Vinte anos de
integração pesquisa-extensão-agricultor com feijão no Rio Grande do Sul
Irajá Ferreira Antunes
O fator continuidade em trabalhos de
pesquisa cientifica, face à natural complexidade e, consequentemente, ao
longo período de tempo que em geral envolve a plena resposta a uma
hipótese que possa levar à solução de um dado problema, tem sido
evidenciado nos últimos anos.
Este conceito envolve a continuidade
de trabalhos de parceria, visto que estes, por abarcarem as relações
entre diferentes instituições ou indivíduos, compreendem a tomada de
posição que, muitas vezes, foge da esfera de decisão dos atores
diretamente envolvidos na solução do problema e passam para a dos
gestores institucionais.
Assim, são merecidamente reconhecidos
trabalhos de pesquisa que apresentam longevidade. As pesquisas sobre o
efeito de fertilizantes orgânicos e inorgânicos sobre a produtividade de
determinadas culturas, como trigo e cevada, conduzidas na Estação
Experimental de Rothamstedt, localizada em Harpenden in Hertfordshire,
na Inglaterra, que datam de 1843, das quais algumas ainda são
conduzidas, constituem-se em exemplo clássico, citadas em todos os
compêndios que tem como tema a história da pesquisa cientifica. Da mesma
forma, os trabalhos com teores do óleo e proteína conduzidos na
Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, conhecidos como “Illinois
long-term selection experiment for oil and protein in corn”, que datam
de 1896 e que ainda hoje estão em andamento e que visam o entendimento
das relações genéticas entre estas duas características na cultura do
milho, constituem-se, também, em exemplo clássico de continuidade na
pesquisa e servem como instrumento de sensibilização de gestores
públicos.
Sob uma visão holística, toda a pesquisa
aplicada tem obrigatoriamente em sua constituição o uso final de seu
produto acabado por parte dos respectivos usuários. No caso da pesquisa
vegetal, e em particular no melhoramento genético, em que o produto
final é uma nova cultivar, a validação e, numa etapa posterior, a
aquisição do conhecimento sobre a mesma, tem o papel preponderante do
órgão de extensão rural. É o técnico da Emater, ou de órgãos privados de
assistência técnica, que seleciona os agricultores que irão validar a
nova tecnologia e também são eles que levarão a informação sobre a nova
cultivar aos agricultores.
O presente artigo revela uma experiência
relacionando pesquisa, extensão rural e o segmento da agricultura
familiar no Rio Grande do Sul iniciada em 1990 e que segue sem
interrupção até o ano agrícola 2010/11. Trata-se do projeto
caracterizado como Sistema de Unidades Demonstrativas de Feijão – SUDF.
Este sistema foi idealizado no intuito de promover a disseminação do
conhecimento sobre as novas cultivares de feijão desenvolvidas pela
pesquisa, não somente pela Embrapa, mas também por outras instituições
publicas e privadas atuantes no estado, possibilitando aos
produtores conhecer e selecionar as
cultivares melhor adaptadas às suas condições ambientais, dentro das
diferentes regiões produtoras, ao mesmo tempo disponibilizando sementes
melhoradas aos produtores sem acesso a este tipo de insumo
(Antunes, et al, 1995;
Silveira et al, 1995).
O
SUDF surgiu em
1990, cerca de três anos após o restabelecimento dos trabalhos de
melhoramento genético do feijão no âmbito da Empresa Brasileira de
Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, cuja unidade de pesquisa situada no
município de Capão do Leão, RS, na época, era identificada com Centro de
Pesquisa Agropecuária de Terras Baixas de Clima Temperado – CPATB. O
CPATB em 1992 fundiu-se com o Centro Nacional de Pesquisa de Fruteiras
de Clima Temperado – CNPFT para dar origem ao Centro de Pesquisa
Agropecuária de Clima Temperado, hoje também conhecido como Embrapa
Clima Temperado.
A criação do SUDF deu-se em função da
constatação de que os agricultores do Rio Grande do Sul, em especial os
agricultores familiares, que constituem o principal contingente da
produção do feijão, não eram conhecedores das novas cultivares que
estavam sendo disponibilizadas. Estas, em principio, poderiam contribuir
para a obtenção de maiores produtividades e, consequentemente, melhores
níveis de renda, o que levaria a existência de uma maior oferta do
produto e a um menor custo deste alimento. O desconhecimento destas
novas tecnologias por parte dos agricultores implicava na perda de
eficiência da pesquisa, já que os recursos nela aplicados não
apresentavam o esperado retorno para a sociedade.
