Sistemas de produção de milho safrinha em Mato Grosso do Sul - 2009

Gessi Ceccon
Eduardo Martins Rocha

1. Introdução

A economia de Mato Grosso do Sul (MS) sustentou-se através da extração da erva-mate e a criação de gado até a década de 1960, quando surgiu a primeira estrada asfaltada, ligando o Sul do Estado a São Paulo. Nesse período, foram cultivados os primeiros campos de soja na região de Maracaju, que só evoluíram com a introdução dos primeiros tratores, o cultivo de soja e recuperação de pastagens degradadas (Guimarães, 1999). O aproveitamento da infra-estrutura, ociosa no outono-inverno, introduziu o trigo no cultivo após a soja (Tomasini, 1982).

Mato Grosso do Sul localiza-se entre as latitudes 17º35’ e 23º58’ Sul e as longitudes 51º03’ e 57º53’ Oeste, com altitude média de 368 m; possui instabilidade climática no outono-inverno (Lazzarotto, 2002) e o modelo agrícola predominante contém a soja no verão como principal cultura econômica. Estes são alguns dos fatores que interferem na área de milho safrinha, no entanto a área cultivada tem evoluído nos últimos anos (Figura 1), principalmente pela grande oferta de tecnologias e estrutura dos agricultores para o cultivo da sucessão soja-milho safrinha. 

Figura 1. Área colhida das principais culturas no outono-inverno em Mato Grosso do Sul.
Fonte: Levantamento...,
(1987 a 2009).

            Na década de 1980, com a retirada dos incentivos fiscais para a cultura do trigo, os agricultores iniciaram o cultivo do milho no outono-inverno. Sua evolução foi significativa, tanto em área colhida quanto em produtividade, iniciando com 125 ha em 1987 e atingindo 771.717 ha, em 2007. A produtividade média foi de 1.200 kg ha-1 em 1987 e atingiu 4.080 kg ha-1 em 2003 (Levantamento..., 2009).

Em MS, na safra verão de 2009, a soja foi cultivada em 1.708.723 ha e o milho em 82.519 ha. No outono-inverno, foram cultivados 43.294 ha com trigo, 94.491 ha com sorgo granífero e 753.855 ha com milho. Neste sentido, as culturas econômicas cultivadas no outono-inverno ocuparam apenas 49,77% da área cultivada com soja e milho no verão.  Considerando a área cultivada no outono-inverno, o milho safrinha ocupou 84,5% da área, com rendimento de grãos de apenas 2.332 kg ha-1 (Levantamento..., 2009). Estima-se que as demais lavouras tenham sido cultivadas com aveia, braquiária, nabo ou permaneceram em pousio. O maior percentual de área cultivada no outono-inverno, em relação à área de soja e milho no verão, foi de 51 %, em 2003 (Levantamento..., 2009). A sucessão de culturas com soja no verão e, milho safrinha, no outono-inverno, é predominante. Essa sucessão é interrompida em pequenas áreas, por alguns agricultores mais tecnificados.

O principal sistema de produção de palha e grãos na safrinha é o consórcio de milho com B. ruziziensis, predominando a implantação da braquiária na entrelinha do milho, em espaçamento de 0,80 m a 0,90 m entre linhas ou distribuída a lanço e o milho semeado a 0,45 m e 0, 50 m entre linhas (Ceccon, 2007).

O milho safrinha é cultivado em pequenas, médias e grandes propriedades, onde o nível de investimento (adubação, tratamento de sementes, controle de plantas daninhas e pragas) varia com o nível de adoção de tecnologias do agricultor e com a época de semeadura, sendo maior nas semeaduras precoces, por agricultores com maior poder aquisitivo. Os insumos constituem a maior parte do custo de produção, responsáveis pelo aumento no custo total (Richetti; Ceccon, 2009).

            Em levantamento realizado por Richetti & Ceccon (2009), com profissionais da assistência técnica, visando estimar o custo de produção das principais culturas, fornece subsídios para avaliar o nível de tecnologia adotado pelos agricultores. Para melhor entender essas tecnologias, e elaborar este trabalho também foram realizadas avaliações em lavouras de agricultores das principais regiões produtoras de milho safrinha.

