SEGURO RURAL: SÃO PAULO AVANÇA NA
CONTRAMÃO DO RETROCESSO NA POLÍTICA FEDERAL
José Sidnei Gonçalves
A nova política para a agricultura brasileira vem sendo edificada com o progressivo rompimento com os paradigmas que edificaram a intervenção estatal para o desenvolvimento setorial da metade dos anos 1960 em diante com apogeu na década de 1970. Naquela quadra histórica a estratégia de internalizar os padrões da segunda revolução industrial levou à utilização do crédito subsidiado para modernizar a agropecuária com intensificação do uso de insumos e máquinas, para estruturar as agroindústrias de bens de capital e insumos e as de processamento e de alimentos, além das estruturas dos agro-serviços transacionais e financeiros. Essa transformação que provocou transformações profundas na estrutura de mercado e formação de preços acabou esgotando-se pelo seu próprio sucesso, sendo que do lado das finanças públicas a explosão da dívida pública tornou-se uma limitação para a continuidade desse perfil de políticas. Tal como o subsídio no crédito rural dos anos Isso pode ser visto na redação do artigo 2° da Lei Federal 10.823/2003 que preconiza subvenções que poderão ser diferenciadas segundo: I - modalidades do seguro rural; II - tipos de culturas e espécies animais; III - categorias de produtores; IV - regiões de produção; V - condições contratuais, priorizando aquelas consideradas redutoras de risco ou indutoras de tecnologia? A pluralidade das modalidades de seguro rural passíveis de subvenção está explícita no Inciso I do artigo 3° que define que o Poder Executivo regulamentará: I - as modalidades de seguro rural contempláveis com o benefício de que trata esta Lei?. Fica explícita a possibilidade de avanços na política federal de seguro rural, incorporando outras modalidades que não apenas aquelas associadas a fenômenos climáticos. Os Planos Trienais de Seguro Rural até recentemente,
conquanto na prática tenha operacionalizado apenas o seguro contra
riscos climáticos, vinham mantendo coerência com o espírito da Lei
Federal 10.823/2003. Entretanto na medida mais recente configura-se
relevante retrocesso nesse aspecto. Isso pode ser visto na Resolução nº
22, de 30 de dezembro de 2009 do Comitê Gestor Interministerial do
Seguro Rural (CGSR) aprovou o Plano Trienal do Seguro Rural - PTSR do
Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural para o período de Essa diferença está explícita na diferença das diretrizes gerais para essa política federal que no PSTR 2007-2009 definia que se buscava: a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como instrumento para a estabilidade da renda agropecuária; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário. Já no PSTR 2010-2012 procura-se: a) promover a universalização do acesso ao seguro rural; b) assegurar o papel do seguro rural como mitigador dos efeitos dos riscos climáticos das atividades agropecuárias; c) induzir o uso de tecnologias adequadas e modernizar a gestão do empreendimento agropecuário. Fica nítida a menor abrangência da política federal de seguro rural, que deixa de buscar mecanismos complementares que construam a garantia da renda agropecuária, para retroceder ao velho desenho do seguro rural dos anos 1930 que era consubstanciado no seguro contra granizo criado para o algodão paulista com base no Decreto Estadual n° 10.554 de 4 de outubro de 1939 que organizou o Fundo de Defesa da Lavoura Algodoeira Conta o Granizo, formado por parcela da venda de sementes de algodão pelo Estado e visava cobrir prejuízos de agricultores cujos algodoais fossem atingidos por esse evento climático. Nessa política paulista de sucesso na construção da modernidade da cotonicultura no período 1930-1990 o seguro era obrigatório, sendo integrante de um rol de medidas reguladoras da produção e comercialização do algodão. O retrocesso explícito no PSTR 2010-2012, cuja abrangência indica em caso de continuidade da gestão federal uma persistência que atingirá metade do próximo Governo, na verdade revela a baixa prioridade do Governo Federal para a configuração das bases uma nova política agrícola em bases mais modernas, preferindo manter-se na linha populista das renegociações e reestruturações da enorme dívida rural acumulada que lançar as bases de uma solução mais duradoura para a questão do financiamento da produção. Tanto assim ocorreu atraso no pagamento às seguradoras no exercício 2009 de cerca de R$ 90 milhões devidos a título de subvenção econômica do seguro rural. E quando foi acertado esse calote do Tesouro Federal que em 2009 não honrou seus compromissos com o seguro rural, o dinheiro utilizado foi o destinado ao seguro rural de 2010, cuja dotação orçamentária já era insuficiente. Não há de se estranhar, portanto, que no final do exercício tenha sido explicitado o recuo conceitual das diretrizes do seguro rural, reduzido a gestão de riscos climáticos no triênio 2010-2012. Conquanto de abrangência ainda reduzida, o seguro rural que cobre menos de 10% da área agropecuária brasileira vem crescendo nos últimos anos. Com liberação neste primeiro semestre de 2010 dos R$ 90 milhões devidos às seguradoras com base no Programa de Subvenção ao Prêmio do Seguro Rural (PSR), os recursos referentes a 2009 destinados ao PSR somam R$ 261 milhões, 66,2% mais que os R$ 157 milhões aplicados em 2008. Em relação a 2007, quando foram repassados R$ 61 milhões ao programa, os investimentos foram 328% superiores. O PSTR 2010-2012 prevê a aplicação de R$ 451 milhões. Mas a credibilidade da subvenção federal do prêmio do seguro rural está comprometida, uma vez que foi previsto no orçamento 2010, o montante de R$ 238 milhões para esse fim, dos quais foram descontados R$ 90 milhões que representavam débitos com as