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Mosaico da roseira

Maria Amélia Vaz Alexandre
Ligia Maria Lembo Duarte

A rosa (Rosa sp., Rosaceae) na sua forma selvagem existe há 35 milhões de anos, de acordo com a datação de fósseis encontrados no Extremo Oriente, Europa e EUA, e os primeiros exemplares parecem ter sido cultivados nos jardins da China, há 5.000 anos. Na antiguidade, os romanos aprenderam com os gregos a admirar as flores que eram plantadas principalmente em mosteiros, na Idade Média. A rosa passou a ser a flor preferida do Império Romano, a tal ponto que Roma passou a produzir e consumir flores, principalmente rosas importadas do Egito. Com a grande demanda, o preço começou a se elevar e passou a ser um produto altamente rentável. Assim, os lavradores substituíram o cultivo do trigo pelo das rosas, o que provocou sérios problemas econômicos. Muitas espécies foram perdidas durante a queda do Império Romano e a invasão da Europa pelos muçulmanos. Após a conquista da Pérsia, no século VII, os muçulmanos desenvolveram gosto pelas rosas e, na medida em que o Império se expandiu da Índia à Espanha, muitas variedades foram novamente introduzidas na Europa (“old roses”) e, posteriormente, nas diversas regiões do mundo (“modern roses”). Atualmente, existem cerca de 30.000 variedades de rosas com as mais diversas formas e cores, resultantes de cruzamentos entre Rosa odorata, R. multiflora, R. pensilla, R. semperflorens, R. chinensis entre outras.

Fig.1: Mosaico da roseira em produção comercial.

As rosáceas e as rosas em particular são suscetíveis a diversas pragas (pulgões, cochonilhas, cigarrinhas, coleópteros, formigas, etc.) e patógenos como fungos, bactérias e vírus, que podem causar danos diretos ou indiretos à cultura. Dentre os vírus, a principal doença é conhecida como “mosaico da roseira”.

A primeira referência a essa doença, no Brasil, foi relatada em 1937 pelo Dr. Kramer, pesquisador do Instituto Biológico, que observou no então campo experimental do Horto Florestal (Cantareira, SP), manchas cloróticas em folhas de roseira da variedade Príncipe Negro. Sintomas semelhantes foram observados em diversas plantações comerciais e particulares de rosas em São Paulo, Cotia, Piracicaba, Tatuí, Campinas (SP) e em Petrópolis (RJ) e, como não foi constatada a presença de fungos, bactérias ou alterações produzidas por insetos, a doença passou a ser relacionada a vírus. De fato, experimentos realizados posteriormente comprovaram essa hipótese. O vírus em estudo não foi transmitido por inoculação mecânica, nem observada correlação entre plantas doentes e pulgões, sendo somente transmitido por enxertia (borbulhia ou garfagem). O pesquisador realizou diversos enxertos, verificando que cerca de 60 dias apareceram os primeiros sintomas e em 10 meses, 75% das plantas porta-enxerto estavam infectadas.

Fig.2: Desenhos cloróticos, manchas e anéis em folhas de roseira.

Atualmente, com o emprego de técnicas sorológicas e moleculares, a doença conhecida como mosaico da roseira é associada à pelo menos um de três vírus: Prunus necrotic ringspot virus (PNRSV), Apple mosaic virus (ApMV) e Arabis mosaic virus (ArMV), que podem ocorrer isoladamente ou em infecções mistas. Diferentes cultivares de roseiras infectadas apresentam, além do sintoma de mosaico, anéis, desenhos cloróticos/necróticos e deformação foliar, bem como flores com quebra de coloração. Os sintomas variam de drásticos a imperceptíveis, de acordo com a variedade, época do ano e condições do solo. Além disso, roseiras infectadas são menos produtivas, apresentando diminuição do vigor e redução no número e tamanho das flores.

Fig.3: Sintomas associados ao PNRSV em folhas jovens, adultas e sépalas de roseiras.

Convém destacar que, no Brasil, ainda não havia sido detectada a ocorrência dos vírus associados à doença mosaico da roseira. Entretanto, em 2008/2009, pesquisadores do IB realizaram a identificação sorológica dos vírus presentes em roseiras, produzidas comercialmente ou não. Sessenta amostras, incluindo folhas plenamente desenvolvidas e jovens, sépalas, pétalas e frutos de 24 roseiras, foram submetidas ao DAS-ELISA com antissoros específicos contra o PNRSV, ApMV e ArMV. Somente o PNRSV foi detectado em 25% das plantas analisadas, principalmente em sépalas e pétalas, tanto em roseiras cultivadas em Atibaia (SP), como também nas cultivadas em diferentes áreas da Cidade de São Paulo. É importante ressaltar que, de modo geral, os resultados dos testes sorológicos foram negativos quando se analisaram folhas adultas com sintomas característicos, porém, o vírus pôde ser detectado a partir de pétalas e/ou sépalas da mesma planta, o que indica que a escolha da amostra é fundamental para a realização dos testes.

