Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com MANDIOCA PARA A PRODUÇÃO DE ETANOL
Teresa Losada Valle Jose Carlos Feltran Cassia Regina Limonta Carvalho
1. INTRODUÇÃO
A chegada do século 21 trouxe novos enfrentamentos à humanidade. O mais importante, ou pelo menos o de maior visibilidade, é o futuro de uma civilização altamente consumidora de energia com a matriz energética concentrada em combustíveis fósseis. São cogitadas várias fontes alternativas de energia, porém as mais interessantes são as energias limpas, ou seja, aquelas que não têm efeito poluidor principalmente não contribuem para emissão de gases que agravam o efeito estufa. As energias limpas renováveis são das mais promissoras principalmente a energia oriunda da biomassa. A revolução energética em curso anuncia uma ruptura vista de ângulos muito diversos. Para alguns trata-se de um fantástico desafio tecnológico em busca de novas fontes energéticas e aperfeiçoamento de processos para o abastecimento o que desembocará em um novo arranjo geopolítico de poder em nível mundial. Para outros, o horizonte é muito mais amplo. É a ruptura necessária para salvar o planeta e a oportunidade de construir uma nova sociedade que substitua o modelo de concentração produtivo vigente por outro que seja descentralizado, desconcentrado e auto-sustentável que produza sociedades mais justas e igualitárias com visão de mundo não antropocêntrica, mas tendo a humanidade como integrante do ambiente. São instrumentos para construção desse novo mundo a diversidade das energias limpas, como a biomassa, que permite a produção local e regional respeitando as aptidões naturais de forma sustentável (Martins, 2007, a, b, c, d).
A disputa por terra agricultável entre matérias primas para biocombustíveis e produção de alimentos ganhou visibilidade e entrou na agenda mundial em 2007 e 2008, com a utilização de milho para produção de etanol nos Estados Unidos. Desencadeou-se uma crise mundial com o aumento do preço dos alimentos e reacendeu-se a discussão sobre a importância da segurança e soberania alimentar versus o consumo de bioenergia nas sociedades modernas. Foi questionada a racionalidade dos sistemas de produção em grande escala que se utilizam de amplo volume de fertilizantes, defensivos e, se são economicamente viáveis, é porque não são computados os custos ambientais e as externalidades negativas. Como contraponto, ou modo complementar, amplia-se a discussão e a análise dos Sistemas Integrados de Produção de Alimentos e Energia (SIPEA) como método mais racional para a produção de energia quando se pretende um desenvolvimento abrangente e duradouro. Estas propostas são menos abundantes na literatura, quase que se restringem a estudos de caso, mas os resultados são contundentes (Ortega, Watanabe, & Cavalett, 2008). Assim, dentro desta conjuntura, é objetivo deste trabalho apresentar as potencialidades, aptidões fisiológicas e necessidades de desenvolvimento técnico-científico da cultura da mandioca como instrumento de desenvolvimento que atenda as diversas posturas ideológicas, mas principalmente as multifacetadas necessidades atuais: produção de energia e alimentos com sustentabilidade ambiental e desenvolvimento social.
2. A MANDIOCA NO CENÁRIO AGRÍCOLA
A mandioca é uma espécie domesticada pelas populações pré-colombianas com o objetivo de armazenar amido nas raízes e ser multiplicada vegetativamente há cerca de seis a sete mil anos atrás. O processo seletivo foi tão eficiente que a mandioca tornou-se a base alimentar de várias populações indígenas e complementar para outras. Até os dias de hoje desempenha importante papel sócio-econômico em vários países tropicas, principalmente na África e na América. O Brasil é o segundo maior produtor mundial, respondendo com 10% da produção, após a Nigéria (FAO, 2006). Historicamente a produção de raízes no Brasil oscila entre 20 a 25 milhões de raízes por ano, sendo o quarto produto em volume de produção entre as culturas temporárias, após a cana-de-açúcar, soja e milho (Tabela 1).
