Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com DO CAMPO AO LABORATÓRIO: PROCEDIMENTOS BÁSICOS PARA UMA PESQUISA BEM SUCEDIDA
Inês Cordeiro
As floras e listagens florísticas
O Brasil possui uma das
mais ricas floras do planeta e certamente abriga alta percentagem
das mais de 250.000 espécies de plantas (Briófitas, Pteridófitas,
Gimnospermas e Angiospermas) já descritas pela ciência.
A diversidade vegetal
brasileira ainda está muito aquém de ser plenamente conhecida, mesmo
se considerarmos apenas o levantamento de suas espécies. O próprio
Estado de São Paulo, trilhado por Botânicos desde o século XIX e
contando com tradicionais centros de estudos de Botânica, ainda nos
surpreende com várias novas espécies, como podemos apreciar nos
volumes da Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo.
Floras ou mesmo as
aparentemente simples listagens florísticas, demandam num país de
alta biodiversidade como o nosso, anos de trabalho de campo e
laboratório.
Para um cálculo de quanto
tempo leva o estudo de uma flora, podemos tomar como exemplo os
trabalhos desenvolvidos pelo Instituto de Botânica, todos em áreas
de Floresta Atlântica: A do Parque Estadual das Fontes do Ipiranga,
onde localiza-se o Instituto, em São Paulo, desde a publicação do
primeiro conjunto de monografias feito em 1981 até o estudo da
família Asteraceae, a última monografia produzida em 2001, viu
transcorrerem 20 anos. A Flora Fanerogâmica da Ilha do Cardoso, no
Município de Cananéia, litoral sul de São Paulo, cujo primeiro
volume saiu em 1991, sendo que o último publicado, o de número 13 em
2008, ainda não encerrou a série, já toma cerca de 19 anos, apenas
considerando-se o tempo de publicação, sem incluir-se o período do
trabalho de campo. A Flora Fanerogâmica do Estado de São Paulo,
projeto que envolve várias instituições e foi iniciado em 1993, tem
publicados até o momento 5 volumes, o último datado de 2007, os
quais ainda não incluem metade das espécies do Estado e já
estende-se por 16 anos. Esses trabalhos de décadas que incluem o estudo de centenas de plantas eram à princípio financiados pela própria instituição. Atualmente os orçamentos do Estado e a própria exigência feita aos pesquisadores de maior produtividade em termos de publicações, têm desestimulado o seu desenvolvimento, mesmo que toda a comunidade Botânica, tanto nacional como internacional, saiba perfeitamente que eles são fundamentais para o conhecimento da biodiversidade.
Os Botânicos e a bioprospecção
Assim, por falta de
recursos orçamentários institucionais e sofrendo pressão das
agências de fomento, mesmo com o risco de abandonar amplas áreas
ainda desconhecidas sob o ponto de vista florístico, – Não existem
sequer listagens completas sobre a flora de cada uma das unidades de
conservação do Estado de São Paulo – alguns pesquisadores têm se
dedicado a apoiar linhas de pesquisa aplicada, sendo uma delas a
Bioprospecção.
O florescimento da
biopropecção deve-se, primordialmente ao desenvolvimento de uma
série de ensaios relativamente simples, que permitem testar a
bioatividade de extratos vegetais. Assim, de maneira bastante rápida
é possível verificar-se o potencial de espécies vegetais como
antifúngicas, antitumorais, antioxidantes e até como possíveis
componentes de drogas futuras para o tratamento do “Mal de
Alzheimer”.
À relativa facilidade de
desenvolvimento desses testes, opõe-se, entretanto, a dificuldade de
obter-se os extratos vegetais em quantidades suficientes e com
identificação confiável. Dando-se conta desse impasse, equipes de
Farmacologistas, Bioquímicos e Químicos passaram a relacionar-se
mais intensivamente com os Botânicos.
Grandes projetos de
Bioprospecção encontram-se em desenvolvimento no Estado de São
Paulo, a grande maioria deles com patrocínio da FAPESP. Ao montarem suas equipes, esses grupos tiveram de recorrer a núcleos tradicionais de Botânica Taxonômica, que já conheciam suficientemente a flora de determinadas áreas e poderiam dar suporte nas fases de obtenção e identificação das espécies, ou seja, que haviam utilizado muito do tempo de suas carreiras no conhecimento da biodiversidade.
