Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com Financiamento do custeio agropecuário atrelado a contrato de opção: pioneirismo paulista (*) José Sidnei Gonçalves, Sueli Alves Moreira Souza
O pioneirismo tipicamente bandeirante dos paulistas mostrou-se essencial para a construção da nação brasileira em dimensões continentais tanto territorialmente quanto do ponto de vista da pujança econômica. E é exatamente esse espírito que, presidindo a necessidade de alargar limites, exige avanço na construção de novos instrumentos de gestão de riscos, fazendo da agropecuária uma atividade mais estável e gerando uma estabilidade propícia à decisão de investimento.
Há duas formas básicas de riscos enfrentados pelos agropecuaristas: o risco produtivo decorrente de fatores aleatórios de natureza agronômica e/ou climática e o risco de mercado. O gerenciamento dessas duas modalidades de risco mostra-se elemento crucial para o sucesso da agropecuária na economia moderna.
Isto porque a decisão de produzir na agropecuária, diferentemente dos demais setores, tem sempre o ônus da irreversibilidade sem grandes perdas. Numa fábrica o empresário pode reduzir (ou aumentar) o ritmo da produção intervindo na linha de produção. Na agropecuária, não. Por determinação biológica, o plantio concentra-se numa determinada época e, uma vez feito, não há alternativa senão chegar à colheita.
Assim, ao plantar, o agropecuarista assume toda sorte de risco. Daí a importância do seguro rural. Mas não apenas esse risco ronda a produção. Há o risco de mercado, uma vez que, quando planta, o homem do campo não tem qualquer possibilidade de previsão sobre os preços vigentes na época da colheita. Essa situação muitas vezes leva ao descompasso entre preços e custos gerando endividamentos por frustrações econômicas.
A escalada da dívida rural brasileira que ganha dimensões cada vez mais preocupantes está aí como comprovação da fragilidade do agropecuarista para enfrentar riscos de mercados. Daí a necessidade de inovar as políticas públicas no sentido de gerar mecanismos de proteção de riscos de mercado que devem ser colocados à disposição dos homens do campo.
Essa instabilidade afeta até mesmo a possibilidade de realizar intervenções de sucesso nas políticas públicas. Exemplo recente do trigo se mostra elucidativo. No primeiro semestre de 2008, os preços internacionais do trigo explodiram levando a majorações nos preços das massas e dos produtos de confeitaria e padaria, como o pão nosso de cada dia.
Pois bem, a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA), bem como o Governo Federal, entrou firme no incentivo ao plantio de trigo nas terras paulistas, agregando amplo esforço de várias instituições e realizando a articulação com vários agentes dos diversos elos do fluxo produção-consumo. A área de trigo ampliou-se de maneira expressiva.
Entretanto, uma reviravolta no mercado internacional fez o preço do trigo despencar e, no momento da colheita, para preços na época do plantio de R$ 48,00/saca - e custos de produção de R$ 36,00/saca -, os preços do trigo importado colocado em São Paulo atingem R$ 25,00/saca. E os triticultores, que acreditaram e atenderam ao chamado governamental para ampliar a produção do trigo nacional, estão agora amargando prejuízos. Com a adoção de mecanismos de proteção de preços isso não ocorreria.
Quais são os mecanismos possíveis de utilização para proteção do preço agropecuário, via mercado? As experiências disponíveis no contexto internacional são os contratos futuros e os contratos de opções, por meio dos quais se podem gerenciar os riscos de preços.
