Diagnóstico da Encefalopatia Espongiforme
Bovina (Mal da Vaca Louca)
Claudia Del Fava
Edviges Maristela Pituco
As
encefalites e encefalopatias em ruminantes constituem um grupo de
enfermidades geralmente fatais, causando impactos na saúde pública,
perdas econômicas no mundo todo e atuam como barreira sanitária ao
comércio internacional de animais e subprodutos ¹,².
O
diagnóstico diferencial de enfermidades neurológicas que acometem
ruminantes auxilia os órgãos de defesa sanitária na tomada de medidas
específicas de combate a essas doenças ³. Sua importância cresceu desde
o aparecimento da Encefalopatia Espongiforme Bovina (EEB) ou Mal da Vaca
Louca, diagnosticada pela primeira vez no Reino Unido em 1986
4. A
EEB é uma enfermidade neurodegenativa, progressiva e fatal de bovinos,
causada por um príon (PrPC) caracterizado como uma proteína
autorreplicativa, cuja fisiologia está bem documentada
5. O impacto
econômico, social e de segurança alimentar tomou maior importância
quando o príon bovino foi diagnosticado como agente causal de
encefalopatia em humanos, também de caráter neurodegenerativo e fatal,
denominado variante da doença de
Creutzfeldt-Jakob
(CJD). Por este motivo, a Organização Mundial de Saúde Animal (OIE)
exige dos países membros exportadores de carne bovina um permanente
sistema de vigilância para encefalites e encefalopatias espongiformes,
para tanto é necessário o diagnóstico sistemático das doenças
neurológicas para evidenciar que o país esteja livre do Mal da Vaca
Louca e, ao mesmo tempo, estudar as outras doenças neurológicas
endêmicas no Brasil.
Desde 1976,
o diagnóstico da EEB (Mal da Vaca Louca) e da Paraplexia Enzoótica dos
Ovinos (Scrapie) passou a ser realizado conjuntamente ao sistema de
vigilância sanitária da raiva animal, fazendo parte do Plano Nacional de
Combate da Raiva dos Herbívoros (PNCRH), coordenado pelo Ministério da
Agricultura, Pecuária e Abastecimento - MAPA
6. Desta forma,
bovinos, ovinos e caprinos com sintomatologia nervosa de caráter
progressivo deverão ser submetidos ao diagnóstico diferencial para
raiva, outras encefalites, EEB e Scrapie. Estas normas visam incrementar
medidas de vigilância epidemiológica especificas para manter e preservar
a condição de país livre da EEB 7.
Os agentes que causam encefalites são multicausais e uma boa revisão
sobre as doenças de SNC que acometem bovinos no Brasil pode ser
consultada 8.
A partir de
2002, com o desenvolvimento do Projeto Políticas Públicas FAPESP
intitulado “Encefalites e Encefalopatias dos bovinos: sistematização do
diagnóstico diferencial”, coordenado pela Pesquisadora Científica Dra.
Edviges Maristela Pituco, do Centro de P&D de Sanidade Animal do
Instituto Biológico (IB), foi estabelecido um trabalho conjunto entre o
IB e instituições parceiras no âmbito federal e estadual, como o MAPA e
a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado de São Paulo (CDA) para
realização de análise histopatológica, virológica, bacteriológica e
parasitológica em bovinos com síndrome neurológica. No período de abril
2002 a julho de 2004, a equipe multidisciplinar do Centro de P&D de
Sanidade Animal analisou 652 amostras de SNC de bovinos ¹. Foi
confirmado o agente causal em 27,8% amostras, sendo que 11,85% (78/658)
foram positivas para raiva (imunofluorescência direta e prova
biológica), 1,22% (08/658) para BoHV-5 (PCR), 1,37% (09/658) para BVDV
(isolamento, identificação por imunoperoxidase e RT-PCR), 0,30% (02/658)
para Neospora caninum
(PCR). Obteve-se, em 12,0% (79/658) dos casos,
o isolamento e identificação de agentes bacterianos (Streptococcus
spp., Staphylococcus
spp., Clostridium perfringens,
Arcanobacterium pyogenes,
Enterobacter cloacae,
Pseudomonas aeruginosa,
Acinetobacter
spp. e Listeria monocytogenes).
Diagnosticou-se polioencefalomalácia 0,9% (05/658) e neoplasias 0,2%
(01/658) pela histopatologia. Ressalta-se que em 72,2% das amostras não
foi possível elucidar a causa com os diagnósticos disponíveis
(isolamento e molecular), sendo que a incorreta forma de coleta,
conservação e envio das amostras foi apontada como principal ponto
crítico no sucesso do diagnóstico ¹.