A mandioca no Brasil é tradicionalmente voltada para alimentação humana quer na forma de amido e seus derivados, farinha de mandioca e em menor escala na alimentação animal. Em todo o Brasil predominam culturas de subsistência e produções em pequena escala voltadas para consumo próprio e pequenos mercados locais e regionais. Paralelamente, com tecnologia totalmente brasileira, nos Estados do Paraná, Mato Grosso do Sul e São Paulo com ramificações no Estado de Santa Catarina, desenvolveu-se um vigoroso agronegócio ligado a cadeia produtiva da mandioca, cujo desenvolvimento tecnológico é referência mundial. Produz e processa cerca de cinco a seis milhões de toneladas de raízes por ano, aproximadamente, metade para amido metade para farinha. A competitividade da mandioca nesta região fundamenta-se no bom desempenho agrícola comparativamente a outras regiões brasileiras: altas produtividades (Tabela 2), moderno parque industrial e uma administração economicista em toda a cadeia produtiva. Portanto, uma região modelo para analisar-se a possibilidade de produção de etanol a partir de mandioca. Mesmo nesta região mandioca é cultivada preferencialmente e pequenos agricultores, embora haja produtores com áreas superiores a 2000ha, em solos de menor fertilidade da região em rotação com soja, milho e pastagens.
3 – PRODUÇÃO E UTILIZAÇÃO DE BIOMASSA
3.1 - PRODUÇÃO DE RAÍZES
A mandioca é uma planta perene que inicia o armazenamento de amido nas raízes aos 40-60 dias após o plantio e continua durante todo o tempo em que estiver sendo cultivada e houver condições ambientais para a fotossíntese. Para otimizar o custo/benefício as culturas destinadas as industrias de farinha e amido são colhidas com 2 ciclos (18-24 meses), porém não há impedimento técnico para que sejam colhidas antes ou depois desse período. A colheita ocorre durante todo o ano com uma pequena diminuição do teor de amido no verão. A mandioca é uma espécie com alta capacidade de produção de biomassa. O potencial máximo estimado em condições ótimas, através de modelos matemáticos de crescimento, prevêem que bons genótipos possam produzir até 90 t/ha/ano de raízes ou 30 t/ha/ano de matéria seca. Em pequenas parcelas foram obtidas 28 t/ha/ano de matéria seca no Centro Internacional de Agricultura Tropical em Cali-Colombia (Coock, 1985, pág. 78). No entanto, é em condições estressantes que mandioca tem vantagens comparativas a outras culturas pela tolerância a fatores bióticos e abióticos. Mesmo nas regiões com melhor desempenho, se analisada em detalhes, há produtividades muito diferenciadas como pode ser observado na Tabela 3.
3.2 - PRODUÇÃO DE PARTE AÉREA
A mandioca é cultivada apenas para aproveitamento das raízes e uma pequena parte das hastes que é utilizada como material de propagação. Cerca de metade da massa verde produzida é abandonada no campo. Esse resíduo pode ter utilizado para alimentação animal, como insumo energético, ou quando abandonado no campo tem alta capacidade para reciclagem de nutrientes. Há informações consistentes na literatura científica que demonstram a qualidade e viabilidade de sua utilização na alimentação animal, principalmente de ruminantes (Carvalho, 1983 e outros). Têm qualidade e volume para alimentar considerável quantidade de animais, por exemplo, 10 ha de mandioca produzem parte aérea suficiente para alimentar durante três meses um plantel de 100 bois em regime de engorda com pequenas complementações nutricionais. Considerando-se a produtividade de 45 t/ha e a composição bromatológica é possível alimentar 1500 bovinos por dia/ha em regime de engorda. No que se refere à utilização como insumo energético, a rama de mandioca não difere do padrão de outras biomassas. O Poder Calorífico de ramas secas foi considerado por 15,76 MJ/kg por Cerqueira Leite (2005) e Silva, et al.,(2007). Boog et. al. (2007) estimaram que uma cultura de mandioca, com aproximadamente 300 dias de cultivo em Assis-SP, produz de 2,86 t/ha de massa seca aproveitáveis como insumo energético com Poder Calorífico Superior (PCS) de 15,1 MJ/kg e, considerando a umidade de 40% resulta em 4,76 t/ha de material para combustão com Poder Calorífico Inferior (PCI) de 7,65 MJ/kg. Simulação do potencial energético em diversos níveis de produtividade observados no Estado de São Paulo estão na Tabela 4. Considerando-se que o custo energético (industrial+ agronômico) de produção de etanol é aproximadamente 82400 MJ/ha estimando-se uma produção de 33 t/ha (Sallas, 2008) a utilização da rama pode ser determinante no balanço energético da mandioca . Estes valores são simulações obtidas a partir de parâmetros estimados em laboratório e campo, portanto não estão computados custos de transporte e outros aspectos da logística necessária a utilização da parte aérea de mandioca porque não foram encontrados estudos concretos sobre o assunto.
