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Vinte anos de integração pesquisa-extensão-agricultor com feijão no Rio Grande do Sul

 

Irajá Ferreira Antunes
Expedito Paulo Silveira
Gilberto Peripolli Bevilaqua
Beatriz Marti Emygdio
Raul Celso Grehs
Camila Bonneman Chollet
Janete Joanol da Silveira Mastrantonio
Lessandra da Silva Rodrigues
Neander Teixeira Silveira
Claiton Joel Eichholz

            O fator continuidade em trabalhos de pesquisa cientifica, face à natural complexidade e, consequentemente, ao longo período de tempo que em geral envolve a plena resposta a uma hipótese que possa levar à solução de um dado problema, tem sido evidenciado nos últimos anos.

 

            Este conceito envolve a continuidade de trabalhos de parceria, visto que estes, por abarcarem as relações entre diferentes instituições ou indivíduos, compreendem a tomada de posição que, muitas vezes, foge da esfera de decisão dos atores diretamente envolvidos na solução do problema e passam para a dos gestores institucionais.

 

            Assim, são merecidamente reconhecidos trabalhos de pesquisa que apresentam longevidade. As pesquisas sobre o efeito de fertilizantes orgânicos e inorgânicos sobre a produtividade de determinadas culturas, como trigo e cevada, conduzidas na Estação Experimental de Rothamstedt, localizada em Harpenden in Hertfordshire, na Inglaterra, que datam de 1843, das quais algumas ainda são conduzidas, constituem-se em exemplo clássico, citadas em todos os compêndios que tem como tema a história da pesquisa cientifica. Da mesma forma, os trabalhos com teores do óleo e proteína conduzidos na Universidade de Illinois, nos Estados Unidos, conhecidos como “Illinois long-term selection experiment for oil and protein in corn”, que datam de 1896 e que ainda hoje estão em andamento e que visam o entendimento das relações genéticas entre estas duas características na cultura do milho, constituem-se, também, em exemplo clássico de continuidade na pesquisa e servem como instrumento de sensibilização de gestores públicos.

            Sob uma visão holística, toda a pesquisa aplicada tem obrigatoriamente em sua constituição o uso final de seu produto acabado por parte dos respectivos usuários. No caso da pesquisa vegetal, e em particular no melhoramento genético, em que o produto final é uma nova cultivar, a validação e, numa etapa posterior, a aquisição do conhecimento sobre a mesma, tem o papel preponderante do órgão de extensão rural. É o técnico da Emater, ou de órgãos privados de assistência técnica, que seleciona os agricultores que irão validar a nova tecnologia e também são eles que levarão a informação sobre a nova cultivar aos agricultores.

            O presente artigo revela uma experiência relacionando pesquisa, extensão rural e o segmento da agricultura familiar no Rio Grande do Sul iniciada em 1990 e que segue sem interrupção até o ano agrícola 2010/11. Trata-se do projeto caracterizado como Sistema de Unidades Demonstrativas de Feijão – SUDF. Este sistema foi idealizado no intuito de promover a disseminação do conhecimento sobre as novas cultivares de feijão desenvolvidas pela pesquisa, não somente pela Embrapa, mas também por outras instituições publicas e privadas atuantes no estado, possibilitando aos produtores conhecer e selecionar as cultivares melhor adaptadas às suas condições ambientais, dentro das diferentes regiões produtoras, ao mesmo tempo disponibilizando sementes melhoradas aos produtores sem acesso a este tipo de insumo (Antunes, et al, 1995; Silveira et al, 1995).

             O SUDF surgiu em 1990, cerca de três anos após o restabelecimento dos trabalhos de melhoramento genético do feijão no âmbito da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária – EMBRAPA, cuja unidade de pesquisa situada no município de Capão do Leão, RS, na época, era identificada com Centro de Pesquisa Agropecuária de Terras Baixas de Clima Temperado – CPATB. O CPATB em 1992 fundiu-se com o Centro Nacional de Pesquisa de Fruteiras de Clima Temperado – CNPFT para dar origem ao Centro de Pesquisa Agropecuária de Clima Temperado, hoje também conhecido como Embrapa Clima Temperado.

            A criação do SUDF deu-se em função da constatação de que os agricultores do Rio Grande do Sul, em especial os agricultores familiares, que constituem o principal contingente da produção do feijão, não eram conhecedores das novas cultivares que estavam sendo disponibilizadas. Estas, em principio, poderiam contribuir para a obtenção de maiores produtividades e, consequentemente, melhores níveis de renda, o que levaria a existência de uma maior oferta do produto e a um menor custo deste alimento. O desconhecimento destas novas tecnologias por parte dos agricultores implicava na perda de eficiência da pesquisa, já que os recursos nela aplicados não apresentavam o esperado retorno para a sociedade.