Foram avaliadas 27 lavouras, no período de julho a setembro de 2009, nos municípios de Mundo Novo, Aral Moreira, Naviraí, Ponta Porã, Dourados, Maracaju, Bonito, Sidrolândia e São Gabriel do Oeste. A consulta aos técnicos possibilitou a identificação dos sistemas e épocas de implantação, os principais híbridos de milho e seu destino. Em cada lavoura, foram marcadas duas linhas de cinco metros em três repetições, e anotado o número de plantas com espigas, o espaçamento entre linhas, a porcentagem de solo coberto com palha através de nota visual de 0 a 100%, e identificado as principais espécies de plantas infestantes. Foram coletadas cinco espigas, representativas da lavoura, trilhadas em laboratório para quantificar o rendimento de grãos. 

2. Implantação da lavoura

A implantação da lavoura de milho safrinha é realizada, em sua maioria, em semeadura direta, sem revolvimento do solo, visto que essa cultura contribuiu expressivamente para a evolução do sistema plantio direto, em Mato Grosso do Sul. No entanto, em função da presença de plantas invasoras após a colheita do milho safrinha, muitos agricultores retornam com o preparo mecânico do solo, com grades, para implantação da soja no verão.

O milho safrinha é semeado imediatamente após a colheita da soja, de fevereiro a meados de março, com a finalidade de diminuir os riscos de perdas de rendimento pela falta de chuvas durante o ciclo da cultura (em 2009, o mês de abril caracterizou-se pela ausência de chuvas em vários municípios de MS) e as baixas temperaturas que ocorrem em junho e julho. Alguns agricultores realizam a dessecação da soja para antecipação da colheita, mediante a aplicação de 1,0 a 1,5 L ha-1 de paraquat, entre outros produtos.

Em 2009, alguns agricultores semearam o milho safrinha durante todo o mês de março, devido ao atraso na colheita da soja, e por terem as sementes de milho à disposição na propriedade. A semeadura tardia deve-se também à falta de estrutura que disponibilize sementes de espécies alternativas mais indicadas para cultivo nos meses de abril e maio, tais como o trigo e aveia branca. Devido ao planejamento inadequado, tanto do agricultor, quanto dos produtores de sementes e, também em função de mercado, a área com culturas alternativas não evolui em MS, sem conhecimento exato de sua utilização durante o outono-inverno.

Historicamente a maioria dos agricultores utilizam em suas lavouras, mais de um híbrido por safra, com predominância de híbridos simples, e em solos mais argilosos. No entanto, no diagnóstico realizado em 2009, os cinco híbridos mais utilizados são oriundos de duas empresas e responsáveis por 55% da área cultivada, na região avaliada. Neste mesmo sentido, 14 híbridos produzidos por cinco empresas são cultivados em 91% das lavouras. Nas semeaduras de fevereiro e março, há preferência pelos híbridos de ciclo precoce e super precoce. Os híbridos duplos são utilizados em regiões de solos mais arenosos e, em alguns casos nas semeaduras tardias, sendo a escolha do híbrido é bastante influenciada pela empresa comercial representante. Ressalta-se que três híbridos duplos foram semeados em 27% das lavouras. Porém, ainda existem algumas lavouras sendo cultivadas com sementes de menor potencial produtivo, comumente chamadas de “milho de galpão”.

Durante a avaliação das lavouras de milho safrinha em MS, verificou-se que 25,9% das lavouras estavam com espaçamento entre linhas de 0,45 e 0,50 m; 25,9% entre 0,70 e 0,75 m e, 48,2% entre 0,80 e 0,90 m.

A população de plantas mais utilizada está entre 34 e 58 mil plantas ha-1, com maiores populações nos menores espaçamentos entre linhas. A estiagem prolongada ocorrida entre os meses de março e abril foi um dos principais motivadores da redução da população de plantas de milho safrinha em 2009.

O espaçamento de 0,45 m é utilizado por agricultores que possuem plataforma específica na colhedora. A justificativa dos agricultores para redução de espaçamento é atribuída ao maior aproveitamento do adubo, principalmente quando se aplica doses maiores deste insumo, e pelo controle mais eficiente de plantas daninhas.

