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RECONHECIDO PELO SEU MÉRITO1

Celso Luis Rodrigues Vegro

A imprensa especializada em café noticiou o interesse dos administradores da Bolsa de Nova Iorque em aceitar a origem brasileira para as entregas dos Contratos C negociados por aquela praça. Como já é de amplo conhecimento, saudei essa notícia como a mais relevante para a corrente safra brasileira. Ademais, procurei suscitar as lideranças do agronegócio café em se empenhar por constituir imediatamente lobby, para junto à bolsa, fornecer as informações e estudos necessários e, paralelamente, se interpor a qualquer espécie de oposição que a iniciativa possa reunir (ao menos vigiar os passos dos “hermanos” colombianos).

Há cerca de sete anos, por iniciativa dos exportadores brasileiros, houve grande esforço articulado visando o aceite do registro de café lavado brasileiro nas entregas nova-iorquinas. Apesar do sério e competente trabalho desenvolvido, não se obteve o esperado êxito, pois os lobbies colombianos e centro-americanos pressionaram a estrutura legislativa estadunidense que, por sua vez, atuou junto aos administradores da bolsa de Nova Iorque no sentido de descartar essa possibilidade. O mais desalentador foi serem ouvidos comentários oficiosos de que houve pressão contrária partindo inclusive de interesses brasileiros, temerosos da perda de liquidez para as transações lastreadas no contrato futuro de natural.

Então, como explicar que transcorrido todo esse tempo o embaraçoso assunto volte à cena, mais ainda, liderado pelas autoridades da bolsa estadunidense. Para entender esse fato se faz necessário elencar outras dinâmicas que influenciaram e continuam influenciando essa abertura ao produto brasileiro. São quatro os principais fenômenos que agora legitimam e concedem suporte para a iniciativa estadunidense: 1) início e consolidação dos concursos de qualidade da illycafè; b) desenvolvimento tecnológico do cereja descascado(CD) por parte da Pinhalense S/A Máquinas Agrícolas (depois copiado por outras metalúrgicas); c) êxito do ingresso da Starbucks no mercado de casas de café dos grandes centros urbanos brasileiros e d) necessidade de proteção a riscos de preço daquela que é a mais volátil das commodities transacionada em bolsa de valores.

Em 1990, chega ao Brasil o saudoso Dr. Ernesto Illy para implantar uma nova idéia, criar um concurso de qualidade do café nos padrões de excelência habituais para a torrefadora triestina. Com o transcorrer dos certames a disputa ganhou notoriedade, conferindo reputação para regiões desvalorizadas pelo tradicionalíssimo comércio de café. Norte do Paraná; região de Piraju/SP; Zona da Mata mineira; planalto de Vitória da Conquista/BA, foram alguns dos cinturões produtores, que após a conquista do lugar mais elevado da premiação, lançaram-se organizadamente no esforço de maior melhoria da qualidade com vistas a consolidar a reputação de seu café que, pelo prêmio conquistado, foi imensamente alçada. Dentro de pouco tempo todos os cinturões produtores criaram seus certames regionais, estaduais e nacional, esse último encabeçado pela Associação Brasileira da Indústria do Café (ABIC). A mobilização pela qualidade mudou o padrão de bebida do café brasileiro que segue melhorando por meio da introdução de rotinas básicas como: separar os tipos em lavador, revolver mais vezes o café em terreiro mantendo camadas finas e controlar a temperatura do secador, entre outras ações de capacitação implementadas.

A melhoria da qualidade do café brasileiro é uma realidade que o mundo passou a reconhecer e mais, pretende pagar por isso! Caso vingue o aceite da origem brasileira em Nova Iorque, o incremento dos preços recebidos pelos cafeicultores pode alcançar entre R$40,00/sc a R$ 50,00/sc, para o café classificado dentro desse critério.

Quase que de forma concomitante ao surgimento do prêmio da illy, a Pinhalense lançava seu equipamento descascador. Por meio dele, se tornou possível separar cerejas dos frutos verdes e prepará-los, buscando a melhor qualidade que o tipo pode oferecer. A tecnologia de descascamento de café permitiu que os cafeicultores, mesmo situados em zonas não propícias à produção de qualidade de bebida e mantendo a colheita por derriça, pudessem produzir cafés de padrão gourmet. A penetração da tecnologia, aliada à crescente aceitação comercial dos grãos assim preparados, foi por mim, chamada da segunda maravilha do engenho brasileiro2. A progressão das vendas dos descascadores e o conseqüente aumento da oferta de CD já soma quantidade bastante expressiva, grosseiramente estimada entre 3 a 4 milhões de sacas.