As características dos contratos futuros são:
A dificuldade de utilização desse mecanismo de contratos futuros pelos agropecuaristas, em especial os pequenos e médios, consiste na disponibilidade de recursos e do tempo que deve ser despendido para realizar os ajustes diários em função dos movimentos de mercado. As características dos contratos de opções são:
Os contratos de opção não exigem gestão diária, que tem como requisito tempo e conhecimento dos mercados. Assim, a) asseguram ao seu titular o “direito” de comprar ou vender um produto a determinado preço; b) o agropecuarista comprador de uma opção possui um direito, mas nenhuma obrigação - assim, se os preços foram maiores, ele pode beneficiar-se da alta, além de estar protegido da baixa; c) o agropecuarista pode escolher o nível de proteção que quer comprar, podendo se contentar com o nível próximo de seus custos ou embutir a margem mínima de remuneração pelo seu esforço. Assim, o contrato de opção representa um seguro de preço futuro do produto escolhido. O Governo do Estado de São Paulo pretende realizar uma experiência piloto, que ainda não foi realizada no Brasil. Trata-se de introduzir esse instrumento para conhecimento e uso do agropecuarista brasileiro. Essa proposta consubstancia o Projeto Financiamento do Custeio Agropecuário Atrelado a Contrato de Opção, tendo como parceiro o Banco do Brasil que funcionaria como lançador de opções padronizadas para café, milho, soja e boi gordo. A proposta envolve subvenção econômica do Governo do Estado de São Paulo por intermédio do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP). E tem como base a redação do Parágrafo 2º do artigo 3º, dada pelo artigo 4 º da Lei nº 11.244, de 21 de outubro de 2002, que define: “as subvenções econômicas destinam-se a agricultores, pecuaristas e pescadores artesanais, assim como as suas cooperativas e associações, envolvidos em programas de interesse da economia estadual, financiados pelo FEAP ou por instituições oficiais de crédito”. Trata-se exatamente do desenho jurídico necessário para que prospere a execução do Projeto Financiamento do Custeio Agropecuário Atrelado a Contrato de Opção em parceria com o Banco do Brasil que se constitui em instituição oficial de crédito. Os pré-requisitos definidos no artigo 9º da Lei nº 11.244/2002 são que “a subvenção somente será concedida se preenchidas as seguintes condições, no caso da subvenção econômica: 1) existência de financiamento junto a instituição financeira oficial, enquadrado nos programas referidos no parágrafo único do artigo 1º desta lei, dentro dos prazos e periodicidade das amortizações estabelecidos pelo Conselho de Orientação do Fundo; e 2). termo de compromisso celebrado entre a Secretaria de Agricultura e Abastecimento e o mutuário”. Na modalidade de seguro realizada com base em contratos de opções, não existem nem seguradoras intervenientes nem apólice ou certificado de seguro, pois essa alternativa foi abandonada. O contrato de opção, para se evitar ações especulativas de mercado, somente faz sentido se atrelado ao financiamento da produção agropecuária. Assim, pensou-se na possibilidade de subvencionar essa operação de crédito (casada com a compra de contrato de opção). O prêmio cobrado seria, portanto, um custo operacional da contratação do financiamento e, nesse caso, poderia ser objeto de subvenção econômica pelo FEAP. Isto porque a Lei nº 7.964, de 16 de julho de 1992, com a redação alterada pela Lei nº 9.510, de 20.03.97, no seu artigo 1°, coloca que o FEAP “tem por objetivo prestar apoio financeiro em programas e projetos do interesse da economia estadual”. O Projeto Financiamento do Custeio Agropecuário Atrelado a Contrato de Opção atende a essa condição de interesse da economia estadual e, portanto, pode ser objeto de apoio financeiro do FEAP. Isto porque se trata de financiamento do custeio agropecuário com a notável inovação de permitir, por opção do tomador de crédito, a realização de seguro de preços por meio da compra contrato de opção. E o FEAP subvencionaria exatamente essa inovação no contrato de financiamento, qual seja, os custos da parcela relativa ao gerenciamento de risco de mercado, independente das taxas de juros e das demais condições do crédito. No dimensionamento econômico do Projeto Financiamento do Custeio Agropecuário Atrelado a Contrato de Opção, utilizaram-se informações (1) de: a) valor aplicado pelo Banco do Brasil em operações de custeio agropecuário no Estado de São Paulo, com recursos controlados na Safra 2007/2008; b) parâmetro de nível de preços para proteção via opção, tendo como base o preço médio Safra 2008/2009, indicador diário à vista (2); c) quantidade de contratos possíveis obtida pela divisão da quantidade de sacas ou arrobas pelo tamanho do contrato na BM&F-Bovespa para cada produto; d) custo das opções obtido pela multiplicação entre a quantidade de contratos possíveis e o valor médio da série de preços de opções lançada pelo Banco do Brasil na BM&F-Bovespa(3);
Tomando por base os indicadores econômicos, se o projeto for aplicado a todo financiamento de custeio agropecuário realizado pelo Banco do Brasil no território paulista – que na safra 2007/2008 atingiu R$ 499,2 milhões para os cinco produtos selecionados que tem que ter transações em bolsa de mercadoria –, isto implicaria em 28,5 mil contratos possíveis, importando num custo total dos contratos de opções de R$ 31,3 milhões (Tabela 1).
