro de crescimento exponencial das importações e concomitante declínio das exportações. Assim, recuar com a política guardando munição para um momento mais oportuno parece a decisão mais apropriada. O debate público carece de
visões menos unilaterais e percorram a problemática com diagnósticos
que contemplem a totalidade do assunto. As importações de café
escancaram a debilidade competitiva da torrefação nacional
consistindo numa oportunidade para que as carambolas se destaquem
para a inveja das jabuticabas.
1 ZAFALON, M. Importação de café sobre e indústria nacional quer condições de igualdade. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mercado, p.4. 09/07/2011. No artigo consta que o preço médio unitário do café suíço foi de US$89/kg, ou aproximadamente, R$140,00/kg convertido pela taxa de câmbio de 18/07/2011. 2 Na BM&F, por exemplo, os contratos (futuros e opções) são para o café arábica tipo 4 de bebida dura. Celso Luis Rodrigues
Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura
"Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas
Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu
mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como
Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da
Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de
Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas
áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à
coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e
tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Dados para citação bibliográfica(ABNT): VEGRO, C.L.R. Carambolas Lógicas. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_3/carambolas/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 03/08/2011 |