            Outra proposição do SUDF seria dotar o agricultor familiar de maior independência quanto à obtenção de sementes das cultivares geradas pela pesquisa em função da frequente inexistência de sementes destas cultivares no mercado. Além disso, como boa parte das cultivares que integram o SUDF está incluída no zoneamento agrícola, o uso destas permitiria ao agricultor usufruir de todas as possibilidades de financiamento e seguro agrícola inerentes.

            No SUDF, as Unidades Demonstrativas - UD’s constituem-se de cultivares de feijão disponibilizadas por órgãos de pesquisa para cultivo no Estado do Rio Grande do Sul e, como termo de comparação, pela cultivar em uso pelo agricultor integrante do sistema.

            No ano de 2007, o projeto SUDF teve sua filosofia alterada. Além das tradicionais UD’s, o projeto passou a disponibilizar coleções de cultivares identificadas como Partituras de Biodiversidade – PBio. Constituem-se em uma coleção de cultivares crioulas, diversas morfologicamente e, quando possível, em suas origens. Visam, em sua concepção teórica, atingir como objetivos principais: a preservação do germoplasma crioulo, evitando, assim, a ocorrência de erosão genética; a promoção da biodiversidade (ou, em termos mais restrito, da diversidade genética); a melhoria nutricional das dietas das populações rural e urbana e o aumento da renda do agricultor. A forma de atingir o primeiro objetivo se dá pelo cultivo continuado do germoplasma, que se caracteriza como “on farm” ou “in situ”. A promoção da diversidade genética se dá pela adoção de alguma das cultivares componentes dessa coleção pelos agricultores. A melhoria das dietas dá-se a partir do consumo, pela população, de uma cultivar que apresente uma característica nutricional, ou funcional, favorável. O aumento da renda do agricultor, dá-se pelo maior preço que uma cultivar diferenciada pode atingir no mercado ou pela maior produtividade que esta venha a apresentar.

             A composição da UD é realizada pela Embrapa Clima Temperado, sediada em Pelotas, RS, e a sua instalação e manutenção pelo agricultor selecionado pelo técnico da Emater. A estrutura da UD compreende o uso de parcelas experimentais para cada uma das cultivares, constituídas por quatro fileiras de 4,0m de comprimento, sem repetição, dispostas sequencialmente, com espaçamento de 0,50m entre as fileiras. Por ocasião da colheita, as duas fileiras centrais são colhidas separadamente para o cálculo da produtividade. O acompanhamento da UD é feito pelo agricultor e pelo técnico da Emater que emitem parecer sobre o desempenho de cada cultivar incluída na UD, sendo facultada a multiplicação de sementes da(s) cultivar(es) escolhida(s) pelo agricultor para uso posterior no âmbito da sua propriedade. O manejo das parcelas é realizado de acordo com a metodologia usual de cada um dos agricultores de modo a que a escolha da cultivar resulte de uma melhor adaptação ao respectivo sistema de cultivo. Os agricultores recebem junto com as sementes um Livro de Campo no qual são registradas as informações relativas à data de semeadura, tipo de adubação, tratos culturais realizados, incidência de doenças, data de colheita e peso dos grãos colhidos. Complementarmente, são assinalados o número de visitas ocorrentes durante o desenvolvimento das cultivares e o número de pessoas que tiveram acesso à UD.

          As PBio’s, por sua vez, são compostas por cultivares crioulas e, em geral, por duas cultivares comerciais, além da cultivar do agricultor, para servirem como termos de comparação. A estruturação das parcelas é idêntica à utilizada nas UD’s, com quatro fileiras de 4m, com 12 sementes por metro, espaçadas em 0,5m, sendo estas dimensões passíveis de alteração de acordo com o sistema de semeadura do agricultor. As observações conduzidas, bem como o uso posterior das sementes, são idênticos àqueles adotados para as UD’s.

           O trabalho colaborativo desenvolvido compreendeu o encaminhamento, para avaliação, de 1.504 UDs e, desde 2007, de 95 PBio’s. Estiveram envolvidos na condução destes experimentos cerca de 300 extensionistas da Emater/RS, e de 347 agricultores. As UD’s e PBio’s foram instaladas em 197 municípios do estado, alcançando todas as regiões produtoras. Estima-se que cerca de 35.000 agricultores tiveram acesso a estas cultivares através, principalmente, de dias de campo. No site da Embrapa Clima Temperado, www.cpact.embrapa.br, seguindo a sequência “publicações”, “livre acesso (download)”, “Boletim de Pesquisa”, o de número 64 descreve em detalhes o trabalho, incluindo os nomes de cada técnico participante da Emater, dos agricultores e de outros colaboradores. Já a publicação da série “Documentos”, de número 193, revela dados de produtividade de cultivares de feijão para todas as regiões produtoras do Rio Grande do Sul, com base no SUDF.