Outra proposição do SUDF seria dotar o
agricultor familiar de maior independência quanto à obtenção de sementes
das cultivares geradas pela pesquisa em função da frequente inexistência
de sementes destas cultivares no mercado. Além disso, como boa parte das
cultivares que integram o SUDF está incluída no zoneamento agrícola, o
uso destas permitiria ao agricultor usufruir de todas as possibilidades
de financiamento e seguro agrícola inerentes.
No SUDF, as Unidades Demonstrativas - UD’s
constituem-se de cultivares de feijão disponibilizadas por órgãos de
pesquisa para cultivo no Estado do Rio Grande do Sul e, como termo de
comparação, pela cultivar em uso pelo agricultor integrante do sistema.
No ano de 2007, o projeto SUDF teve sua
filosofia alterada. Além das tradicionais UD’s, o projeto passou a
disponibilizar coleções de cultivares identificadas como Partituras de
Biodiversidade – PBio. Constituem-se
em uma coleção de cultivares crioulas,
diversas morfologicamente e, quando possível, em
suas origens. Visam, em sua concepção teórica, atingir como objetivos
principais: a preservação do germoplasma crioulo, evitando, assim, a
ocorrência de erosão genética; a promoção da biodiversidade (ou, em
termos mais restrito, da diversidade genética); a melhoria nutricional
das dietas das populações rural e urbana e o aumento da renda do
agricultor. A forma de atingir o primeiro objetivo se dá pelo cultivo
continuado do germoplasma, que se caracteriza como “on farm” ou “in
situ”. A promoção da diversidade genética se dá pela adoção de alguma
das cultivares componentes dessa coleção pelos agricultores. A melhoria
das dietas dá-se a partir do consumo, pela população, de uma cultivar
que apresente uma característica nutricional, ou funcional, favorável. O
aumento da renda do agricultor, dá-se pelo maior preço que uma cultivar
diferenciada pode atingir no mercado ou pela maior produtividade que
esta venha a apresentar.
A composição da UD é realizada pela Embrapa
Clima Temperado, sediada em Pelotas, RS, e a sua instalação e manutenção
pelo agricultor selecionado pelo técnico da Emater. A estrutura da UD
compreende o uso de parcelas experimentais para cada uma das cultivares,
constituídas por quatro fileiras de 4,0m de comprimento, sem repetição,
dispostas sequencialmente, com espaçamento de 0,50m entre as fileiras.
Por ocasião da colheita, as duas fileiras centrais são colhidas
separadamente para o cálculo da produtividade. O acompanhamento da UD é
feito pelo agricultor e pelo técnico da Emater que emitem parecer sobre
o desempenho de cada cultivar incluída na UD, sendo facultada a
multiplicação de sementes da(s) cultivar(es) escolhida(s) pelo
agricultor para uso posterior no âmbito da sua propriedade. O manejo das
parcelas é realizado de acordo com a metodologia usual de cada um dos
agricultores de modo a que a escolha da cultivar resulte de uma melhor
adaptação ao respectivo sistema de cultivo. Os agricultores recebem
junto com as sementes um Livro de Campo no qual são registradas as
informações relativas à data de semeadura, tipo de adubação, tratos
culturais realizados, incidência de doenças, data de colheita e peso dos
grãos colhidos. Complementarmente, são assinalados o número de visitas
ocorrentes durante o desenvolvimento das cultivares e o número de
pessoas que tiveram acesso à UD.
As PBio’s, por sua vez, são compostas por
cultivares crioulas e, em geral, por duas cultivares comerciais, além da
cultivar do agricultor, para servirem como termos de comparação. A
estruturação das parcelas é idêntica à utilizada nas UD’s, com quatro
fileiras de 4m, com 12 sementes por metro, espaçadas em 0,5m, sendo
estas dimensões passíveis de alteração de acordo com o sistema de
semeadura do agricultor. As observações conduzidas, bem como o uso
posterior das sementes, são idênticos àqueles adotados para as UD’s.