O
Laboratório de Anatomia Patológica do IB foi credenciado pelo MAPA, por
meio da Portaria SDA nº. 05 de 08 de janeiro de 2004, para realizar o
diagnóstico diferencial histopatológico por hematoxilina/eosina (HE) das
Encefalopatias Espongiformes atendendo ao PNCRH, visando participar das
atividades de Vigilância Epidemiológica em animais e em alimentos para
uso animal. No período de janeiro de 2004 até dezembro de 2009, foram
processadas por esta Unidade 2.706 amostras de SNC de bovinos fixadas em
formalina 10% para diagnóstico da EEB, onde todas foram negativas pela
histopatologia (HE) e imunohistoquímica
9.
O
diagnóstico diferencial de síndrome neurológica depende da viabilidade
do material biológico, sendo a condição da amostra dependente do tempo
de coleta e envio e forma de conservação. Amostras enviadas para
avaliação microbiológica, que se encontram autolisadas ou contaminadas,
dificultam ou impedem o isolamento e identificação do agente, sendo
necessário coletar material clínico com luvas e instrumental cirúrgico
estéril e depositar o SNC em recipientes estéreis, enviando refrigerado
o mais rápido possível ao laboratório. As porções anatômicas coletadas
também são importantes para determinar o agente causal e, no caso do Mal
da Vaca Louca e Scrapie, o tronco encefálico onde está localizado o óbex
(estrutura mais importante do SNC para diagnóstico de enfermidade
priônica) deve ser fixado imediatamente após sua coleta em formol 10%
(volume cerca de dez vezes o volume do SNC) em frasco de boca larga,
devidamente identificado. É fundamental encaminhar o material clínico ao
laboratório de diagnóstico, com o formulário único para requisição de
exame de síndrome neurológica (última versão 2009) disponível em
link
.
Tendo em
vista que a colheita e envio de amostras clínicas para o diagnóstico de
síndrome neurológica é fundamental para o sucesso do diagnóstico
diferencial, o IB tem colaborado intensivamente em cursos
teórico-práticos com o objetivo de treinar médicos veterinários oficiais
e autônomos a realizar este trabalho com sucesso. Recentemente foi
publicado o “Manual Veterinário de Colheita e Envio de Amostras”
10,
que contou com a colaboração do corpo técnico da área de sanidade animal
do IB e foi desenvolvido no âmbito do Termo de Cooperação Técnica com o
MAPA e o Centro Pan-Americano de Febre Aftosa (PANAFTOSA) da Organização
Pan-Americana da Saúde (OPAS)/Organização Mundial da Saúde (OMS). Esta
publicação foi organizada e ilustrada com o propósito de orientar os
técnicos em nível de campo, passo a passo, nos procedimentos de colheita
e envio de amostras de SNC e outros órgãos que podem estar envolvidos na
síndrome neurológica, bem como para outras enfermidades animais, e pode
ser acessada on line
no endereço eletrônico
link.
Referências
1. Pituco,
E.M.; Cunha, E.M.S.; Lara,Mc.C.S.H.; Okuda, L.H.; De Stefano,E. ; Del
Fava, C.; Macruz, R.; Martins, A.M.C.F. Baldassi,L.; Pinheiro, E.S.;
Castro, A.F.; Shimozono, O.S.; Trotter, C.M.; Gregory,L.; Pompei,
J.C.A.; Martini, M. Encefalites e
encefalopatias dos bovinos: Sistematização do diagnóstico diferencial.
In: CONGRESSO LATINOAMERICANO DE BUIATRIA, 11.; CONGRESSO BRASILEIRO DE
BUIATRIA, 5., Salvador, 2003. Resumos. Salvador: Associação Brasileira
de Buiatria, 2003. p.46.
2. OIE –
World Organization For Animal Health.
Terrestrial Animal Health Code 2010.
Disponível em
Link.
Acesso em 01 jul. 2010.
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Cunha, E.M.S.; Villalobos, E.M.C.; Okuda, L.H.; De Stefano, E.;
Scarcelli, E.; Nascimento, V.L.G.; Nogueira, V.; Pozzeti, P.S.; Pituco,
E.M. Diagnóstico de encefalites e encefalopatias espongiformes
transmissíveis em ruminantes no período de 2004 a 2007 no Estado de São
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Veterinary Science,
Curitiba, v.12, (Supl.), p.83-84, 2007.
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London, v.121, p.419-420, 1987.