A parte aérea da mandioca tem composição mineral similar a de outras espécies. Devido ao grande volume de biomassa produzida é uma grande extratora de nutrientes (Tabela 4). Porém, nas raízes que são retiradas do campo os principais constituintes são a água e o amido. A parte aérea é mais rica em diversidade e concentração de minerais, assim a mandioca é uma excelente recicladora de nutrientes. A mandioca extrai mais nutrientes do que a cana-de-açúcar, porém exporta muito menos (Tabela 5) o que lhe confere um perfil mais favorável para ambientes que são manejados de forma sustentável. Outra característica diferenciadora é a quantidade de N exigido, embora mandioca tenha maior necessidade de N durante o ciclo exporta apenas 69 kg/ha, enquanto a cana-de-açúcar exporta 96 kg/ha. Surpreendentemente mandioca tem baixíssimas necessidades de adubação nitrogenada, enquanto a cana-de-açúcar é bastante responsiva a este fertilizante. O perfil de ciclagem de nutrientes favorece a produção de mandioca em manejos auto-sustentáveis da produção e também o balaço energético. Fertilizantes nitrogenados necessitam de grandes inputs de energia durante a obtenção, sendo um fator de desequilíbrio no balanço energético.
4 – CONSUMO E PRODUÇÃO DE ENERGIA
A capacidade de produção de energia por de mandioca é pouco estudada. Essa abordagem encontra-se apenas em um reduzido número de trabalhos feitos na década de 70 para a criação do Programa Nacional do Álcool e com posições bastante controvertidas (Lorenzi e Monteiro, 1980; Silva, et alii, 1976). Estudos mais recentes também são escassos, portanto, de difícil generalização. Mas as poucas informações mais detalhadas são contundentes.
Castanho Filho & Chabaribery (1983), realizaram um profunda análise do perfil da agricultura paulista na safra 78/79 visando a orientação de políticas públicas para a produção de energia. Constataram a extrema dependência da agricultura em relação energia fóssil, cerca de 80% era concentrada em combustíveis. Analisando o desempenho de cada cultura concluíram que a mandioca era a cultura com melhor desempenho (Tabela 6). Embora esses valores sejam dependentes dos sistemas de produção e estes tenha se modificado substancialmente nas últimas décadas, os resultados são bastante convincentes para considerar-se o cultivo de mandioca viável a produção de energia.
A partir da bibliografia mais relevante produzida no final da década de 70 avaliando diversas matérias primas para a produção de etanol Lorenzi & Monteiro (1980) realizaram uma profunda análise das possibilidades de mandioca como matéria prima para etanol considerando-se a especificidades da cultura em contraponto a maneira generalista de como era considerada e comparada a cana-de-açúcar e sorgo sacarino. Resumidamente os resultados obtidos estão na Tabela 7. Tabela 7 - Balanço energético da produção de álcool de cana de açúcar, mandioca e sorgo sacarino
Estudos mais recentes mostram uma visão mais realista e atualizada da situação da produção de etanol. Salla (2008) fez uma análise energética da produção de etanol comparando cana-de-açúcar, mandioca e milho utilizando informações do Vale do Paranapanema em São Paulo do ano agrícola 2006/2007. Nesta região desenvolve-se agricultura intensiva altamente tecnificada em dois tipos de solo: com alta e baixa fertilidade. Utiliza-se a melhor tecnologia disponível para cada uma das três culturas, o cultivo de mandioca é concentrado em solos de baixa fertilidade, o do milho em solos mais férteis e o da cana-de-açúcar em solos férteis mas recentemente expandindo-se para solos mais pobres. Na Tabela 8 são apresentados os passos detalhados do consumo de energia nas fases agronômica e industrial visando identificar os consumos relativos de cada etapa do processo. Verifica-se que o grande consumo na área agronômica encontra-se no item insumos que é cerca de 50, 36 e 77% em cana-de-açúcar, mandioca e milho, respectivamente. Entre os insumos o de maior custo energético é a adubação nitrogenada. Considerando-se as necessidades das três culturas, a mandioca tem o menor consumo de N. Os dados na literatura científica são bastante consistentes em demonstrar uma baixíssima resposta da mandioca a calagem e