A entrada da Starbucks no mercado brasileiro somente ocorre após a companhia se tornar um caso de imenso sucesso no mundo empresarial. Seu exponencial crescimento fez surgirem cenários em que, brevemente, estaria a rivalizar no ranking das marcas mais preciosas como a Microsoft ou outra firma de igual renome. Sua presença física no maior país produtor de café possibilitou que travasse contato com os padrões de qualidade de café que já se encontravam com relativa facilidade dentro das distintas regiões produtoras, especialmente, o CD. Informações extraoficiais sinalizam que o volume de CD adquirido pela companhia gira em torno das centenas de milhares de sacas. A Starbucks, recém entrante no mercado brasileiro, constitui apenas um das dezenas de exemplo de outros importadores (traders e torrefadores), que da mesma forma, descobriram a qualidade CD, que se tornou ainda mais cobiçada devido à escassez conjuntural do tipo lavado colombiano e centro americano. Ademais, não passou despercebida sua capacidade intrínseca em simplificar a formação das ligas voltadas para o espresso.

Maior quantidade de café de qualidade brasileiro negociado para além fronteiras, envolve, necessariamente, maiores riscos de preços. Sabidamente, o café é a commodity de maior volatilidade nas bolsas (embora nos últimos cinco anos tal amplitude de oscilação tenha-se arrefecido). Os importadores precisam se proteger dessas oscilações nas cotações, sendo a aquisição de posições em Nova Iorque a forma mais usual de transferir esse risco. Pois bem, sem a possibilidade de certificar café despolpado brasileiro (que junta tanto lavado como o descascado), os importadores assumem isoladamente imensos riscos durante a condução das transações. Portanto, a bolsa nova-iorquina não passará a certificar a origem brasileira por ter feito sua autocrítica e constatado um equivoco quando primeiro se tentou levar adiante o assunto. Passará a aceitar o produto brasileiro porque os importadores necessitam de hedge para cobrir suas posições no físico, garantindo a rentabilidade da operação comercial/industrial. Starbucks, traders, torrefadores e solubilizadores precisam de proteção e a bolsa precisa deles para aumentar a liquidez de seu contrato. Desse modo, a decisão não pode ser outra que não a de certificar a origem brasileira.

Como os agentes mencionados atuam no segmento, ou seja, necessitam da matéria prima para sua atividade, o contrato C sem entrega de café brasileiro não lhes confere apropriada segurança de preço. A crescente demanda pelo produto nacional se posiciona em um mercado cuja trajetória aponta para maior escassez, ou seja, nossa oferta cresce, abastece o mercado e a referência para o preço se forma sobre um produto crescentemente escasso. O aceite da origem brasileira mitigaria esse fato precificando melhor a posição comprada no físico dos importadores.

O assunto possui ainda outras nuanças como: expertise comercial do exportador brasileiro; diminuição da margem para tentativa de ganho na arbitragem NY versus SP; possibilidade da BM&F-Bovespa assumir parceria no credenciamento de produto certificado, entre outros, mas que aqui não levarei adiante. Para concluir, retomo o início do artigo quando lembramos a iniciativa do Dr. Ernesto Illy ao implementar o concurso de qualidade de café no Brasil. Não há quem deixe de perceber nesse pioneirismo a verdadeira mania que se transformou o empenho pela qualidade nos mais diferentes rincões em que se produz café nesse País. Não foram os mais de 180 anos de história comercial de café no Brasil que impuseram o assunto qualidade na pauta do negócio, mas o olhar visionário do itálico mestre. No caso em tela, se repete a mesma história, estrangeiros a oferecer soluções significantes para os constrangimentos que tolhem o desenvolvimento do agronegócio café brasileiro. Parece que padecemos todos da síndrome de vira-latas, como sagazmente definiu o caráter do povo brasileiro o insubstituível Nelson Rodrigues. Cafeicultores, o mérito é todo de vocês, saúdem-se com retumbantes vivas!!! Vira-latas; isso é para os outros, ou não é?

1 O autor agradece os comentários e sugestões efetuados pelo exportador Eduardo Carvalhaes.

2 A primeira foi o ressurgimento comercial do Bourbon Amarelo.


Celso Luis Rodrigues Vegro é Engenheiro Agrônomo pela Escola Superior de Agricultura "Luíz de Queiróz" - USP/Piracicaba com especialização em Sistemas Agrários pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Concluiu mestrado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (1992). Atualmente, atua como Pesquisador Científico nivel VI do Instituto de Economia Agrícola da Agência Paulista de Tecnologia para os Agronegócios da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo. Dentre as diversas áreas de estudo, concentram-se de trabalhos em temas ligados à coordenação de cadeias agroindustriais, inovação tecnológica e tendências do mercado de alimentos e bebidas, especialmente, do café.
Contato: celvegro@iea.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

VEGRO, C.L.R.  Reconhecido pelo mérito. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_3/merito/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 13/07/2010