As sementes de milho safrinha semeadas em fevereiro e março recebem tratamento químico, na maioria das vezes com thiametoxan, imidacloprid ou thiodicarb, nas doses indicadas pelos assistentes técnicos ou representantes comerciais. 

3. Solos e Adubação

O milho safrinha predomina em solos com elevados teores de argila. No entanto, a cultura tem evoluído e vem sendo cultivada também em solos com baixos teores de argila, como nos municípios de Naviraí e Iguatemi, ao Sul, e em Chapadão do Sul, localizado ao Nordeste do Estado.

Com algumas exceção, as adubações são realizadas exclusivamente na semeadura, com doses entre 100 a 300 kg ha-1 das fórmulas 8-20-20, 10-20-20, 12-15-15, entre outras. As doses são utilizadas em função da análise do solo, da época de semeadura e também da capacidade financeira do agricultor. As menores doses são verificadas, principalmente, em pequenas propriedades, que possuem solos argilosos e de maior fertilidade natural. 

4.  Controle de Plantas Daninhas

A dessecação é realizada quando existem plantas daninhas remanescentes da soja, utilizando herbicida glyphosate, na dose de 1,5 a 2,5 L ha-1, por vezes aplicado antes da colheita da soja. Não obstante, é adicionado um inseticida para controle de insetos sobreviventes da soja, como os percevejos da parte aérea.

Durante as avaliações de lavouras de milho safrinha, as principais espécies de plantas daninhas encontradas foram: capim carrapinho (Cencrhus echinatus) em 44% das lavouras, picão preto (Bidens pilosa) e erva quente (Spermacoce latifolia) em 40% das lavouras, cerralha (Sonchus oleraceus), trapoeraba (Commelina sp), leitero (Euphorbia heterophylla), capim colchão (Digitaria spp.), corda de viola (Ipomoea purpurea), braquiária (Brachiaria decumbens e B. plantaginea) e soja (Glycine max) com presença entre 22 a 29% das lavouras, e outras espécies de menor importância.

O controle das plantas daninhas é realizado mediante a aplicação de atrazine, na dose de 2,0 a 3,0  L ha-1. O herbicida 2,4-D ainda é utilizado na dose de 0,2 a 0,4 L ha-1. Em algumas situações específicas, é utilizado o herbicida nicosulfuron na dose de 8 a 16 g ha-1, sendo que nas lavouras de menor investimento, o controle de plantas daninhas nem sempre é realizado, o que facilita a multiplicação dessas plantas.

A cobertura do solo, que poderia ser uma opção para diminuir a germinação de sementes de plantas daninhas, praticamente não existe, tendo sido observado cobertura média de 31,6 %. Em 18,5 % das lavouras avaliadas havia B. ruziziensis em consórcio, o que poderá proporcionar maior cobertura do solo para as próximas culturas. 

5.  Controle de Pragas e Doenças

A lagarta-do-cartucho (Spodoptera frugiperda) e os percevejos da soja (Dichelops furcatus, D. melacanthus e Nezara viridula) são os principais insetos causadores de danos na cultura do milho safrinha em MS. Mesmo assim, outras espécies atacam a cultura e promovem danos significativos se as providências de controle não forem tomadas em tempo.

O percevejo castanho (Scaptocoris castanea), o coró-do-milho (Liogenys sp) e a larva alfinete (Diabrótica speciosa), são as principais pragas que vivem no solo e se alimentam das raízes do milho. O controle é realizado mediante o tratamento de sementes com inseticidas. Este último é eficiente também no controle de lagarta do cartucho (Spodoptera frugiperda), que juntamente com o percevejo barriga-verde (Dichelops furcatus), são as principais pragas da parte aérea do milho safrinha. O controle é realizado com duas ou três aplicações de inseticidas, utilizando um ou dois produtos, normalmente alternando os princípios ativos, entre eles, os mais utilizados: piretróides, organofosforados e carbamatos, nas doses indicadas pelo fabricante.

Quanto às doenças, destacam-se a mancha de phaeosphaeria (Phaeosphaeria maydis), a cercosporiose (Cercospora zeae-maydis), a ferrugem Polissora (Puccinia polysora), a ferrugem comum (Puccinia sorghi) a helmintosporiose (Exserohilum turcicum) e a podridão do colmo (Diplodia maydis), entre outras.

