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A REDENÇÃO DA LAVOURA

Celso Luis Rodrigues Vegro

 

O avanço do conhecimento agronômico sobre as práticas de manejo e preparo do café com qualidade de bebida, incrementaram-se enormemente nos últimos 20 anos. Muitas das inovações geradas tanto pelos centros de pesquisa como pelos próprios cafeicultores (irrigação branca, por exemplo), já alcançaram os principais cinturões produtores, colhendo êxitos em termos de ganhos da produtividade física das lavouras ou, ainda, do trabalho nelas empregado, repercutindo numa mais robusta competitividade para o agronegócio café do Brasil.

Porém, mesmo aqueles cafeicultores inseridos na fronteira do conhecimento tecnológico sobre as exigências da lavoura, viram-se sem condições de manterem-se economicamente sustentáveis ao longo do último ciclo de baixas cotações (que felizmente parece já encerrado e sepultado). A gravidade desse contexto expressou-se com maior e mais dura contundência, especialmente, entre aqueles que acumularam dívidas junto ao Sistema Financeiro Nacional. Desde a erradicação para substituição do uso da terra por outros cultivos e criações até mesmo o simples abandono, formaram imagens marcantes da década que se encerrou.

Havia ao longo de todo o ciclo de baixa, entretanto, relativa unanimidade entre os especialistas no cultivo do café: a ênfase total na qualidade da bebida! Por premissa, adotou-se o consenso, ainda que parcial, de que dificilmente o cafeicultor teria chances de se capitalizar oferecendo um produto de bebida inferior, uma vez que, aos preços recebidos por esse tipo de mercadoria imputavam-se expressivos deságios.

O argumento exposto, por vezes, mostrava-se inclusive paradoxal. Como proceder com investimento em infraestrutura de preparo quando os preços praticados nas praças de comercialização especializadas no produto, na melhor das hipóteses, recebiam a aberrante classificação de “duro para melhor”. Esse foi, por exemplo, o maior empecilho para a adoção mais massiva do preparo cereja descascado com o agravante da exigência da comercialização antecipada, no pico da safra, para evitar o deságio decorrente do comum branqueamento das favas armazenadas. A imagem da sinuca de bico não poderia ser mais apropriada para ilustrar essa realidade.

A espetacular evolução recente nas cotações tratou de ratificar os defensores intransigentes da qualidade, pressuposto esse já quase na iminência de ruir perante a cruenta realidade pregressa de baixas cotações. A valorização do cereja descascado; cafés finos, de boa qualidade e duros com xícaras fracas, foi acentuada tanto no terceiro como no quarto trimestres de 2010 (Tabela 1).

            O avanço acumulado das cotações para os naturais foi maior que o contabilizado para o cereja descascado. Esse fato não deve servir de desestímulo para a adoção da tecnologia de preparo de café com qualidade. Revela apenas que o mercado para o CD ainda não tem, por enquanto, quantidade de compradores capazes de gerar a disputa pelo produto especial, diferentemente dos naturais, em que todo o mercado demanda e compete. Disso decorre o relativo descolamento dos percentuais entre CD e naturais especiais. Tal aspecto deve mostrar uma guinada com a efetivação da participação dos cafés lavados e semilavados brasileiros na Bolsa de Nova Iorque.

            Na outra face dos produtos de qualidade reconhecida e valorizada, têm-se os cafés destinados ao mercado interno e os de pior bebida. Tais tipos não apenas deixaram de acompanhar os tipos finos como, inclusive, exibiram queda nas cotações (caso do tipo rio). Os cafés menos reputados permanecerão com cotações ancoradas nas praticadas para o robusta sem defeitos (ausência de gostos indesejáveis – terra, fumaça, fermentações). Atenção! Esse fenômeno tenderá a ampliar ainda mais a diferença de preços entre os dois grupos de bebidas a cada safra que se seguir.

TABELA 1 – Cotações de café verde, por tipo, jul.2010 a jan.20111 (em R$/sc)

Tipo

Média

Jul/Ago/Set.

2010 (a)

Média

Out/Nov/Dez

2010(b)

Jan/112

(c)

a/c

(%)

b/c

(%)

a/c

+

b/c

CD

386,00

403,33

470,00

16,1

14,2

30,3

Finos e extra finos

342,66

365,00

440,00

22,1

17,0

39,1

Boa qualidade: duros b/preparados

322,00

346,00

410,00

21,4

15,6

37,0

Duros com xícaras fracas

288,33

318,33

375,00

23,1

15,1

38,2

Riados

258,33

281,66

300,00

13,9

6,11

20,0

Rio

230,00

235,00

230,00

0,00

-2,20

-2,2

Consumo interno – duro

255,00

248,33

260,00

1,92

4,49

6,4

Consumo interno - riadas

225,00

225,00

235,00

4,25

4,25

8,5


1 Cotações médias vigentes ao qüinquagésimo dia de cada respectivo mês.
2
Cotação de 03/01/2011.
Fonte: Escritório Carvalhaes. Disponível em:
www.carvalhaes.com.br

            Os cafeicultores aderentes ao esforço de produzir café de qualidade, normalmente, não alcançam preparar mais que 30% a 50% de sua colheita total dentro dos tipos mais valorizados. O restante da quantidade colhida distribui-se entre os tipos menos conceituados (geralmente duros e riados destinados ao mercado interno). Também, para essa segunda metade da colheita, o esforço de aprimorar o preparo do produto é recompensado, pois, na esteira da valorização dos tipos mais refinados, os de menor reputação reverteram o deságio antes praticado pelos compradores para ligeiros incrementos que, ao fim e ao cabo, contribuem na amortização dos custos totais com a condução, colheita e comercialização de seu produto.

            A revolução final de que ainda carecemos consiste na dificuldade em se suprimir de vez a classificação imprecisa e equivocada do “duro para melhor”, praticada inclusive pelas cooperativas de cafeicultores que, por princípio, deveriam se aliar ao esforço dos produtores que fazem qualidade, reconhecendo-a e valorizando-a e não a escondendo por detrás de uma classificação que sequer legalmente existe. As lideranças individuais e institucionais da cafeicultura precisam se mobilizar para extinguir e enterrar o “duro para melhor” o bem da transparência comercial, da renda dos cafeicultores e da satisfação dos consumidores daqui e de além!

            Sem aderir aos que ingenuamente acreditam que a história é cíclica e, tampouco, escorregar para o exagero, creio que a qualidade da bebida deveria ser considerada como o “Acordo de Taubaté” do século XXI, melhor ainda, a verdadeira “Salvação da Lavoura”.


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato:
celvegro@iea.sp.gov.br 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R. A redenção da lavoura. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/redencao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 27/01/2011