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PECUÁRIA E AQUECIMENTO GLOBAL

Ana Helena B. Marozzi Fernandes

Fernando Antonio Fernandes

José Aníbal Comastri Filho

 

Desde que aquecimento global saiu dos meios acadêmicos e ganhou o interesse geral, tornou-se um tema muito sujeito a especulações e alarmismos. Desde a divulgação do relatório da FAO em 2006 - “Longa sombra da pecuária”, esta passou a ser considerada “vilã” do aquecimento global. Nesse relatório, a pecuária é colocada como equivalente ao sistema mundial de transportes – consumidor voraz de combustíveis fósseis – quanto à produção de gases de efeito estufa (GEE).

A principal contribuição da pecuária quanto à emissão de GEE refere-se à produção de metano, segundo gás em importância relativa dentre os causadores do efeito estufa. Subproduto da fermentação ocorrida durante o processo digestivo de bovinos e outros ruminantes, o metano é expelido pelos animais por meio do “arroto” - e não do “pum” como se costuma reportar. Em termos globais, a pecuária contribui com 22% (70 a 100 milhões t/ano) das emissões totais. A divulgação em massa dessas informações acerca da pecuária, sem conhecimento ou estudo aprofundado sobre as cadeias produtivas, tem prejudicado a imagem do setor, sobretudo com relação à pecuária bovina brasileira. Tendo se consolidado nas últimas décadas como o detentor do maior rebanho bovino comercial do mundo, o Brasil tem se destacado no cenário mundial das exportações de carne. Com a perspectiva de aumento significativo na produção de carne para os próximos anos, as pressões sobre a responsabilidade do país quanto à contribuição do setor para as emissões globais têm crescido, tornando a pecuária bovina brasileira “bode expiatório” do aquecimento global.

É preciso evitar que o foco em emissões de GEE ofusque a vital contribuição dos ruminantes que consiste na sua grande eficiência em transformar “palha” em alimento protéico de alta qualidade nutricional (carne e leite). Se por um lado, não é possível desvincular as emissões de GEE da atividade pecuária, já que essa condição evoluiu com as espécies de ruminantes e é necessária para evitar a intoxicação do animal, por outro é possível pensar em mitigação, avaliando de forma concomitante os vários processos relacionados às emissões de GEE. Para isso é necessário integrar a quantificação das emissões e da capacidade de absorção de carbono pelos diferentes compartimentos presentes nos diversos sistemas de produção pecuária existentes no Brasil, levando-se em conta as peculiaridades de cada um. A partir daí, as melhores estratégias a serem adotadas poderão ser estabelecidas, de modo a que não representem mais encargo financeiro para o produtor sem vantagens econômicas evidentes, visando garantir a sustentabilidade da atividade. Além disso, também será possível calcular a “pegada” de carbono dos produtos, a qual poderá se tornar uma exigência dos mercados consumidores num futuro próximo.

O Pantanal, por exemplo, é uma das mais expressivas regiões criatórias de bovinos de corte do Brasil. No início da exploração, o homem tentou moldar o ecossistema às suas necessidades de acordo com os conhecimentos da época. Mas logo percebeu que a alternância de períodos de cheia e seca se manifestavam com intensidades variáveis ao longo dos anos, não permitindo grandes alterações sem que grandes prejuízos ocorressem, o que tornou necessária a sua adaptação ao meio. Face a essa situação, a pecuária de corte é desenvolvida na região em sistema extensivo, sendo os animais mantidos quase que exclusivamente de pastagens nativas em extensas invernadas, de forma a permitir o pastejo seletivo e o uso das aguadas. Os seus índices zootécnicos são relativamente baixos quando comparados aos sistemas intensivos, mas o manejo tradicional praticado há mais de 250 anos pelos produtores pantaneiros tem contribuído para a conservação ambiental: a região possui ainda nos dias de hoje cerca de 87% da sua vegetação nativa preservada. Nos últimos anos, porém, as pressões econômicas para aumento da produtividade dos sistemas de produção de gado de corte do Pantanal vêm crescendo o que pode ameaçar a sustentabilidade dos ecossistemas. Por estar localizado em áreas agrícolas marginais, o Pantanal não suporta tecnologias muito intensificadas, sem que ocorram alterações insustentáveis, além de não necessariamente promoverem ganhos econômicos ao produtor. Portanto, conhecer e quantificar o balanço de carbono e das emissões, identificando possíveis formas de compensação para as emissões de GEE, constitui o melhor caminho a ser seguido para mitigação.

Dentro desse contexto, a Embrapa Pantanal integra um projeto em rede, sob a coordenação da Embrapa Pecuária Sudeste e com a participação de outras Unidades da Embrapa, além de Universidades e outros Centros de Pesquisa, com o objetivo de estimar a participação dos sistemas de produção pecuária dominantes em cada um dos biomas brasileiros na dinâmica de gases de efeito estufa, com vistas a subsidiar políticas públicas e alternativas de mitigação. Os sistemas não confinados (extensivo, intensivo, integração lavoura-pecuária, silvipastoril, agrossilvipastoril) e sistemas tradicionais, como criações no Pantanal, Pampa, Caatinga e Ilha de Marajó, serão avaliados de maneira comparativa, tendo como controle positivo a vegetação natural (florestas e vegetações características de cada região) e como controle negativo, as pastagens degradadas. Os resultados a serem obtidos no projeto irão contribuir para o aumento da competitividade e a sustentabilidade da agricultura brasileira. Além disso, poderão auxiliar no cumprimento das metas voluntariamente assumidas pelo governo brasileiro de redução das emissões antrópicas de GEE em mais 30% até 2020.



Ana Helena Bergamin Marozzi Fernandes possui graduação em Engenharia Agonomica pela Universidade de São Paulo (1982) e mestrado em Agronomia (Microbiologia Agrícola) pela Universidade de São Paulo (1990). Atualmente é pesquisador b da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa Pantanal. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Microbiologia e Bioquímica do Solo, atuando principalmente nos seguintes temas: pantanal, efeito estufa, matéria orgânica do solo, aquecimento global, braquiarias e pastagens nativas
Contato: amarozzi@cpap.embrapa.br

 

 

Fernando Antonio Fernandes possui graduação em Engenharia Agronômica pela Faculdade de Agronomia Manoel Carlos Goncalves (1983) , mestrado em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pelo Centro de Energia Nuclear na Agricultura (1993) e doutorado em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pela Universidade de São Paulo (2010) . Atualmente é Pesquisador A da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa Pantanal,  e Revisor de periódico da Boletim de Pesquisa. Embrapa Pantanal. Tem experiência na área de Ecologia , com ênfase em Ecologia de Ecossistemas. Atuando principalmente nos seguintes temas: carbono orgânico do solo, fracionamento químico, matéria orgânica do solo, uso do solo, simulação e modelagem.
Contato:
fafernan@cpap.embrapa.br

 

José Aníbal Comastri Filho possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Viçosa (1974) e mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal de Viçosa (1977). Atualmente é da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, Embrapa Pantanal, atuando principalmente nos seguintes temas: pantanal, produção animal, forrageiras, manejo de pastagem e macronutrientes.
Contato: comastri@cpap.embrapa.br
 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

FERNANDES, A.H.B.M; FERNANDES, F.A.; COMASTRI FILHO, J.A. Pecuária e aquecimento global. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_2/pecuaria/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 13/04/2011