A metodologia no campo e laboratório
O trabalho de campo em projetos de biopropecção é, à princípio, muito semelhante ao desenvovido em levantamentos florísticos e fitossociológicos, ou seja, são necessários botânicos taxonomistas experientes, ou no caso de áreas já demarcadas para estudos fitossociológicos, com indivíduos plaqueados, pessoal treinado para coletar material necessário para os extratos e testemunho para as identificações.
Identificação dos extratos x Identificação das coleções testemunho
De maneira geral as folhas
e ramos são submetidos à secagem ao ar livre ou em estufas em baixa
temperatura, não mais de 40°C, sendo posteriormente moídos para a
obtenção dos extratos. Daí os procedimentos variam conforme a
atividade a ser testada. Quando uma determinada atividade é
encontrada em um extrato, passa-se à fase seguinte de fracionamento
do mesmo que culminará com a purificação da substância responsável
pela atividade e análise da composição de sua molécula.
A identificação botânica
parte, na maneira usual, do nível de família e gênero, para os quais
de maneira geral existem chaves disponíveis. Para a identificação em
nível específico é necessária uma bibliografia bem mais
especializada, bem como um bom acervo de suporte e por vezes o
auxílio de botânicos especialistas em famílias ou gêneros. O
processo de identificação demanda um tempo variável, muitas vezes em
uma hora várias coleções podem ser determinadas, porém, dependendo
das dificuldades inerentes a uma família ou gênero, um dia não é o
suficiente para a determinação de um único exemplar. Sem mencionar
os problemas taxonômicos que por vezes depara-se o Botânico, sejam
eles nomenclaturais ou mesmo de circunscrição de um táxon. Além da identificação, o herbário é responsável pela manutenção dessas coleções, o que significa que as mesmas passarão a fazer parte do acervo, devendo ser devidamente manejadas.
Considerando os resultados obtidos
Atualmente, depois dos
problemas metodológicos iniciais, acredito que conseguimos
estabelecer algumas regras básicas para as coletas de bioprospecção,
mas é claro que ainda nos deparamos com materiais testemunho
estéreis, pessimamente herborizados e que, apesar disso, ainda
necessitam ser depositados no Herbário, além é claro, de muito
despreparo em procedimentos básicos de coleta. Para que os Herbários sejam mantidos como bancos de dados confiáveis para a identificação das plantas, tanto em projetos aplicados, como em projetos de ciência básica, há necessidade de injeção permanente de verba, não apenas para informatização como muitos pensam, mas principalmente para pagamento de correio, bibliografia especializada, manutenção do acervo e custeio de visitas de especialistas, que algumas poucas instituições brasileiras têm introduzido em seus orçamentos.
Origem: Palestra proferida na IX Jornada Paulista de Plantas Medicinais, realizada de 22 a 24 de setembro de 2009, no Instituto de Botânica, São Paulo-SP. Dra. Inês
Cordeiro
concluiu o
doutorado em ciências biológicas (botânica) pela Universidade de São
Paulo em 1994. Foi docente da universidade de São Paulo, na
faculdade de filosofia ciências e letras de Ribeirão Preto, no curso
de ciências biológicas, entre 1983 e 1987. Atualmente é efetiva do
Instituto de Btânica, tendo sido curadora da coleção de fanerógamas
do herbário SP de 1993 até 2007 e docente do curso de pós-graduação
"biodiversidade vegetal e meio ambiente" da instituição desde 2003.
Atua na área de botânica, com ênfase em taxonomia de fanerógamos. Em
seu currículo Lattes os termos mais frequentes na contextualização
da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: floris
tica, euphorbiaceae, taxonomia, taxonomia de fanerógamas, mata
atlântica, gentianaceae, ecologia, vegetação, cróton e química. É
Bolsista de Produtividade em Pesquisa
do CNPq - Nível 2.
Dados para citação bibliográfica(ABNT): CORDEIRO, I. Do campo ao laboratório: procedimentos básicos para uma pesquisa bem sucedida. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_4/procedimentos/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 25/10/2009 |