Resíduos de biomassa:
problemas ou soluções? Leonardo Valadares
Resíduos
de biomassa - de origem doméstica, agropecuária ou industrial - podem
causar sérios problemas ao meio-ambiente e à saúde pública, se
descartados de modo inadequado. Contudo, devido ao seu baixo custo e
pronta disponibilidade, os resíduos podem ser aproveitados, reduzindo
custos de produção e a poluição ambiental. Para tanto, novas tecnologias
devem ser desenvolvidas com a finalidade de transformar resíduos em
novos produtos, para que os materiais residuais deixem de ser problemas
e se tornem soluções.
A
quantidade de resíduos de biomassa produzida é astronômica. No caso da
cana-de-açúcar, por exemplo, estima-se que cerca de 175 milhões de
toneladas de bagaço e palhas secas foram produzidos em 2010,
considerando dados da Companhia Nacional de Abastecimento. É difícil
estimar o total de resíduos agropecuários produzidos no País, mas
acredita-se que o número é da ordem de um bilhão de toneladas por ano.
Portanto, é fácil entender que resíduos são matérias-primas de baixo
custo disponíveis nos locais onde são produzidos.
Na
indústria sucroalcooleira, o exemplo emblemático é o bagaço da
cana-de-açúcar que, em vez de causar problemas, é queimado em caldeiras,
gerando vapor para suprir energia e eletricidade para o funcionamento
das usinas. O excedente de eletricidade é vendido a terceiros, agregando
valor à produção. A quantidade de energia elétrica gerada a partir deste
resíduo pode ser ainda aumentada pela implementação de geradores mais
eficientes, ou aproveitando também a palha e as ponteiras da cana para
as caldeiras.
O uso de
biomassa residual é uma opção viável para a substituição dos derivados
de petróleo no Brasil, não apenas para geração de energia, mas também
para a produção de materiais como plásticos e borrachas (polímeros). A
redução do uso de produtos petroquímicos urge nos dias de hoje por dois
motivos principais: o primeiro é relacionado à grande variação do preço
do petróleo, ameaça de escassez e sua distribuição irregular na Terra,
fatos que têm causado conflitos e guerras. O segundo motivo está ligado
às mudanças climáticas, ocasionadas pela emissão de gases do efeito
estufa.
Hoje, o
Brasil é líder na produção de biocombustíveis. A liderança é devida à
alta produtividade do etanol de cana-de-açúcar e crescente produção de
biodiesel, combustível renovável derivado de óleos vegetais ou de
gorduras animais. Com o aumento de produção, aumentam-se
proporcionalmente os resíduos. Estes resíduos podem servir de insumos
para a fabricação de materiais que venham a substituir aqueles de origem
petroquímica. A abundância de resíduos pode ser encarada como uma
vantagem estratégica para que o País, no futuro, se torne referência
também na produção de biomateriais. Contudo, para que esta vantagem seja
aproveitada, evitando problemas maiores, é necessário manejo correto dos
resíduos, desenvolvimento científico e tecnológico, além de criação e
adequação de políticas públicas. Dentre os materiais residuais gerados na cadeia
produtiva de agroenergia, incluem-se as fibras vegetais que têm ampla
aplicação em reforço de polímeros, formando os materiais compósitos. As
fibras do caule e das folhas, chamadas fibras duras, são as mais
utilizadas como reforço. Comparando com as fibras sintéticas, as fibras
naturais têm as seguintes vantagens: são oriundas de fontes abundantes e
de rápida renovação, possuem baixo custo, baixa densidade, propriedades
específicas, são menos abrasivas, não tóxicas e biodegradáveis. Como
desvantagens, podem-se citar a baixa temperatura de processamento (~200
°C) e a falta de uniformidade de suas propriedades, dependendo da origem
e sazonalidade.
As fibras vegetais são compostas principalmente por
celulose, hemicelulose e lignina. Estes componentes podem ser separados,
purificados e utilizado em diversas aplicações. A celulose é o material
orgânico mais abundante na Terra. É atualmente usada em diversos
materiais: papéis, celofane e tecidos (a maior parte do algodão é
composta de celulose). A celulose também pode ser utilizada como reforço
para uma gama de polímeros, inclusive biodegradáveis. A hemicelulose,
apesar de abundante, não tem encontrado aplicações em materiais, sendo
necessário maior esforço em pesquisa e desenvolvimento para agregar
valor a este composto. A lignina, por sua vez, tem aplicações em mistura
de polímeros, atuando como bactericida e agente antidegradante, função
que ela já possui na natureza. Um exemplo simples da aplicação de materiais
lignocelulósicos é a produção de painéis do tipo MDF (medium-density
fiberboard), amplamente usados pela indústria moveleira. Painéis do
tipo MDF podem ser produzidos sem aditivos sintéticos, utilizando-se
resíduos lignocelulósicos diversos, pois a lignina em alta temperatura
sob pressão atua como adesivo, aglomerando as fibras. Um exemplo mais
complexo é a utilização da nanotecnologia para a obtenção de
nanoestruturas, estruturas de dimensões da ordem de nanômetros (um
nanômetro é a milionésima parte do milímetro). Com o uso da
nanotecnologia, a celulose pode ser transformada em nanofibras, por meio
de um processo chamado de hidrólise ácida. Estas nanofibras são
extremamente resistentes a tração e encontram aplicação na preparação de
nanocompósitos: materiais de alta performance e propriedades
diferenciadas. Os resíduos podem encontrar inúmeras aplicações,
consistindo de uma parte importante de cadeias produtivas. Neste
sentido, a Embrapa Agroenergia foca soluções “da biomassa à energia” nas
plataformas de etanol, biodiesel, florestas energéticas e resíduos. A
plataforma de resíduos integra as outras plataformas com o objetivo de
viabilizar a utilização da biomassa residual, agregação de valor e a
obtenção de coprodutos respeitando o meio ambiente. Estes esforços
concentram-se no Laboratório Temático de Aproveitamento de Coprodutos e
Resíduos, que contribui para o uso de resíduos oriundos da produção de
biocombustíveis e de outras cadeias produtivas para geração de energia,
produção de materiais de alto valor agregado, produtos químicos, rações
animais e biofertilizantes.
Concluindo, os resíduos vegetais são abundantes no Brasil e sua
utilização em novos materiais traz a possibilidade de alavancar a
Química Verde. O desenvolvimento de tecnologias para o tratamento e a
utilização de resíduos, visando a redução dos custos de produção e da
poluição ambiental, é um grande desafio dos dias atuais. Entretanto,
junto com este desafio existem inúmeras oportunidades de desenvolvimento
socioeconômico para o País e de ampliação da sustentabilidade global.
Dados para citação bibliográfica(ABNT): VALADARES, L.F. Resíduos de biomassa: problemas ou soluções?. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/ResiduosBiomassa/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 31/03/2011 |