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BIOGÁS DA AGROSUINOCULTURA: ALTERNATIVA ENERGÉTICA NA BORDA DO PANTANAL

Por: *Ivan Bergier,

Karla Fabiana Rodrigues de Oliveira,

João Antonio Rodrigues de Almeida,

Alex Marcel Melotto,

Emiko Kawakami de Resende. 

O Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico Brasileiro para o período 2008-2017 prevê a construção de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) com potência igual ou inferior a 10 MW. De acordo com despachos da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), publicados no Diário Oficial da União (DOU) em 10 de março de 2010, a data limite para a formulação dos Projetos Básicos das PCHs de Calcutá, Lagoa Alta, Maringá e Ponte Vermelha na Bacia do Alto Taquari (BAT) foi prorrogada para 23 de agosto de 2010. Essas quatro PCHs têm o potencial programado de gerar conjuntamente 18,5 MW de potência.

As PCHs são fonte de energia renovável, porém seus efeitos locais e regionais podem interferir negativamente em processos ecológicos a jusante e montante dos empreendimentos. Em específico a BAT, a preocupação recai sobre a resiliência ou a capacidade do Pantanal em manter sua integridade funcional e estrutural face às mudanças no regime de descarga de água e sólidos dissolvidos e em suspensão do planalto para a planície pantaneira. A ocupação e o uso desordenado da terra na parte alta da BAT, aliados ao aumento na precipitação em toda a Bacia do Prata desde meados da década de 1970, repercute ainda nos dias de hoje nas atividades produtivas da planície. O rio Taquari vem drenando parte não desprezível de suas águas e sedimentos na sub-região do Paiaguás, tornando inviável a pecuária de corte em boa parte daquela região. De outro lado, ações integradas de recuperação de áreas degradadas e de manejo agropecuário no planalto têm sido adotadas com resultados muito positivos, especialmente nos municípios de São Gabriel do Oeste e Coxim no Mato Grosso do Sul. Tais ações indicam que há meios para mitigar impactos das atividades no planalto sobre a planície pantaneira.

No caso das PCHs, as alternativas de mitigação de impactos seriam, em termos gerais: 1) a regularização das águas turbinadas e vertidas pela barragem, de modo a “mimetizar” as condições de vazão natural, sem prejuízo à geração de energia; 2) a construção de facilidades para a migração de peixes de piracema; e 3) a substituição da fonte de geração de energia renovável. Estudos recentes realizados para o Aproveitamento Múltiplo de Manso (APM Manso), na Chapada dos Guimarães, aproximadamente 90 km ao norte de Cuiabá-MT, indicam que a regularização da vazão é uma estratégia que pode ser adotada com sucesso em relação à manutenção do ciclo anual de cheia na planície. Com relação às facilidades de transposição de peixes, especialmente as “escadas” para peixes, experiências na Bacia do Paraná mostram que são pouco eficazes. O mesmo ocorre para os programas de reintrodução de alevinos de espécies afetadas, usualmente as de maior valor comercial. O “peixamento” de represas com alevinos não surte efeito e tem se argumentado que a melhor maneira de reduzir os impactos sobre tais populações de peixes migradores é por meio da recuperação e conservação das cabeceiras dos rios, que seriam áreas remanescentes de berçários de alevinos. Portanto, particularmente do ponto de vista da ictiofauna, sempre que possível, a substituição da fonte de energia de PCHs por outra é recomendável na borda do Pantanal. Aliado a isso é preciso uma percepção regional para verificar e identificar as fontes renováveis de geração de energia disponíveis e incentivar o desenvolvimento de sua vocação energética.

A título de exemplo, no município de São Gabriel do Oeste, a 130 km ao norte de Campo Grande, desenvolve-se o que vem se convencionando por “Agrosuinocultura”, em estudos da Embrapa Pantanal, do Ministério da Ciência e Tecnologia e do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (Produção Integrada de Sistemas Agropecuários). Tal atividade integra cadeias produtivas outrora dissociadas, de modo a otimizar os balanços de água, nutrientes e energia e socioeconômicos. Boa parte da água utilizada pode ser de chuva armazenada. Os nutrientes processados pelos biodigestores da suinocultura são reaproveitados em sistemas silvopastoris ou agroflorestais (fechamento do ciclo de nutrientes e aumento de produtividade) e a mitigação da emissão do gás de efeito estufa, especialmente de metano produzido nos biodigestores, oferece a oportunidade de geração de energia mecânica e elétrica. Existem no município de São Gabriel do Oeste aproximadamente 50 biodigestores em operação, os quais produzem em média 25 metros cúbicos de biogás por hora, que em conjunto fornecem uma excepcional quantidade de energia. Hoje o biogás é queimado quase que exclusivamente para a obtenção de créditos de carbono, embora possa e deva ter fins mais nobres, como a geração de energia elétrica renovável.

Com o advento de novas tecnologias de adaptação de motores diesel a biogás e de automação eletrônica, os produtores rurais cooperados, grandes ou pequenos, têm o potencial de suprir suas demandas energéticas (fertirrigação, iluminação, secadores, etc.), como já vem ocorrendo, bem como fornecer energia elétrica ao Sistema Elétrico Interligado Nacional através da Geração Distribuída (Decreto Federal 5.163/2004 e Resolução Normativa ANEEL 167/2005).

Caso existam investimentos do Setor Elétrico, com base na nova Instrução Normativa 390, publicada em 18 de dezembro de 2009 no DOU, que estabelece os requisitos necessários junto à ANEEL para a outorga de exploração de fontes alternativas de energia e registro de centrais geradoras com capacidade instalada reduzida, o biogás da agrosuinocultura pode substituir em certa medida as PCHs planejadas na BAT.

Integrando a produção atual de biogás em São Gabriel do Oeste, e assumindo uma taxa de eficiência energética de 2,8 a 6 m3 de biogás por quilowatt-hora (kWh) e uma média de 10% da energia para uso na própria propriedade, seria possível disponibilizar no Sistema Interligado Nacional entre 3 e 7 MW de potência, o equivalente a 17% e 36% da potência prevista para as quatro PCHs planejadas na BAT. Isso sem considerar tecnologias já existentes de purificação do biogás para aumentar seu poder calorífico, motores ainda mais eficientes e a perspectiva de expansão da terminação de suínos de 1.000 para 4.000 animais diários. Portanto, há que se considerar a vocação regional no planejamento energético nacional, eventualmente integrado à cadeia produtiva e à inclusão social, como no caso de São Gabriel do Oeste.


*Ivan Bergier (ivan@cpap.embrapa.br) e Emiko Kawakami de Resende (emiko@cpap.embrapa.br) são pesquisadores da Embrapa Pantanal, Karla Fabiana Rodrigues de Oliveira (fabianacooasgo@hotmail.com) é tecnóloga da Cooperativa Agropecuária de São Gabriel do Oeste, João Antonio Rodrigues de Almeida (tecnico.cooasgo@terra.com.br) é médico veterinário da Cooperativa Agropecuária de São Gabriel do Oeste, Alex Marcel Melotto (alexmelotto@hotmail.com) é biólogo do Sindicato Rural de São Gabriel do Oeste.



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

BERGIER,I.; OLIVEIRA, K.F.R. de; ALMEIDA, J.A.R. de; MELOTTO, A.M.; RESENDE, E.K. de  Biogás da agrosuinocultura: alternativa energética na borda do pantanal. 2010. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2010_2/biogas/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 02/06/2010