Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com

Manaus a capital do tambaqui

Luis Antonio Kioshi Aoki InoueI

Cheila de Lima Boijink

 

Até meados da década de 80, a piscicultura era atividade agropecuária pouco atrativa na Amazônia Ocidental devido à abundância de recursos pesqueiros na região. Mas com o crescimento acelerado dos centros urbanos do norte, em especial a cidade de Manaus, a demanda por peixes nobres como o tambaqui aumentou consideravelmente. Hoje a capital amazonense tem quase dois milhões de habitantes e a demanda pela espécie é estimada em 14 mil toneladas por ano. Pode-se afirmar que Manaus é a maior cidade consumidora de tambaqui no mundo. Dessa forma, o tambaqui somente oriundo da pesca extrativista (aproximadamente 4 mil toneladas por ano em todo o país) não é suficiente para o mercado local, fato que tem estimulado e viabilizado a criação em cativeiro. Na época do defeso (novembro a março), o consumo de tambaqui oriundo da piscicultura chega a ultrapassar 80% em Manaus. Atualmente a produção amazonense de tambaqui de piscicultura está na ordem das 8 mil toneladas por ano, sendo o principal pólo produtor as propriedades rurais localizadas no município de Rio Preto da Eva, Iranduba e Manacapuru num raio de cerca de 100 km da capital amazonense. Conjuntamente, pisciculturas de estados vizinhos como Rondônia e Roraima têm Manaus como um dos principais compradores de sua produção de tambaqui, com deslocamento de cargas por mais de 1000 km por meio de transporte fluvial e rodoviário. A produção nacional de tambaqui em piscicultura é da ordem de 30 mil toneladas por ano, sendo a região norte a principal produtora (18 mil toneladas por ano) seguida pelo centro-oeste, nordeste e sudeste.    

 

Tambaqui

            Peixe típico da bacia amazônica possui populações naturais em equilíbrio genético com alta variabilidade em localidades estudas ao longo de 2200 km do rio Solimões-Amazonas. Está presente também nos principais rios da Bacia do Orenoco na Venezuela. O tambaqui é certamente um dos peixes mais nobres da Amazônia, sendo sua carne bastante apreciada para o preparo de diversas receitas da cozinha regional. Na natureza pode atingir até 40 kg e 1m de comprimento, alimentado-se de frutos e sementes, fazendo migrações para várzeas e lagos amazônicos para alimentação e reprodução. É um peixe que apresenta alta fecundidade, fato que facilita a produção de alevinos da espécie em cativeiro. Antigamente era somente aceito no mercado de Manaus animais de porte maior que 5 kg. Pejorativamente indivíduos menores eram chamados de “roelos”. Com a sensível diminuição da disponibilidade de peixes grandes, devido ao maior esforço de pesca e aumento da demanda por tambaqui, o mercado hoje aceita peixes a partir de 2 kg a preços viáveis para a piscicultura. Contudo, consumidores mais antigos ainda são resistentes ao peixe oriundo de cativeiro, sendo comum atribuir ao cultivo “gosto de barro” e peixes de baixa qualidade. Tanto que, ainda hoje se algum consumidor pergunta no varejo a origem do tambaqui que está comprando, a maioria dos vendedores vão temerosos de perder a venda dizer que o peixe vem do rio, mesmo sendo de piscicultura. Entretanto, não muito é difícil perceber a diferença entre o tambaqui vindo da piscicultura do capturado na natureza. Tambaquis de cultivo geralmente são mais arredondados, apresentam nadadeiras um pouco mais longas e com poucas imperfeições, além de mais corados. Já os tambaquis capturados nos rios têm corpo mais alongado, sinais de esfolamento e nadadeiras com mais imperfeições (mordidas, rasgos etc).       

 

Sistemas de cultivo

            As técnicas de manejo para a produção do tambaqui em piscicultura são relativamente recentes, sendo os primeiros trabalhos sobre a sua reprodução artificial da década de 80. O tambaqui atinge a maturidade sexual em piscicultura por volta dos 3-4 anos de idade, dependendo das condições de alimentação e estocagem. A produção de alevinos é somente possível pelo uso da técnica de hipofisação, onde são feitas injeções de extrato de hipófise de um peixe doador (geralmente carpa comum) nos reprodutores de tambaqui para proporcionar a maturação final e liberação dos óvulos e sêmen para fecundação artificial e incubação de ovos em laboratório. Após as pós-larvas de tambaqui podem ser normalmente criadas em tanques com fundo de terra. Na região de Manaus a produção de alevinos de tambaqui é feita o ano todo.

