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Café: igual, diferente e ambos ligadíssimos 

Celso Luis Rodrigues Vegro  

 “José Dias amava os superlativos. Era um modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia para prolongar as frases”.

(Machado de Assis. Dom Casmurro cap.IV)

Inicio essa análise de mercado de café com um oximoro. Propositalmente assim procedo, pois tal é o momento para o mercado dessa bebida. Sim, o café é igual, é diferente e ambas as tendências determinam o funcionamento dos mecanismos que pautam a formação de seus preços.

Café é igual na medida em que participa da ascensão das cotações1 observada para todas as commodities metálicas, agrícolas e para o petróleo (a única exceção é o arroz que vem em baixa). Motivados pelo excesso de liquidez internacional2, desvalorização do dólar e por fenômenos específicos de cada commodity em particular (balanço entre oferta/demanda e posição dos estoques de passagem), as commodities, de modo mais ou menos generalizado3, vêem registrando recordes seguidos de recordes em termos de patamares para as cotações praticadas em bolsas de valores. A maior parte delas inclusive já se encontra em posição mais elevada do que aquela que se alcançou nas vésperas do colapso econômico de 2008. 

Commodities como: açúcar; algodão; café e carne bovina, nem haviam se beneficiado com as altas nas cotações observadas antes da crise. Naquela altura os aumentos foram pronunciados especialmente para soja, milho e trigo. Na fase atual  com altas consistentes para o conjunto das commodities, o café se soma às demais , por isso é igual, ou seja, finalmente o produto passa também participar desse ciclo de elevações sustentadas nos preços.

 Para se ter uma idéia da alta nas cotações do café, em janeiro de 2010 o Brasil exportou 2.491.825sc de café (verde, torrado e moído e solúvel) apurando receita cambial de US$385,7ª milhões. Em janeiro de 2011 os embarques atingiram 2.724.044sc, representando incremento de 9,3% no quantidade exportada em igual mês do ano anterior. Quanto à receita apurada a alta foi de 51%, totalizando US$581,57 milhões4. Café foi o produto que maior receita carreou para a balança comercial em janeiro5, algo que não se verificava, creio, há mais de 50 anos de história do comércio exterior brasileiro. Tal valor faz do café ser mais igual ainda.

 Ainda que com menos dias úteis, em fevereiro se pode esperar incremento ainda maior na receita cambial capturada pelas exportações brasileiras de café. Tomando como referência a Bolsa de Nova Iorque, a média das cotações, em janeiro de 2011, foi de US$242,70cents/lbp equivalente a US$322,16/sc enquanto nos quatorze primeiros dias de fevereiro essa média alcançava os US$252,13cents/lbp ou US$334,67/sc,  incremento de US$12,54/sc, valor esse suficiente para catapultar o saldo da receita cambial, descontado o deságio que o café natural brasileiro recebe daquela bolsa, algo acima dos US$600 milhões já em fevereiro. Poderia ser maior ainda esse saldo, mas muitos dos embarques a serem efetuados datam de transações celebradas com mais de 180 dias de antecedência, sob cotações bem inferiores às vigentes naquele instante.

 O café ao compartilhar do mesmo movimento de mercado que se transmite para o conjunto das commodities, revela o quanto são os preços indicadores relativos. Mais de uma vez já se alertou para essa questão. Não existe preço absoluto, mas ao contrário, há correlação estreita entre as cotações que o petróleo guarda com as demais. Essa mútua contaminação das cotações em distintos mercados é a causa de sua relatividade.

 Mas em que então o café mostra-se singularmente diferente? De início de conversa, não há apenas uma espécie de café e dentro delas grande diversidade de tipos. Robusta e arábica; preparo natural, descascado e fermentado/despolpado; grãos melhores vocacionados para o coador e outros para o expresso e outros ainda para o solúvel; bebidas que vão do gourmet certificado, passando pelo estrito mole até o rio zona (gosto de iodo), aromas florais, chocolate, nozes, pão torrado até batata podre e pneu queimado. Agora pensemos em quantas possibilidades existem somente com a combinação dois a dois dessa modestíssima6 lista que aqui exposta. Para aquela cotação que se apresenta como uma das mais elevadas da história recente do mercado de café ocorre na prática, uma quantidade de preços formidáveis em função de cada combinação proporcionada pelo laudo do café atestado por provador habilitado. Preços que inclusive superam os recordes nas cotações. Prêmios pela qualidade são cada vez mais freqüentes no processo de comercialização do café brasileiro como reconhecimento dos compradores pela qualidade alcançada pelo produto. Os bourbons amarelos de altitude e preparados por meio do descascamento são atualmente comercializados por cerca de R$600,00/sc ou mais. Em contrapartida, os cafés menos reputados sequer conseguem metade da cotação sinalizada em bolsa. Os cafés riados, por exemplo, são vendidos por R$350,00-R$420,00sc, ou seja, permanecem distante do cenário veludo em que a cafeicultura ingressou.