O trabalho colaborativo desenvolvido
compreendeu o encaminhamento, para avaliação, de 1.504 UDs e, desde
2007, de 95 PBio’s. Estiveram envolvidos na condução destes experimentos
cerca de 300 extensionistas da Emater/RS, e de 347 agricultores. As UD’s
e PBio’s foram instaladas em 197 municípios do estado, alcançando todas
as regiões produtoras. Estima-se que cerca de 35.000 agricultores
tiveram acesso a estas cultivares através, principalmente, de dias de
campo. No site da Embrapa Clima Temperado,
www.cpact.embrapa.br,
seguindo a sequência “publicações”, “livre acesso (download)”, “Boletim
de Pesquisa”, o de número 64 descreve em detalhes o trabalho, incluindo
os nomes de cada técnico participante da Emater, dos agricultores e de
outros colaboradores. Já a publicação da série “Documentos”, de número
193, revela dados de produtividade de cultivares de feijão para todas as
regiões produtoras do Rio Grande do Sul, com base no SUDF.
Um dado que merece referência especial é o
aumento na produtividade do feijão observado a partir da implantação das
UD’s. Desde que a Embrapa Clima Temperado, após três anos de
restabelecimento do programa de melhoramento de feijão, juntamente com a
Emater e agricultores do Rio Grande do Sul, passaram a desenvolver o
SUDF, a produtividade passou de
Significa dizer que o SUDF atingiu seu
objetivo plenamente e que, principalmente, o trabalho continuado de 20
anos, compreendendo a ação conjunta destes três segmentos da cadeia de
produção do feijão, pesquisa-extensão-agricultor, é um marco e exemplo
de eficácia na otimização de uso de uma nova tecnologia.
REFERÊNCIAS
ANTUNES, I. F.; SILVEIRA, E. P.; ALVES, F. A. R. Estudos de adaptação e
produtividade de cultivares e linhas promissoras de feijão a nível de
propriedade rural no Rio Grande do Sul – um modelo. Reunião
Sul-Brasileira de Pesquisa de Feijão,1., 1995, Chapecó, SC.
Resumos da 1. Reunião
Sul-Brasileira de Pesquisa de Feijão. Florianópolis: EPAGRI, 1995.
p.97-98.
SILVEIRA, E. P.; ANTUNES, I. F.; ALVES, F. A. R. Estudos de adaptação e
produtividade de cultivares e linhas promissoras de feijão a nível de
propriedade rural no Rio Grande do Sul – Resultados obtidos de
Irajá Ferreira Antunes
é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS,
com mestrado na University of
Illinois e doutorado na ESALQ/USP, Piracicaba, SP. Contato:
iraja.antunes@cpact.embrapa.br
Expedito
Paulo Silveira
é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS com mestrado na
ESALQ/USP, Piracicaba, SP.
Gilberto
Peripolli Bevilaqua,
é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFSM, Santa Maria, RS, com mestrado e
doutorado na UFPel, Pelotas, RS. Contato:
gilberto.bevilaqua@cpact.embrapa.br
Beatriz Marti Emygdio,
é Bióloga, graduada na UCPel, Pelotas, RS,
com mestrado e doutorado na UFPel, Pelotas, RS. Contato:
beatriz.emygdio@cpact.embrapa.br
Raul Celso Grehs
é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas,
RS com mestrado na UFSM, Santa Maria, RS. Contato:
raul.grehs@cpact.embrapa.br.
Camila
Bonneman Chollet é Bióloga, graduada na
UCPel, Pelotas, RS,
com mestrado na UFPel, Pelotas, RS e doutoranda em Sistemas de Produção
Agrícolas Familiares na mesma universidade. Contato:
cbchollet@yahoo.com.br
Janete Joanol da Silveira Mastrantonio
é Bióloga, graduada na UCPel, Pelotas, RS,
com mestrado e doutorado na UFPel, Pelotas, RS. Contato:
janete@cpact.embrapa.br
Lessandra
da Silva Rodrigues
é Engenheiro Agrônomo, graduada na UFPel, Pelotas, RS, com mestrado na
mesma universidade e doutorado na UNESP/Botucatu, SP. Contato:
lessandra.rodrigues@hotmail.com
Neander
Teixeira Silveira é
Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS
e mestrando em Tecnologia de Sementes na mesma universidade.
Contato:
nsilveira86@hotmail.com
Claiton Joel Eichholz
é graduando
Dados para citação bibliográfica(ABNT): ANTUNES, I.F.; SILVEIRA, E.P.; BEVILAQUA, G.P.; EMYGDIO, B.M.; GREHS, R.C.; CHOLLET, C.B.; MASTANTONIO, J.J.S.; RODRIGUES, L.S.; SILVEIRA, N.T.; EICHHOLZ, C.J. Vinte anos de integração pesquisa-extensão-agricultor com feijão no Rio Grande do Sul . Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/feijao/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 18/01/2011 |