Assim, os custos do financiamento do custeio, quando atrelado a contrato de opção, seriam em média 7,1% maiores do que a tomada de crédito sem esse instrumento mitigador de risco de preços. Por ser a utilização de contratos de opção como mitigadores do risco de preços no Brasil um mecanismo pioneiro, fixou-se a meta de que 30% dos valores financiados pelo Banco do Brasil para os produtos selecionados seriam pelo financiamento atrelado a contrato de opção. Isso implica que seriam realizados 8.539 contratos de opção ao custo de R$ 10,6 milhões para essa novidade de gerenciamento de risco de preços, para uma estimativa de aplicação pelo Banco do Brasil de R$ 149,8 milhões na safra 2008/2009 nessa modalidade de contratação (Tabela 2).
Para tornar atrativo ao agropecuarista a realização desse contrato, há que se baixar os custos operacionais do contrato de opção. Daí propugnar-se que o Governo do Estado de São Paulo subvencione metade desses custos pelo FEAP, o que implicaria em aportar R$ 5,3 milhões na safra 2008/2009 para o Projeto Financiamento do Custeio Agropecuário Atrelado a Contrato de Opção realizado em parceria com o Banco do Brasil. Os valores envolvidos de recursos públicos são diminutos frente à magnitude dos benefícios para a agropecuária estadual. Mais ainda, a iniciativa consiste numa atitude de pioneirismo das políticas públicas paulistas para a agricultura, similar à recente criação da subvenção ao prêmio do seguro rural, viabilizada pela mesma Lei nº 11.244, de 21 de outubro de 2002, que surgiu por iniciativa do Governo do Estado e foi incorporada às políticas públicas federais para a agricultura. No plano econômico, numa atividade marcada pelo risco como a agropecuária, o gerenciamento do mesmo consiste numa necessidade para que sejam possíveis decisões de investimento em inovação, única opção de elevação da produção numa agropecuária de fronteira de expansão esgotada desde o início dos anos 1970 como é o caso paulista. Mas há ainda uma postura bandeirante de fazer romper os limites visando à solução de problema crônico que assola a agropecuária brasileira desde a metade dos anos 1990, que consiste na dívida rural renegociada e reestruturada por diversas vezes e nunca solucionada. A mitigação de risco, tanto agronômicos quanto de mercado, representa um caminho para desatar o nó górdio dessa dívida rural postergada em dimensões que ganham contornos de elevada preocupação quanto ao futuro da agricultura, o principal setor econômico nacional. A recente crise internacional que afeta o crédito agrega mais elementos formadores de expectativas negativas para esse segmento econômico, presente em todos os rincões da economia continental brasileira. As mudanças institucionais e do perfil das políticas públicas setoriais são fundamentais para a solidificação de um novo ciclo de desenvolvimento. Espera-se que mais essa contribuição pioneira de São Paulo represente um rumo para o Brasil. (*) Projeto Financiamento do Custeio Agropecuário Atrelado a Contrato de Opção foi aprovado por unanimidade pelo Conselho de Orientação do Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP) na Reunião Extraordinária de 17 de dezembro de 2007, devendo, após trâmites burocráticos necessários, ser implementado de janeiro a dezembro de 2009. (1) Os valores estabelecidos são passíveis de alteração, tendo em vista as oscilações de preços das "commodities" e das séries de opções disponibilizadas pelo Banco do Brasil, que também pode alterar as séries de opções disponibilizadas conforme as práticas de mercado, bem como o de lançar séries para diferentes meses de referência. (2) fonte: site www.cepea.esalq.usp.br, série histórica de preços, indicador diário, à vista. (3) opções lançadas para datas futuras, limitadas aos valores que na data de 22/10/2008 estão "in the money" para os meses de referência, a saber: Café - Dezembro/2008; Milho - Maio/2009; Soja - Maio/2009 e Boi Gordo - Novembro/2008. Como café e soja são precificados em dólar, utilizou-se uma taxa de câmbio de R$ 2,10.
José Sidnei Gonçalves
possui graduação em Engenharia
Agronômica pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita
Filho (1983) e doutorado em Economia pela Universidade Estadual de
Campinas (1992). Atualmente é Pesquisador Científico VI do Instituto
de Economia Agrícola. Tem experiência na área de Economia , com
ênfase em Teoria Econômica. Atuando principalmente nos seguintes
temas: Desenvolvimento Econômico, Questão Agrária, Economia
Política, Estrutura de Mercado, História Econômica e Progresso
Técnico. Contato: sydy@iea.sp.gov.br
Sueli Alves Moreira Souza é Pesquisadora do Instituto de Economia Agrícola, IEA- APTA-SAA Contato: sueli@iea.sp.gov.br
Dados para citação bibliográfica(ABNT): GONÇALVES, J.S. Financiamento do custeio agropecuário atrelado a contrato de opção: pioneirismo paulista. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_3/financiamento/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 23/08/2009 |