adubação, principalmente a adubação nitrogenada que pode ter efeito negativo com a produção (Lorenzi e Monteiro, 1980; Lorenzi, 2003; Feltran, 2007- dados não publicados e outros). Efeitos positivos de adubação tem sido encontrados somente em solo com fertilidade natural muito baixa. Uma vez que a quantidade de nutrientes extraída é similar a outras culturas e em grande quantidade devido ao alto volume de biomassa produzida, depreende-se que a mandioca utiliza-se de outros mecanismos para absorção de nutrientes. Assim, a adubação recomendada pelo Instituto Agronômico para mandioca é de 0-40 Kg/ha de N (cultivo de dois ciclos 18-24 meses) o de cana-de-açúcar é 60 kg/ha na cana-planta e 60 a 120 kg/ha na cana soca (IAC, 1998 p. 252 e 341). Um outro item grande consumidor de energia é o transporte, cujo custo energético é proporcional ao teor de umidade. É reduzido em milho devido ao baixo conteúdo de água, cerca de 12%. No caso de mandioca pode ser implementado a técnica de raspas secas ao sol, ou seja, as raízes são trituradas e secas em terreiros ao sol o que reduz a umidade a níveis similares aos do milho. O processo é feito na propriedade rural de tal maneira que pode reduzir significativamente os custos de transporte Esta técnica é emprega na Tailândia que exporta grande quantidade de mandioca peletizada para na industria de rações da Europa (Normanha e Lorenzi, 1979).
5 – OPORTUNIDADES DE DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E IMPACTOS SÓCIO-ECONÔMICOS VOLTADOS PARA A PRODUÇÃO DE ENERGIA
5.1- MELHORAMENTO, GERMOPLASMA E RECURSOS GENÉTICOS
A mandioca é uma espécie que se dispõem de poucos conhecimentos técnico-científicos comparativamente a outras espécies cultivadas. Porém, por ser uma espécie nativa do Brasil dispõem-se de um bom conhecimento empírico, e também, conhecimentos técnico-científicos voltados para a produção de farinha de mandioca amido que podem ser utilizados como input na produção de energia. O Brasil é o maior detentor de recursos genéticos de mandioca do mundo. Esta espécie é cultivada e dispõem de variedades nativas em todos os ecossistemas brasileiros desde a Amazônia, Semi-árido até as região Sub-tropical, com temperaturas amenas. Os programas de melhoramento genético desenvolvidos no Brasil são poucos, mas com bons resultados. Na Tabela 9 observa-se o progresso na produtividade e teor de matéria seca obtido no Instituto Agronômico através de novas variedades mais produtivas, resistentes a doenças epidêmicas e tolerante a solos de baixa fertilidade. Até o momento somente foi dado enfoque no melhoramento para produção de raízes e resistência a doenças, só recentemente o teor de matéria seca passou a ser considerado atributo importante na comercialização. Quanto as técnicas de biotecnologia, marcadores moleculares, sequenciamento e análise estrutural e funcional do genoma, disponibilizadas recentemente ao melhoramento, em mandioca são praticamente ausentes ou focadas em outros objetivos distantes do melhoramento assistido voltado para a produção de amido ou biossíntese de açúcares. Para a produção de etanol, em tese, são interessantes o desenvolvimento de variedades que acumulam açúcares diretamente fermentescíveis na raiz, assim não necessitariam do processo de sacarificação. Germoplasma com esta característica já é conhecido, porém há a necessidade de serem desenvolvidas variedades aptas a cultivo em grande escala.
5.2 – NUTRIÇÃO
A mandioca tem bom desempenho em solos férteis, mas tem desempenho bastante satisfatório em solos pobres, mesmo com baixo nível de adubação, onde outras culturas são inviáveis. Portanto, um excelente instrumento de exploração de solos marginais sem necessidade de recorrer a fertilizantes derivados de petróleo. Esse comportamento é explicado pela eficiente associação com micorrizas e ou associação com outros microorganismos fixadores de nitrogênio não pertencentes ao grupo Rizobium, tema pouco estudado, mas comprovadamente eficiente (Cook, 1985). A aptidão de mandioca para cultivo em consórcios sem prejuízo da produtividade pode ser utilizado na associação com leguminosas fixadoras de nitrogênio, principalmente amendoim. Assim, é uma espécie que pode colaborar para mitigar a poluição nitrificadora.