            Um dado que merece referência especial é o aumento na produtividade do feijão observado a partir da implantação das UD’s. Desde que a Embrapa Clima Temperado, após três anos de restabelecimento do programa de melhoramento de feijão, juntamente com a Emater e agricultores do Rio Grande do Sul, passaram a desenvolver o SUDF, a produtividade passou de 537,4 kg por hectare, no quinquênio 1985/86-1989/90, ou seja, logo antes da implantação do SUDF, para 1.077 kg por hectare no quinquênio 2005/06-2009/10. Este avanço, superior a 100%, sem dúvidas resulta de inúmeros fatores. Entretanto, é de ser assumido que, pelo envolvimento observado por parte de técnicos e produtores em todas as regiões produtoras do estado, o SUDF tenha uma significativa parcela de participação neste ganho.

            Significa dizer que o SUDF atingiu seu objetivo plenamente e que, principalmente, o trabalho continuado de 20 anos, compreendendo a ação conjunta destes três segmentos da cadeia de produção do feijão, pesquisa-extensão-agricultor, é um marco e exemplo de eficácia na otimização de uso de uma nova tecnologia. 

REFERÊNCIAS

ANTUNES, I. F.; SILVEIRA, E. P.; ALVES, F. A. R. Estudos de adaptação e produtividade de cultivares e linhas promissoras de feijão a nível de propriedade rural no Rio Grande do Sul – um modelo. Reunião Sul-Brasileira de Pesquisa de Feijão,1., 1995, Chapecó, SC. Resumos da 1. Reunião Sul-Brasileira de Pesquisa de Feijão. Florianópolis: EPAGRI, 1995. p.97-98.

SILVEIRA, E. P.; ANTUNES, I. F.; ALVES, F. A. R. Estudos de adaptação e produtividade de cultivares e linhas promissoras de feijão a nível de propriedade rural no Rio Grande do Sul – Resultados obtidos de 1990 a 1995. Reunião Sul-Brasileira de Pesquisa de Feijão,1., 1995, Chapecó, SC. Resumos da 1. Reunião Sul-Brasileira de Pesquisa de Feijão. Florianópolis: EPAGRI, 1995. p.99-100.


Irajá Ferreira Antunes é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS,  com mestrado na University of Illinois e doutorado na ESALQ/USP, Piracicaba, SP. Contato: iraja.antunes@cpact.embrapa.br

Expedito Paulo Silveira é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS com mestrado na ESALQ/USP, Piracicaba, SP.

Gilberto Peripolli Bevilaqua, é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFSM, Santa Maria, RS, com mestrado e doutorado na UFPel, Pelotas, RS. Contato: gilberto.bevilaqua@cpact.embrapa.br

Beatriz Marti Emygdio, é Bióloga, graduada na UCPel, Pelotas, RS, com mestrado e doutorado na UFPel, Pelotas, RS. Contato: beatriz.emygdio@cpact.embrapa.br

Raul Celso Grehs é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS com mestrado na UFSM, Santa Maria, RS. Contato: raul.grehs@cpact.embrapa.br.

Camila Bonneman Chollet é Bióloga, graduada na UCPel, Pelotas, RS, com mestrado na UFPel, Pelotas, RS e doutoranda em Sistemas de Produção Agrícolas Familiares na mesma universidade. Contato: cbchollet@yahoo.com.br

Janete Joanol da Silveira Mastrantonio é Bióloga, graduada na UCPel, Pelotas, RS, com mestrado e doutorado na UFPel, Pelotas, RS. Contato: janete@cpact.embrapa.br

 Lessandra da Silva Rodrigues é Engenheiro Agrônomo, graduada na UFPel, Pelotas, RS, com mestrado na mesma universidade e doutorado na UNESP/Botucatu, SP. Contato: lessandra.rodrigues@hotmail.com

 Neander Teixeira Silveira é Engenheiro Agrônomo, graduado na UFPel, Pelotas, RS  e mestrando em Tecnologia de Sementes na mesma universidade. Contato: nsilveira86@hotmail.com

Claiton Joel Eichholz é graduando em Engenharia Agrícola na UFPel, Pelotas, RS. Contato: claiton_sls@hotmail.com



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

ANTUNES, I.F.; SILVEIRA, E.P.; BEVILAQUA, G.P.; EMYGDIO, B.M.; GREHS, R.C.; CHOLLET, C.B.; MASTANTONIO, J.J.S.; RODRIGUES, L.S.; SILVEIRA, N.T.; EICHHOLZ, C.J. Vinte anos de integração pesquisa-extensão-agricultor com feijão no Rio Grande do Sul. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/feijao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 18/01/2011