5. Linden, R.; Martins, V.R.; Prado, M.A.M.;
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Protein. Physiological Reviews,
v.88, p.673–728, 2008.
6. Brasil. Ministério da Agricultura, Pecuária e
Abastecimento. Programa Nacional
de Controle da Raiva e outras Encefalopatias.
Disponível em
Link. Acesso em: 30
jun. 2010.
7. Barros,
C.S.L.; Marques, G.H.F.
Procedimentos para o diagnóstico das doenças do sistema nervoso central
de bovinos.
Brasília: Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento /
Secretaria de Defesa Agropecuária / Departamento de Defesa Animal, 2003.
50p.
8. Barros,
C.S.L.; Driemeier, D.; Dutra, I.S.; Lemos, R.A.A.
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Montes Claros: Vallée, 2006. 207p.
9. Del Fava,
C.; Macruz, R.; Carretero, M.E.; Pituco, E.M.; Miya, P.S.; Vieira,
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Oxford, v.57, (Supl. 1), p. 265, 2010.
10.
Panaftosa-OPAS/OMS (Org.). Manual
veterinário de colheita e envio de amostras.
Manual técnico. Cooperação Técnica
MAPA/OPASPANAFTOSA para o Fortalecimento dos Programas de Saúde Animal
do Brasil. Rio de Janeiro: PANAFTOSA -OPAS/OMS, 2010. 218p. (Série de
Manuais Técnicos, 13). Disponível em
Link. Acesso
em 01 jul. 2010.
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Claudia Del
Fava possui iniciação
científica em Anatomia Patológica Especial Veterinária pela
Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia da UNESP Botucatu
(1986-1987), graduação em Medicina Veterinária [Botucatu] pela
UNESP (1988), Residência em Planejamento de Saúde Animal e Saúde
Pública pela FMVZ UNESP Botucatu (1989-1991), mestrado em
Medicina Veterinária Preventiva pela UNESP Jaboticabal (1995) e
doutorado em Clínica Veterinária pela Universidade de São Paulo
(2002), especialização em Técnicas de Criação de Bovinos, Suínos
e Ovinos pelo IFOA - Reggio Emilia - Itália. Desenvolveu
projetos em Sanidade Animal como Pesquisadora Científica no
Instituto de Zootecnia de 1994 a 2003. A partir de 2003 é
pesquisador científico nível VI do Instituto Biológico, no
Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal. Sua
experiência concentra-se na área de Medicina Veterinária
Preventiva e Patologia Veterinária, com ênfase em Gestão
Sanitaria de Doenças Infecciosas e Parasitárias de Animais de
Produção. Atualmente é responsável técnica pelo laboratório de
Anatomia Patológica do Instituto Biológico e habilitada pelo
MAPA para o diagnóstico histopatológico de Encefalopatias
Espongiformes Transmissíveis. É docente do Programa de
Pós-Graduação nível Mestrado, do Instituto Biológico, São Paulo,
área Sanidade, Segurança Alimentar e Ambiental no Agronegócio, a
partir do ano de 2007, sendo responsável pela disciplina de
Gestão Sanitária Animal para o Agronegócio. Tem feito
treinamentos em anatomopatologia como professor visitante na
Universidade de Hannover e de Illinois - USA em 2008 e na
Universidade da Geórgia (histopatologia aviária) em 2009.
Contato:
delfava@biologico.sp.gov.br |
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Edviges
Maristela Pituco possui
graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Federal do
Paraná (1982), mestrado em Patologia Experimental Comparada,
área de concentração Patologia Bovina pela Faculdade de Medicina
Veterinária e Zootecnia da Universidade de São Paulo (1988) e
doutorado em Medicina Veterinária pela Escola Superior de
Medicina Veterinária de Hannover, Alemanha (1995). Atualmente é
pesquisador científico do Instituto Biológico no Centro de
Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal. Atua na área de
doenças infecciosas dos animais domésticos e medicina
veterinária preventiva: viroses de bovídeos, diagnóstico
diferencial de doenças vesiculares e da reprodução,
desenvolvimento e aprimoramento de técnicas diagnósticas
moleculares e sorológicas, epidemiologia e monitoramento
sanitário dos animais de produção.
Contato:
pituco@biologico.sp.gov.br |
Reprodução autorizada desde
que citado a autoria e a fonte
Dados para citação
bibliográfica(ABNT):
DEL FAVA, C.; PITUCO, E.M.
Diagnóstico da encefalopatia espongiforme bovina (mal
da vaca louca).
2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/VacaLouca/index.htm>.
Acesso em:
Publicado no Infobibos em 22/02/2011
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