5.3 – TOLERÂNCIA A DEFICIÊNCIA HÍDRICA
Sementes de mandioca (manivas) têm massa entre 30 a 130 g por unidade, o que lhe confere uma boa resistência a períodos de falta de chuva no plantio. Quando a planta está instalada veranicos podem diminuir a produção potencial, mas de modo algum põe em risco a produção, como acontece com os cereais. Portanto, uma cultura de baixo risco. Esta adaptabilidade faz da mandioca uma espécie muito bem adaptada a climas tropicais em que as chuvas têm baixa repetitibilidade temporal. Essa característica é conseqüência do sistema radicular profundo que explora grande volume de solo e de mecanismos fisiológicos do uso racional da água (Cook, 1985). Portanto, a mandioca pode ser ocupar áreas pouco recomendadas para cana-de-açúcar devido à deficiência hídrica.
5.4 – MECANIZAÇÃO
A mecanização da cultura da mandioca evoluiu substancialmente a partir dos anos 90 e muitas etapas passaram a ser totalmente mecanizadas, como o plantio, ou parcialmente mecanizadas, como a colheita. Esta evolução, associada ao uso de herbicidas, permitiu o aumento das áreas cultivadas nos Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul e está se expandindo para outros estados onde há implantação de grandes projetos. Porém, a mandioca ainda demanda uma razoável quantidade de mão-de-obra que pode ser limitante ao seu cultivo. É característico das máquinas para cultivo de mandioca o baixo custo comparativamente a outras máquinas para cereais e cana-de-açúcar, o que viabiliza sua compra por pequenos produtores.
5.5 – CONSÓRCIOS FOCADOS NA PRODUÇÃO DE ENERGIA
A mandioca é uma planta de crescimento lento no inicio do desenvolvimento. Como é plantada em espaçamentos relativamente largos, dispõe-se de aproximadamente 120 dias para cultivo de outras culturas de ciclo rápido (consórcios) que podem ser fonte de renda e ou contribuírem para a sustentabilidade do solo. Também permite uma série de arranjos espaciais em campo que não alteram a produção. Assim a um sistema de fileiras duplas podem ser agregadas culturas energéticas como a batata-doce ou amendoim, ou ambas, aumentando o rendimento energético e a sustentabilidade do sistema. Por exemplo, dados experimentais mostram que plantio de mandioca em fileiras duplas consorciadas com batata-doce, desde que acertadamente manejados, não diminuem a produção de mandioca e batata-doce em relação aos cultivos solteiros, aumentam a eficiência em relação ao uso da terra em mais de 50% (Mattos e Souza, 1987), e evidentemente aumenta-se a produção de energia do sistema de forma substancial. Ganhos não quantificados também podem ser considerados, como a diminuição da erosão do solo. Estudo sobre esses arranjos quer no efeito na produtividade quer na operacionalidade do sistema, foram feitos apenas na década de 80, mas os poucos resultados mostram-se altamente promissores. Nunca foram desenvolvidos de forma abrangente com enfoque de produção de energia. O consórcio pode ser uma maneira inteligente de controle do mato, diminuição do uso de herbicidas e, conseqüentemente, da poluição ambiental.
5.6 – TRANSPORTE
As raízes de mandioca têm entre 60 a 70% de água, que grande parte pode ser eliminada com técnicas simples e de baixo custo, já totalmente conhecidas e em uso em outros países, já referidos anteriormente. Esta tecnologia é voltada para pequenos agricultores que agregam valor ao produto na pequena propriedade, mas também pode se utilizada em áreas maiores necessitando ajustes e desenvolvimento de projetos piloto voltados para o desenvolvimento de máquinas e processos voltados para a realidade brasileira. O transporte da rama pode ser analisado de forma similar em sistemas que optem pela utilização de rama como insumo energético ou para a produção de etanol de segunda geração, ou seja, a partir de celulose.
