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Carambolas Lógicas

Celso Luis Rodrigues Vegro

         No país das jabuticabas, ninguém presta atenção nas carambolas. Eis um caso perverso da burra unanimidade. A jabuticaba (árvore e fruto), cantadíssima em verso e prosa, alcançou notoriedade pelo exotismo, singularidade e exclusividade das terras tupiniquins. A carambola, embora reúna todas as características para ser ainda mais esquisita (fruto ovóide que em seção transversal tem formato de estrela), permanece relegada. Curiosamente, o contrário dessa evidência acontece quando consideramos o sentido figurado de “carambola”: tramóia, trapaça, trambique... Nisso o Brasil é imbatível, pois somos, verdadeiramente, o país das interruptas carambolas públicas e privadas.

         Investigar os motivos mais profundos para um fenômeno recente da balança comercial do agronegócio café é a proposta deste artigo. O crescimento exponencial das importações de café torrado e moído e torrado em grãos (T&M), observado no primeiro semestre deste ano, promove uma inversão na trajetória das transações internacionais do produto passando a ser deficitário ao país esse comércio. Argumentar dialeticamente com as unanimidades que já se formaram, consiste no objetivo desta análise.  

         No primeiro semestre de 2011, a balança comercial do Brasil registrou importações de US$15,9 milhões em T&M, sendo US$13,9 diretamente da Suíça1. Esse montante representa expansão de 114% frente ao primeiro semestre de 2010! Em contrapartida ocorre um movimento de encolhimento das exportações brasileiras do produto (Tabela 1).  

TABELA 1 – Exportações de T&M, quantidade e valor, Brasil, 2009 -2011

Ano

Quantidade (mil sc eq)

Valor (mil US$)

2009

92.428

17.213

2010

60.516

25.494

1o semestre 2010

30.914

8.639

1o semestre 2011

30.917

10.174

Fonte: www.cecafe.com.br

         A trajetória de declínio das exportações em quantidade e oscilante em valor ocorre mesmo sob a importantíssima alavanca representada pelo Programa Setorial Integrado (PSI-Café) da Agência de Promoção das Exportações (APEX). Desde 2002 a agência injeta recursos públicos para que o segmento promova suas exportações, financiando parte dos gastos com: viagens de negócios para torrefadores interessados em prospectar o mercado externo; montagem de estantes em feiras internacionais; elaboração de estudos de assessoria e consultoria sobre oportunidades de negócios no comércio exportador; apoiar a vinda ao país de empresários da indústria e do varejo para conhecerem o segmento de torrefação brasileiro e demais elos desse agronegócio e com eles transacionarem, etc...

         Legalmente impedida de compor ligas contendo especialidades trazidas de fora, a torrefação doméstica convive com uma espécie de “concorrência desleal”, na medida em que aos torrefadores internacionais se permite explorar no mercado interno os diferenciais de seu produto, enquanto os locais vêem-se restritos aos tipos de bebidas aqui produzidas.

         Entretanto, não se limita ao imbróglio do draw back a limitação competitiva da torrefação verde e amarela (nacionais e transnacionais). A indústria enfrenta custos crescentes que cumulativamente roubam-lhe competitividade. Desde a excessiva valorização cambial; pesadíssima carga tributária; taxas de juros estratosféricas; custos elevados para a contratação de mão de obra; logística precarizada pelos lamentáveis adiamentos dos cruciais investimentos (portuário, ferroviário, armazenagem, colapso na oferta de energia), entre outros, formam aquilo que se convencionou denominar Custo Brasil. Esse conjunto de fatores tem induzido o fenômeno da commoditização da pauta aliada à desindustrialização.

         Até esse ponto temos argumentos do tipo jabuticaba, ou seja, o decantadíssimo discurso da unanimidade. Passemos ao capítulo ignorado pela maioria e no qual são poucos os que se aventuram a enfiar o nariz (exceto os míopes) essa é a carambola.   

         A indústria de torrefação brasileira carece de cultura em transferir riscos por meio de contratos (colaterais, futuro e opções). Tal posicionamento comercial fragiliza, acentuadamente, qualquer empreendimento em que seu principal custo (aquisição de matéria prima) tem sua formação de preços pautada pelo jogo especulativo das bolsas de Nova Iorque (arábica) e de Londres (robusta). Até existe o interesse em fazer hedge seus custos, mas a decisão não ultrapassa a fronteira da intenção devido ao “elevado” padrão de qualidade para os grãos contratualmente estabelecidos2. Aqui já se denuncia uma postura retrógrada da indústria, pois o discurso da qualidade esta presente em todas as peças publicitárias de qualquer torrefadora quando, em contrapartida, essas mesmas firmas se mantêm alijadas do mercado em que essa qualidade é arbitrada.