A indicação de cultivares específicas tem sido a principal estratégia de controle, visto que o milho é cultivado em sucessão com a soja. As empresas comercializadoras de sementes, que também prestam assistência técnica, têm interesse em divulgar os seus melhores genótipos. De acordo com depoimentos de técnicos, alguns agricultores tem realizado a aplicação de fungicidas via foliar, principalmente por desafio e pressão comercial, porém com apenas alguns resultados econômicos significativos. 

6.  Colheita e Comercialização

Considerando que no outono-inverno a perda de umidade dos grãos é lenta, dificultando as condições de colheita, esse fator pode favorecer a quebra de colmos e tombamento de espigas. Isso interfere na produtividade e na qualidade da lavoura, trazendo maiores dificuldades para os agricultores que contratam a colheita com terceiros.

Os pequenos agricultores vendem o milho logo após a colheita, porém os grandes proprietários armazenam à espera de melhores preços, chegando a sobrepor uma safra sobre outra. A venda é realizada, na maioria das vezes, para fábricas de ração e criadores de aves e suínos do estado e parte é vendida para estados do Sul e Sudeste do Brasil.

Em 2009, o custo total médio estimado foi de R$ 1.140,00 (Richetti; Ceccon, 2009). Na hipótese de que o produto seja vendido ao preço de R$13,00 sc-1, seria necessário colher 5.261 kg ha-1 para o agricultor pagar o custo de produção. Nas 27 lavouras avaliadas, verificou-se rendimento médio de 3.679 kg ha-1. Com esses valores, há um déficit de 1.582 kg ha-1, e se o agricultor não obtiver maiores preços para venda, há de encontrar outras fontes para quitar seus compromissos com os financiadores. 

7. Perspectivas de Cultivo de Milho Safrinha para 2010

O cultivo de milho safrinha em MS necessita ser planejado em longo prazo, com as culturas de verão e de outono-inverno, visando adequar sistemas de rotação com espécies para semeadura em abril e maio, como sorgo, trigo e aveia.

O consórcio com braquiária para produção de palha, precisa ser oficializado e constitui-se numa tecnologia que proporciona condições para a cultura produzir mesmo em condições de moderada adversidade.

8. Referências

CECCON, G. Cerrado: Estado da arte na produção de palha com milho safrinha em consórcio com Brachiaria. Revista Plantio Direto, Passo Fundo, ano 17, n. 102, p. 3-7; nov./dez. 2007.

GUIMARÃES, A. V. Mato Grosso do Sul, sua evolução histórica. Campo Grande, MS: UCDB, 1999. 283 p.

LAZZAROTTO, C. Época de semeadura e riscos climáticos para o milho da safra outono-inverno, no Sul de Mato Grosso do Sul. Dourados: Embrapa Agropecuária Oeste, 2002. 4 p. (Embrapa Agropecuária Oeste. Comunicado técnico, 70).

LEVANTAMENTO Sistemático da Produção Agrícola. Campo Grande, MS: IBGE, Unidade Estadual, MS, 1987-2009.

RICHETTI, A.; CECCON, G. Estimativa do custo de produção do milho safrinha para 2009, para Mato Grosso do Sul e Mato Grosso. Dourados: Embrapa Agropecuária Oeste, 2007. 12 p. (Embrapa Agropecuária Oeste. Comunicado técnico, 153).

TOMASINI, R. G. A. Evolução histórica e aspectos econômicos. In: OSÓRIO, E. A. (Coord.). Trigo no Brasil. Campinas: Fundação Cargill, 1982. v. 1 p.1-26.


Gessi Ceccon  é Engenheiro Agrônomo, pesquisador, Embrapa Agropecuária Oeste, BR 163, km 253, Caixa postal 661, CEP 79.804-970, Dourados, MS.

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Eduardo Martins Rocha é Engenheiro Agrônomo, Agroeste Sementes SA. Rua Hayel Bon Faker, 2.073 Jardim São Pedro.

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Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CECCON, G.;ROCHA, E.M. Sistemas de produção de milho safrinha em Mato Grosso do Sul - 2009. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/SisSafrinha/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 05/04/2010