5.7 – CONVERSÃO DO AMIDO PARA GLICOSE
A mandioca armazena amido que necessita ser transformada em glicose para que ocorra a fermentação alcoólica. Atualmente, diferente dos anos 70, se dispõem de enzimas eficientes e facilmente encontradas no mercado. Porém a produção é monopolizada por poucas grandes empresas, e se o custo absoluto é baixo, em termos relativos ao custo de produção pode ser elevado. Outra abordagem para a fermentação alcoólica a partir do amido foi dada nos anos 80 com o desenvolvimento de leveduras transgênicas capazes de sintetizarem as próprias enzimas necessárias a conversão. A continuidade desses trabalhos para aplicação efetiva podem certamente colaborar para simplificação do processo industrial.
6 – TECNOLOGIA VOLTADA PARA AGRICULTURA FAMILIAR
A mandioca é uma cultura com um perfil tecnológico voltado para a agricultura familiar, e que fazendo contraponto ou sendo complementar a cana-de-açúcar, pode continuar seu desenvolvimento tecnológico voltado para grandes agronegócios e para a integração da agricultura familiar na produção de energia com caráter social integrador e não excludente. Assim, a exploração das características abaixo descritas podem ser aproveitadas na formulação de políticas públicas visando aperfeiçoar o sistema produtivo e minimizar impactos socioeconômicos negativos: a) Baixo consumo de capital. A mandioca é uma cultura de baixo risco e baixo custo. O principal dispêndio está na colheita, ou seja, próximo à entrada da receita. Assim, mesmo produtores com pequeno aporte de capital cultivam mandioca com reduzida necessidade de crédito ou com capital próprio, ou ainda em colaboração com agroindústria receptora da matéria-prima. b) Fluxo constante de caixa. As raízes de mandioca são comercializadas durante todo o ano, portanto a entrada de capital é constante permitindo que a administração financeira se assemelhe a um negócio sem sazonalidades, com administração racional e fácil para pequenos produtores e agroindústrias. c) Modelo de negócios para pequenos produtores. As técnicas disponíveis atualmente permitem que pequenos produtores obtenham bons rendimentos tornando-se um modelo de negócio rentável. Nós últimos anos aumentou a área média cultivada em função do desenvolvimento de máquinas agrícolas, porém estas devem continuar acessíveis a pequenos produtores. d) Novas variedades. Os instrumentos mais importantes para se obter bons rendimentos em mandioca não têm custo algum ou têm custos reduzidos. São boas variedades, boas sementes (manivas) e plantio na época correta. A mandioca é uma espécie de propagação vegetativa e as variedades são de domínio público, portanto é importante que o desenvolvimento de novas variedades não sejam protegidas para pagamento de royalties. e) Equipamentos desenvolvidos por pequenos produtores. A partir dos anos 90, houve um bom desenvolvimento de máquinas para plantio e colheita que facilitaram os trabalhos em pequenas áreas e permitiram a ampliação do tamanho das áreas cultivadas porque aumentaram o rendimento da área cultivada. Essas máquinas foram e estão sendo desenvolvidas por técnicos com formação empírica e acadêmica no Centro-Sul do Brasil e são fabricadas por indústrias de pequeno e médio porte especializadas em máquinas agrícolas. É um setor extremamente dinâmico e as empresas mais profissionalizadas estão desenvolvendo máquinas para atender projetos de grande porte. Impregnando esse “caldo”, há um grande número de agricultores em interação com pequenas oficinas de ferramentaria que desenvolvem, fabricam e aperfeiçoam máquinas agrícolas para mandioca. Assim, utiliza-se o talento local e dinamiza-se a economia local e regional e toda a cadeia produtiva. Embora haja muitas inovações tecnológicas, o setor funciona informalmente sem solicitação de patentes e merece apoio do setor público para continuar o processo de inovação informal. f) Contratos de comercialização. O conflito de preços entre agricultor e agroindústria foi um fator negativo na cadeia produtiva, porém com a introdução de contratos e divulgação pública de preços (www.cetea.esalq.usp.br/mandioca/ e outros) o segmento foi profissionalizado e vários problemas minimizados no que tange a preços e calendário no cumprimento dos contratos. Vários conflitos ainda persistem necessitando de formulações técnicas para serem equacionados, principalmente ampla divulgação da informação visando diminuir assimetria de preços. g) Geração de emprego, competências e renda: uma vez que as tecnologias de produção de mandioca são de desenvolvimento local e regional, feitas por pequenos empreendedores e instituições públicas, levam à dinamização e fortalecimento da economia local e regional. Evidentemente, o segmento se desenvolverá mais rápido, mais eficientemente e com mais inovações se contarem com apoio de políticas públicas voltadas para o setor com esse enfoque.