         Vem a pergunta, mas o que isso tem em haver com as exportações. Sem cultura do hedge é absolutamente impossível formalizar contratos de longo prazo (180 a 210 dias para recebimento) comuns em âmbito do comércio internacional. E o hedge necessário para esse tipo de transação envolve além do risco de preço do café verde outro ainda mais volátil vinculado às oscilações do câmbio.

         Outra deficiência da torrefação brasileira é sua baixíssima propensão para a inovação (produtos e processos). O detalhe que escapou aos seletíssimos membros da unanimidade foi à origem do produto importado: SUÍÇA!!!! Está claro que o grosso das importações consiste em cápsulas (dose de café) para operação das máquinas de espresso (de padrão doméstico e/ou institucional).

         O conjunto de inovações introduzido pelo mercado de doses contempla diversas ações: alta qualidade do blend de características sempre surpreendentes; facilidade de preparo; certeza de excelência, certificação; equipamentos de desenho encantador com ares de requinte de uma cafeteria no lar. Juntando-se a isso se tem a distribuição das cápsulas por meio de logística própria estruturada em clubes de consumidores.

Há ainda a necessidade inadiável de concentração do capital no segmento, pois não se espera que a torrefação doméstica (de controladores nacionais como internacionais) alcance patamar de competitividade internacional sem reunir antes musculatura para tal projeto. O jogo concorrencial disputado na arena do comércio internacional exige porte empresarial similar aos grandes grupos transnacionais que atuam no segmento.

Ironicamente, há poucos meses atrás, a Sara Lee – divisão de café esteve à venda. Por incapacidade dos gestores públicos (BNDES) o negócio não se concretizou embora houvesse grupo nacional (JBS) disposto a entrar no negócio da torrefação.

Por outro lado deve-se reconhecer, ou melhor, felicitar casos de êxito na exportação de T&M. A empresa Café do Centro, por exemplo, construiu alianças com empreendedores de casas de café no Japão e na Tailândia, tornando-se numa das mais destacadas companhias brasileiras na exportação do T&M. Concentrados no mercado de especialidades e buscando incessantemente inovações, a dupla de empresários dessa firma exibe ano a ano saltos no faturamento de vendas e da carteira de clientes. Uma honrosa exceção. Outros fracassaram como foi o caso da frustrada tentativa de abrir o mercado chinês capitaneada por cooperativa mineira.

A desconsideração para com os apreciadores da bebida pautou a ação do lobby da torrefação, pois tiveram êxito ao incluir na Instrução Normativa 16, o limite de até 5% de água adicionada no T&M. O decantado discurso da modernização, certificação, qualidade cai por terra diante da produção legalizada do lucro fácil e do engodo de inocentes consumidores.  

Diante desse panorama sobre o assunto, cabe perguntar: será que se justifica a manutenção do PSI-café (convênio ABIC-APEX), ou ao contrário dever-se-ia suspender à subvenção pública, jogar a toalha e colaborar com o esforço macroprudencial federal, economizando-se a inversão financeira prevista para o programa? Aparentemente, não há como reverter o quadro de crescimento exponencial das importações e concomitante declínio das exportações. Assim, recuar com a política guardando munição para um momento mais oportuno parece a decisão mais apropriada.

O debate público carece de visões menos unilaterais e percorram a problemática com diagnósticos que contemplem a totalidade do assunto. As importações de café escancaram a debilidade competitiva da torrefação nacional consistindo numa oportunidade para que as carambolas se destaquem para a inveja das jabuticabas.  

 

1 ZAFALON, M. Importação de café sobre e indústria nacional quer condições de igualdade. Jornal Folha de São Paulo, Caderno Mercado, p.4. 09/07/2011. No artigo consta que o preço médio unitário do café suíço foi de US$89/kg, ou aproximadamente, R$140,00/kg convertido pela taxa de câmbio de 18/07/2011.

2 Na BM&F, por exemplo, os contratos (futuros e opções) são para o café arábica tipo 4 de bebida dura.


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato:
celvegro@iea.sp.gov.br 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R. Carambolas Lógicas. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_3/carambolas/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 03/08/2011