A Amazônia Ocidental apresenta condições naturais de destaque em relação a outras regiões do país para a produção do tambaqui em cativeiro como disponibilidade de água e temperatura elevada o ano todo. O tambaqui pode atingir mais de 2 kg em menos de um ano em cultivo em tanques escavados de baixa (ou nenhuma) renovação de água com produções de 4 a 10 ton/ha ano. Esse sistema emprega o melhor uso da água possível, pois a maior parte dos viveiros são construídos em platôs de solos argilosos, a montante de represas de abastecimento de água por bombeamento. Esse sistema embora tenha custos de energia para recalque de água, propicia menor desmatamento de áreas de mata ciliar, protegidas por lei, e menor custo de implantação, já que nesses platôs a movimentação de terra e escavação de viveiros é relativamente mais fácil do que em áreas de baixada. Em adição, o emprego das Boas Práticas de Manejo (BPM´s) para manutenção da qualidade da água como o uso de rações de alta qualidade em quantidades não degradantes ao ambiente, manejo racional de aeração e emprego de biomassa sustentável são levados a sério, devido ao custo da água de cultivo bombeada. É comum o uso de um mesmo viveiro por 4-5 anos sem troca de água, apenas com despescas periódicas e nova estocagem de juvenis. O abastecimento de água nesse sistema é somente para reposição de infiltração e evaporação. Entretanto, vale ressaltar que na Amazônia Ocidental os índices pluviométricos são elevados com baixas taxas de evaporação durante boa parte do ano e os viveiros são construídos em solos com alto teor de argila. Assim é comum o relato de pouco ou até nenhum uso das bombas para o abastecimento de água dos viveiros escavados durante boa parte do ano.

Outro sistema importante para a engorda de tambaqui na Amazônia Ocidental é o uso pequenas barragens rurais. Áreas de espelho de água maiores que 2-4 ha entre encostas de declive suaves são preferidas, devido aos índices pluviométricos altos na região, com chuvas intensas, que podem ocasionar o carreamento de grandes quantidades de água de enxurrada para dentro dos açudes, ocasionando resfriamento muito rápido da água de cultivo e consequentemente altas taxas de mortalidade pela grande sensibilidade do tambaqui a temperaturas abaixo de 25 ºC. Nas barragens é comum sempre deixar o nível de água dois a três palmos abaixo do nível máximo do vertedouro ou monge para acúmulo de água da chuva e liberação gradual para o ambiente.

 

Principais desafios para o futuro

Como em todas as regiões do país o item que mais onera o custo de produção da piscicultura em Manaus é o da alimentação artificial e completa que pode chegar até mais de 80%, pois há pouca produção de grãos na região, sendo esses trazidos de outras localidades com rotas que utilizam a hidrovia do Rio Madeira, que liga Porto Velho (RO) a Itacoatiara (AM) com extensão de aproximadamente 1000 km. Entretanto há importantes fábricas de rações para peixes em Manaus e vários representantes comerciais de rações fabricadas em outros estados do país. Trabalhos de pesquisa estão sendo realizados por Instituições como o Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia) para viabilizar o uso de ingredientes alternativos disponíveis na região para reduzir os custos da ração do tambaqui como a torta remanescente da extração de óleo de sementes de cupuaçu, utilizado na composição do cupulate, raspas da mandioca, utilizada nas casas de farinha, sementes e frutos oriundos da floresta amazônica inundada etc.

Nos viveiros de piscicultura os peixes estão em densidades bem mais elevadas das encontradas na natureza, o que facilita a disseminação de problemas sanitários. Conseqüentemente o uso de produtos químicos para o controle e prevenção de doenças, causadas por microorganismos parasitos oportunistas, vem aumentando, conjuntamente com as preocupações de âmbito ambiental, no que se refere aos riscos de intoxicação aos consumidores e a poluição dos mananciais de água. Dessa forma, pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Inpa, Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Centro Universitário Nilton Lins trabalham a proposta de uso de plantas com conhecida característica medicinal como alternativa para amenizar esses problemas, proporcionando ainda melhor qualidade do pescado, livre de produtos químicos. Logo além de menor risco ambiental, menores custos na produção podem vir a ser observados pela economia na compra de medicamentos, cujos preços usualmente são altos. E ainda, o uso de produtos naturais para prevenção e tratamento de doenças em peixes pode propiciar uso de plantas sem valor econômico aparente, mas com propriedades medicinais comprovadas.