Portanto, aqueles cafeicultores que investiram em qualidade estão participando da parte do café em que ele é igual. Os demais (cafeicultores de arábica ou de robusta), que pouco fizeram pela qualidade, andam ao largo dessa ascensão exponencial das cotações. Isso por enquanto, pois a batalha entre varejo e indústria de torrefação pela majoração dos preços apenas se iniciou. Enquanto a indústria não conseguir fazer repassar sua nova tabela de preços, a demanda pelos tipos inferiores ganhará espaço no blend e, provavelmente, tratará de elevar as cotações também para os produtos considerados pelo mercado como inferiores no quesito qualidade.

 Os aumentos no varejo somente ainda não vingaram devido a resistência do segmento de varejo que emprega o café torrado e moído em 100% das campanhas de menor preço. De outro lado o blend usual na indústria de torrefação e moagem já é composto por 40% a 50% de robusta, 10% a 20% de PVA (grãos pretos, verdes e ardidos) e 30% a 40% de bebida dura. Os dois primeiros tipos mantêm suas cotações “comportadas”, enquanto a bebida dura acompanha as cotações dos tipos gourmet com apenas algum deságio. Substituindo-se esse último pelo padrão riado ou até rio e, conseqüentemente, piorando a bebida, o torrefador evita o confronto com o varejista e se posiciona estrategicamente, esperando que as empresas líderes do segmento obtenham sucesso no repasse. Porém, o crescimento da demanda por esse tipo inferior levará inapelavelmente suas cotações também para o alto.

O sensacionalismo do café ainda não se esgotou. Sua diferença com o resto do mercado ocorre inclusive entre os mais zelosos dos cafeicultores. Numa safra de café, a proporção que atinge as qualidades reputadas pelo mercado, normalmente, gira em torno da metade de sua safra. Assim, no portfólio de qualidades obtidas pode haver inclusive bebida rio zona oriundo da varreção e repasse. Portando, mesmo com todo o investimento e esforço pessoal na produção de qualidade, mesmo o mais exímio cafeicultor mantém um pé na cozinha das baixas cotações, ansiando para que a indústria de torrefação convença de seu pleito o segmento varejista.

 A complexidade do mundo representado pelo agronegócio café somente pode ser descortinada por aqueles verdadeiramente engajados em deixar de lado as interpretações fáceis. 

1 Deve-se distinguir os conceitos de cotações e de preços. Cotação é uma referência, um sinalizador para uma multiplicidade de preços que serão praticados no mercado físico. O emprego corrente como sinônimos desses dois conceitos causa imensas dificuldades para a compreensão dos fenômenos econômicos.

2 US$600 bilhões foram injetados pela autoridade monetária na economia estadunidense visando acelerar a retomada do crescimento. Felizmente, o resultado será promissor e as expectativas são de expansão de pelo menos 3% para a economia líder global.

3 As cotações para o petróleo ainda mantém um comportamento mais civilizado, em torno dos US$100,00 para o barril do tipo Brent. Antes da crise econômica as cotações para o produto superaram os US$140,00 para o mesmo tipo.

4 Os dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé).

5 Comparo produtos versus produto e não seus complexos. Soja, farelo e óleo, ou o sucroalcooleiro, por exemplo, lideram os negócios internacionais da balança de comércio exterior do agronegócio brasileiro.

6 Não há modo de me libertar do fantasma do José Dias. Solto lá mais um superlativo. 


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato:
celvegro@iea.sp.gov.br 



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R. Café: igual, diferente e ambos ligadíssimos. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/Cafe/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 01/03/2011