seguradoras não honrados pelo Governo Federal em 2009. Ficam disponíveis então R$ 148 milhões, o que sequer permite cobrir as previsões de subvenções no mesmo nível de 2009. Trata-se de golpe mortal na credibilidade do sistema federal. Mesmo que isso seja solucionado, face às diretrizes fixadas a subvenção federal do seguro rural se manterá nos limites da cobertura de danos decorrentes de fenômenos climáticos. Ficam de fora outras ocorrências que podem afetar sua produção como pragas e doenças e eventos de outras características capazes de destruir lavouras e criações. O retrocesso conceitual inserido nas novas diretrizes da subvenção federal do seguro rural configura inclusive uma enorme confusão dado que a restrição imposta ao contemplar apenas os riscos climáticos como um das diretrizes torna inviável a segurança de concretização das outras duas diretrizes, uma vez que como nem todas as atividades estão sujeitas a riscos climáticos não há como cumprir a diretriz de universalizar o acesso ao seguro rural e como a exposição ao risco na agropecuária se mostra inibidora serão menores os investimentos necessários ao uso da moderna tecnologia adequada nos empreendimentos agropecuários. Tais diretrizes reducionistas e de notório retrocesso
conceitual cria obstáculo para o avanço da subvenção econômica como
moderno instrumento de política setorial, que fica mais barato que os R$ E o faz na mais genuína do ideal bandeirante de alargar fronteira. Afinal foi o FEAP, o Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP) que estabeleceu a legislação pioneira nesse sentido constitui-se no Estado de São Paulo com a Lei Estadual nº 11.244, de 21 de outubro de 2002 que possibilitou a subvenção de até metade do prêmio do seguro rural. A legislação federal iria mais tarde por meio da Lei Federal nº 10.823, de 19 de dezembro de 2003, também adotar a subvenção econômica ao prêmio como instrumento para a disseminação do seguro rural. Após a implementação da subvenção federal do seguro rural, em decisão governamental paulista resolveu-se associar esses instrumentos federais e estaduais de maneira que o agropecuarista paulista tem um diferencial relevante quando comprado com outras unidades da federação na medida em que na associação das subvenções acaba arcando com um quarto do valor do prêmio. O acerto dessa medida operacional pode ser verificado na expansão consistente dos contratos de seguro agropecuário que saltam de 1.162 em 2007 para 9.287 em 2009, esperando-se atingir 12.135 em 2010. As subvenções pagas saltaram de R$ 993,5 mil para R$ 12,9 milhões em 2009, projetando-se alcançar R$ 18,0 milhões em 2010. Agora está sendo implementada nova opção pioneira do Governo do Estado de São Paulo, que corresponde a incorporar a gestão dos riscos produtivos decorrentes de pragas e doenças nas subvenções do prêmio do seguro rural.
No Brasil, as
subvenções econômicas federais abrangem apenas o “risco climático” numa
concepção que ainda remonta à realidade do seguro contra granizo no
algodão criado Para tanto foi editado o Decreto nº 54.962, de 28 de outubro de 2009 que aprovou “o Projeto Estadual de Subvenção do Prêmio de Seguro da Sanidade do Pomar Citrícola - Ano de 2009, com emprego de recursos do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP)”. Os objetivos do referido projeto são: “I- garantir ao segurado cobertura das perdas no pomar citrícola decorrentes da contaminação pelas bactérias Xanthomonas axonopodis pv.citri (Cancro Cítrico) e Candidatus liberibacter spp (Greening); II - proporcionar aos segurados instrumento de gerenciamento econômico de riscos do impacto a sanidade de seus pomares; III - estruturar mecanismo de sustentação produtiva do segurado, possibilitando maior estabilidade econômica e social frente a possíveis perigos de natureza fitossanitária; IV - ampliar o rol de modalidades de seguro disponível para o empreendedor agropecuário buscando construir um arco de instrumentos de gerenciamento dos riscos que afetam a produção; V - gerar maior universalidade às operações de seguro aplicáveis à produção agropecuária enquanto mecanismo construtor da estabilidade de renda”. E estão reservados os recursos para uma nova inovação paulista na política de seguro rural em 2010, aproximando-se do padrão norte-americano. Foi editada a Lei nº 14.149, de 21 de junho de 2010, que cria a subvenção econômica para o prêmio do contrato de opção. Esse mecanismo funciona como um seguro de preços permitindo ao agropecuarista fazer a gestão do risco de preços inerente à sua atividade decorrente da variação estacional de preços que são altos na entressafra (plantio) e muitas vezes não remuneradores na colheita gerando instabilidade da renda agropecuária. Assim, mais uma vez pioneiro São Paulo lança os alicerces da moderna política para a agricultura brasileira.
Assim, o
Governo de São Paulo nega a lógica de retrocesso da política federal
para a agricultura no seguro rural que prefere o populismo da dívida
rural que “cabresteia” os agropecuaristas em infindáveis renegociações
como se quem produz a riqueza do Brasil necessitasse ficar esmolando o
que lhe é direito. Ao mesmo tempo nega a busca de estabilidade de renda
no campo com o aprimoramento das políticas para a agricultura nacional.
Trata-se de avanço fundamental dos instrumentos de políticas para
agricultura. Isso para que seja o espelho da alma bandeirante típica dos
brasileiros que vivem
José Sidnei
Gonçalves é
Engenheiro Agrônomo, Doutor
Dados para citação bibliográfica(ABNT): GONÇALVES, J.S. Seguro rural: São Paulo avança na contramão do retrocesso na política federal. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_4/SeguroRural/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 16/11/2010 |