Café: igual, diferente e
ambos ligadíssimos Celso Luis Rodrigues Vegro
“José Dias amava os superlativos. Era um
modo de dar feição monumental às idéias; não as havendo, servia para
prolongar as frases”. (Machado de Assis. Dom Casmurro cap.IV) Inicio essa análise de mercado de café com um oximoro. Propositalmente assim procedo, pois tal é o momento para o mercado dessa bebida. Sim, o café é igual, é diferente e ambas as tendências determinam o funcionamento dos mecanismos que pautam a formação de seus preços. Café é igual na medida em que
participa da ascensão das cotações1
observada para todas as commodities metálicas, agrícolas e para o
petróleo (a única exceção é o arroz que vem em baixa). Motivados
pelo excesso de liquidez internacional2,
desvalorização do dólar e por fenômenos específicos de cada
commodity em particular (balanço entre oferta/demanda e posição dos
estoques de passagem), as commodities, de modo mais ou menos
generalizado3,
vêem registrando recordes seguidos de recordes em termos de
patamares para as cotações praticadas em bolsas de valores. A maior
parte delas inclusive já se encontra em posição mais elevada do que
aquela que se alcançou nas vésperas do colapso econômico de 2008. Commodities como: açúcar;
algodão; café e carne bovina, nem haviam se beneficiado com as altas
nas cotações observadas antes da crise. Naquela altura os aumentos
foram pronunciados especialmente para soja, milho e trigo. Na fase
atual com
altas consistentes para o conjunto das commodities, o café se soma
às demais , por isso é igual, ou seja, finalmente o produto passa
também participar desse ciclo de elevações sustentadas nos preços.
Portanto, aqueles cafeicultores que investiram em
qualidade estão participando da parte do café em que ele é igual. Os
demais (cafeicultores de arábica ou de robusta), que pouco fizeram
pela qualidade, andam ao largo dessa ascensão exponencial das
cotações. Isso por enquanto, pois a batalha entre varejo e indústria
de torrefação pela majoração dos preços apenas se iniciou. Enquanto
a indústria não conseguir fazer repassar sua nova tabela de preços,
a demanda pelos tipos inferiores ganhará espaço no blend e,
provavelmente, tratará de elevar as cotações também para os produtos
considerados pelo mercado como inferiores no quesito qualidade.
O sensacionalismo do café ainda não se esgotou.
Sua diferença com o resto do mercado ocorre inclusive entre os mais
zelosos dos cafeicultores. Numa safra de café, a proporção que
atinge as qualidades reputadas pelo mercado, normalmente, gira em
torno da metade de sua safra. Assim, no portfólio de qualidades
obtidas pode haver inclusive bebida rio zona oriundo da varreção e
repasse. Portando, mesmo com todo o investimento e esforço pessoal
na produção de qualidade, mesmo o mais exímio cafeicultor mantém um
pé na cozinha das baixas cotações, ansiando para que a indústria de
torrefação convença de seu pleito o segmento varejista.
1 Deve-se
distinguir os conceitos de cotações e de preços. Cotação é uma
referência, um sinalizador para uma multiplicidade de preços que
serão praticados no mercado físico. O emprego corrente como
sinônimos desses dois conceitos causa imensas dificuldades para a
compreensão dos fenômenos econômicos. 2 US$600
bilhões foram injetados pela autoridade monetária na economia
estadunidense visando acelerar a retomada do crescimento.
Felizmente, o resultado será promissor e as expectativas são de
expansão de pelo menos 3% para a economia líder global. 3 As
cotações para o petróleo ainda mantém um comportamento mais
civilizado, em torno dos US$100,00 para o barril do tipo Brent.
Antes da crise econômica as cotações para o produto superaram os
US$140,00 para o mesmo tipo. 4 Os
dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé). 5 Comparo
produtos versus produto e não seus complexos. Soja, farelo e óleo,
ou o sucroalcooleiro, por exemplo, lideram os negócios
internacionais da balança de comércio exterior do agronegócio
brasileiro. 6
Não há modo de me libertar do fantasma do José Dias. Solto lá mais
um superlativo. Celso Luis
Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior
de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização
em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade
pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992).
Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto
de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os
Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado
de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de
trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais,
inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas,
especialmente, do café.
Dados para citação bibliográfica(ABNT): VEGRO, C.L.R. Café: igual, diferente e ambos ligadíssimos. 2011. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2011_1/Cafe/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 01/03/2011 |