Fig. 4: Sintomas associados ao PNRSV em folhas de roseira.

O PNRSV é um vírus instável, com partículas isométricas (cerca de 23 nm de diâmetro), RNA de fita simples, genoma tripartido, classificado no subgrupo 3 do gênero Ilarvirus e causa grandes prejuízos à produção de frutíferas como ameixeira (Prunus domestica), cerejeira (P. avium), pessegueiro (P. persicae) e macieira (Malus domestica). Atualmente, com o intercâmbio de mudas, o vírus está disseminado em mais de 40 países da Europa, Ásia, África, América do Sul, América do Norte e Oceania. As principais hospedeiras são plantas lenhosas como Prunus e Rosa, embora já tenha sido relatada a ocorrência natural do PNRSV em ornamentais não lenhosas como Begonia e Lilium, entre outras.

A disseminação do vírus ocorre por propagação vegetativa, ou seja, estacas e gemas de roseiras infectadas produzirão plantas infectadas, mesmo que os sintomas não apareçam no primeiro ano. Há relatos mostrando que na natureza, a disseminação pode ser feita por meio de contato entre raízes de roseiras doentes e sadias. Considerando-se que a doença é sistêmica, as técnicas de termoterapia (exposição de estacas ao calor) e cultura de meristemas são onerosas e pouco eficientes, é fundamental a utilização de mudas certificadamente sadias.

Referências

Alexandre, M.A.V.; Rivas, E.B.; Duarte, L.M.L. Doenças virais. In: Imenes, S.L.; Alexandre, M.A.V. (Eds). Aspectos fitossanitários da roseira. Boletim. Técnico. Instituto. Biologico, São Paulo: Instituto Biológico, n.13, p.52-55, 2003 (2a edição).

Bjarnason, E.N.; Hanger, B.C.; Moran, J.R.; Cooper, J.A. Production of prunus necrotic ringspot virus free roses by heat treatment and tissue culture. New Zealand Journal Agricultural Research, New Zealand, v.28, p.151-156, 1985.

Fulton, R.W. Prunus necrotic ringspot virus. Commonwealth. Mycological Institute Descriptions of Plant Viruses. n.7, 1970.

An L.J.; Liu, W.H. Studies of Prunus necrotic ringspot virus (PNRSV) occurring on lily. Agricultural Sciences in China, Hong Kong, v.6, p.1201-1208, 2007.

Kramer, M. O mosaico da roseira. Revista de Agricultura, São Paulo, v. 15, n.7-8, p. 301-311, 1940.

Kramer, M. Os mosaicos da roseira no Estado de São Paulo. O Biologico, São Paulo, v.6, p.365-368, 1940.

Loebenstein, G. Rose. In: Loebenstein, G.; Lawson, R.H.; Brunt, A.A. Virus and virus-like diseases of bulb and flower crops. Chichester, John Wiley & Sons, 1995. p.426-437.

Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Maria Amélia Vaz Alexandre possui graduação em Ciências Biológicas, pela Universidade de São Paulo - USP (1977), Mestrado em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo USP (1988) e doutorado em Ciências Biológicas (Botânica) pela Universidade de São Paulo - USP (1997). Desde 2002, atua como Pesquisador Cientifico VI do Centro de P&D de Sanidade Vegetal do Instituto Biológico. Tem experiência na área de Fitovirologia, atuando principalmente nos seguintes temas: Diagnóstico; Caracterização biológica, serológica e molecular de vírus; controle de infecção viral com extratos vegetais. Tem 47 artigos científicos publicados, 5 Boletins Técnicos, 1 CD-Rom, 4 capítulos de livros publicados e 140 apresentações em Reuniões Científicas.

Contato: alexand@biologico.sp.gov.br

 

Ligia Maria Lembo Duarte é bióloga formada pela Unesp- Botucatu. Concluiu o mestrado em botânica pela Universidade de São Paulo em 1997 e o doutorado em ciências biológicas (botânica) em 2005 pela Universidade de São Paulo. É Pesquisador Cientifico, nível VI do Centro de P&D de Sanidade Vegetal do Instituto Biológico. Publicou 32 artigos em periódicos especializados e atualmente coordena 2 projetos de pesquisa, sendo as principais linhas relacionadas ao controle alternativo de fitoviroses e efeito da infecção induzida por fitovírus no teor de princípios ativos de plantas medicinais. Atua também, na linha de pesquisa relacionada a identificação e caracterização de vírus em espécies de ornamentais.

Contato: duarte@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

ALEXANDRE, M.A.V.; DUARTE, L.M.L.  Mosaico da roseira. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/MosaicoRoseira/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 18/04/2010