A piscicultura é uma atividade agropecuária que naturalmente necessita fazer conservação e manejo dos recursos hídricos na propriedade rural para sua existência e continuidade. Por isso atualmente é bastante estimulada como alternativa de uso sustentável de recursos naturais na Amazônia Ocidental com geração de emprego e renda. Entretanto a instalação de empreendimentos de piscicultura requer autorizações dos órgãos ambientais, cujos processos podem ser morosos e de custos relativamente elevados. Por outro lado os fiscalizadores do meio ambiente têm a missão de somente autorizar unidades de produção que vão perdurar, pois infelizmente é comum a existência de vários viveiros e barragens que foram construídos e depois abandonados, alguns até sem nenhuma produção de peixes feita.     

Os problemas mais comuns nos lotes de tambaquis cultivados tem sido o crescimento heterogêneo e a baixa resistência dos animais ao manejo, variações ambientais e doenças devido ao alto grau de consangüinidade. Nesse sentido pesquisadores de todo o país juntaram seus esforços num Programa Nacional de Melhoramento Genético de espécies de aqüicultura num projeto, liderado pela Embrapa, de nome Aquabrasil. O tambaqui está inserido como uma das espécies prioritárias para o melhoramento genético com separação de famílias geneticamente distintas. A partir desses grupos de peixes serão feitas seleções de indivíduos superiores e cruzamentos para a produção de linhagens mais produtivas. É importante ressaltar que o Programa de Melhoramento Genético do Tambaqui é um esforço conjunto de várias instituições públicas e privadas de todo o país com resultados regionais importantes na separação das famílias de tambaqui. Para operacionalizar o programa foi recentemente aprovada, pelo Ministério da Pesca e Aqüicultura, a construção de uma estação de piscicultura exclusivamente destinada ao Programa de Melhoramento Genético do Tambaqui nas dependências da Embrapa Amazônia Ocidental.

É esperado que a produção de tambaqui em condições de piscicultura continue crescendo para atender o mercado consumidor de Manaus ainda com boas projeções para o futuro próximo. Contudo todos os setores envolvidos na produção do tambaqui em cativeiro, tais como as fábricas de rações, estações produtoras de alevinos e escritórios de assistência técnica, tenderão cada vez mais buscar profissionalização, fato natural pela competição que ocorre quando vários grupos entram em determinada atividade econômica. Excedente de produção de tambaqui produzido em cativeiro poderá ser observado no futuro continuando a piscicultura a crescer nesse ritmo na Amazônia Ocidental. Dessa forma a importância da Indústria Processadora de tambaqui produzido em piscicultura tende a crescer em relação ao mercado do peixe fresco conservado somente em gelo. O desenvolvimento de produtos a base de tambaqui como defumados, cortes especiais, carne mecanicamente separada, lingüiça, fishburger e outros estão sendo feitos por instituições de pesquisa como a Embrapa, Inpa e UFAM.  

 


Luis Antonio Kioshi Aoki Inoue possui graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, Esalq, Universidade de São Paulo (1994), mestrado em Aquicultura pela Universidade Federal de Santa Catarina (1998) e doutorado em Genética e Evolução pela Universidade Federal de São Carlos (2005). Foi bolsista Pós-doutorado Júnior CNPq até 2006. Atualmente é Pesquisador da Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus-AM, da área de Aquicultura. Faz parte do corpo de docentes permanentes do Programa de Pós-graduação em Ciências Pesqueiras Tropicais da Universidade Federal do Amazonas. Tem experiência na área de piscicultura, com ênfase em manejo de peixes vivos, atuando principalmente nos seguintes temas: estresse, manejo, reprodução, genética e nutrição.
Contato: luis.inoue@cpaa.embrapa.br

 

Cheila de Lima Boijink possui graduação em Ciências Biológicas pela Universidade Federal de Santa Maria (1997), mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal de Santa Maria (2000), doutorado e pós-doc em Ciências Fisiológicas pela Universidade Federal de São Carlos (2004). Atualmente é pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Amazônia Ocidental, Manaus-AM, da área de Aquicultura. Tem experiência na área de Fisiologia e sanidade de peixes.
Contato: cheila@cpaa.embrapa.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

INOUE, L.A.K.A.; BOIJINK, C.L. Manaus a capital do tambaqui. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/tambaqui/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 23/01/2011