7. CONCLUSÕES
A mandioca tem um grande potencial de utilização para produção de etanol por suas características biológicas que podem colaborar substancialmente para diminuir os impactos socias e ambientais decorrentes da produção desta comodity. Porém, o potencial é muito pouco aproveitado porque seu desenvolvimento tecnológico sofreu melhorias lentas e muito aquém do necessário. A atualidade pode ser considerada similar ao da cana-de-açúcar nos anos 70. Suas potencialidades naturais somente poderão ser aproveitadas mediante um forte apoio do setor público para a formação de recursos humanos, desenvolvimento de tecnolgia e transferência para o setor produtivo.
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Origem: Instituto Agronômico - www.iac.sp.gov.br Teresa Losada Valle
é Pesquisadora Científica (PqC VI) do Instituto Agronômico de
Campinas (IAC) desde 1983. Formada em Engenharia Agronômica pela
Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (1977), mestrado em
Genética e Melhoramento de Plantas pela Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (1980) e doutorado em Agronomia -
Genética e Melhoramento de No Plantas pela Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (1989), especialização Mandioca-produção
e utilização no Centro Internacional de Agricultura Tropical -
Colômbia (1986). Experiência na área de desenvolvimento de ciência e
tecnologia para mandioca, principalmente em melhoramento, recursos
genéticos, etnobotânica, fitotecnia, fitopatologia, produção de
sementes e outras. Participante doa seleção e difusão das variedades
de mandioca IAC 576-70 (variedade de mesa) e IAC13, IAC 14 e IAC 15
(variedades de industria). Docente colaboradora e orientadora do
Curso de Agricultura Tropical e Subtropical no Instituto Agronômico
de Campinas.
Jose Carlos Feltran
possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (1997), mestrado em Agronomia (Agricultura)
pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2002) e
doutorado em Agronomia (Agricultura) pela Universidade Estadual
Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é pesquisador
científico do Instituto Agronômico (IAC), em Campinas. Tem
experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fisiologia de
Plantas Cultivadas e Fitotecnia, atuando principalmente nos
seguintes temas: cultivares, batata (Solanum tuberosum),
mandioca (Manihot esculenta Crantz), batata-docê (Ipomoea
batatas (L.) Lam.), inhame (Dioscorea alata L.), barbasco
(Dioscorea sp), taro (Colocasia esculenta (L.)
Schott), taioba (Xanthosoma sagittifolium Koch), mangarito (Xanthosoma
mafaffa Schott ), araruta (Maranta arundinacea L.),
manejo e tratos culturais, fertilidade do solo e adubação. Contato: feltran@iac.sp.gov.br
Cassia Regina
Limonta Carvalho é Química Industrial. Concluiu o mestrado em
Química Analítica pela Universidade Estadual de Campinas em 1996.
Atualmente é Pesquisadora Científica V da Unidade de Fitoquímica do
Instituto Agronômico (IAC), Campinas, São Paulo. Atua na área de
Ciência e Tecnologia de Alimentos há 20 anos, com ênfase em Química
de Vegetais e Avaliação e Controle de Qualidade de Alimentos.
Publicou 38 artigos científicos em periódicos especializados e 97
trabalhos em anais de eventos, sendo 51 destes na forma de resumos
expandidos. Possui 16 itens de produção técnica. Co-orientou 1
dissertação de mestrado, além de ter orientado 9 trabalhos de
iniciação científica e mais de 70 estagiários (níveis médios,
graduação e pós-graduação) em Química Analítica, Química de Vegetais
e Química de Alimentos. Participa de 5 grupos de pesquisa:
Feijoeiro, Hortaliças, Micronutrientes, Raízes e Tubérculos e
Agroecologia. Recebeu 2 prêmios por melhores trabalhos apresentados
em congressos científicos. Atualmente participa de 8 projetos de
pesquisa, sendo que coordena 3 destes. Em suas atividades
profissionais interagiu com mais de 150 pesquisadores em autorias e
co-autorias de trabalhos científicos. Contato: climonta@iac.sp.gov.br
Dados para citação bibliográfica(ABNT): VALLE, T.L.; FELTRAN, J.C.; CARVALHO, M.R.L. Mandioca para a produção de etanol. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_4/mandioca/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 17/11/2009 |