Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com Varíola bovina Liria Hiromi Okuda A varíola bovina é uma doença infecto-contagiosa, de etiologia viral caracterizada por lesões cutâneas em vacas lactentes, bezerros e no homem. Destaca-se sua importância como diferencial de doenças confundíveis com febre aftosa e por ser zoonose. Esta doença pode ser causada por duas espécies do gênero Orthopoxvirus, subfamília Chordopoxvirinae da família Poxviridae: o vírus da varíola bovina (cowpoxvirus) e vírus vaccinia. Dentro desse gênero também estão classificados o vírus da varíola humana (smallpox - erradicada na década de 80), o vírus do macaco (monkeypox), entre outros (Fig. 1). Seu genoma é composto de DNA de fita dupla, simetria complexa envolvido por envelope lipoprotéico e se replica no citoplasma da célula hospedeira, característica única dentre os DNA vírus de fita dupla.
A varíola bovina, classicamente, é causada pelo cowpoxvirus, presente nos países da Europa, região oeste da Rússia e na Ásia (regiões central e norte) acometendo bovinos, felinos e, eventualmente, o homem. Os roedores silvestres são incriminados como reservatórios do vírus. O cowpoxvirus foi, inicialmente, selecionado para a produção da vacina contra a varíola humana, pois provocava uma reação local branda, mas imunogênica e que conferia proteção contra esta doença, que era fatal e chegou a dizimar nações. Posteriormente, passou-se a imunizar a população mundial com o vírus vaccinia, até a completa erradicação da varíola humana, que ocorreu na década de 80. Após a sua erradicação, essa estirpe viral foi destruída dos laboratórios no mundo todo ficando somente os Estados Unidos e Rússia como detentores dessa estirpe, devido ao risco dessa ser usada como arma biológica. A origem do vírus vaccinia é controversa. Supõe-se que seja derivada do cowpoxvirus e que durante o processo de produção da vacina sofreu mutações.
Já no Brasil vive-se uma situação
totalmente diferente quanto à etiologia da varíola bovina. Esta é
causada pelo vírus vaccinia, sendo os primeiros casos
detectados na década de 90. Atualmente, a varíola bovina é endêmica,
com casos confirmados nos estados do Amazonas, Bahia, Espírito
Santo, Goiás, Minas Gerais, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará,
Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo (dados do Laboratório de Viroses
de Bovídeos – Instituto Biológico). Os roedores são apontados como
possíveis reservatórios do vírus vaccinia, pois já foi
detectada a presença desse agente em roedores silvestres na floresta
amazônica e paulista, na década de 60. Entretanto, se desconhece o
papel de outras espécies domésticas e silvestres que poderiam atuar
como reservatórios, garantindo a manutenção do vírus na natureza.
Diversos problemas são acarretados pela varíola bovina no setor
produtivo, principalmente, a cadeia produtiva de leite: Casos de varíola bovina são comumente associados a propriedades não tecnificadas e que não adotam medidas de biossegurança propiciando a manutenção do vírus no ambiente.
A transmissão ocorre por contato
direto: o bezerro adquire a infecção ao mamar e as vacas ou o homem
se infectam na ordenha, sendo a manual, associada ao tipo de manejo
(semi-intensivo ou intensivo), o principal fator de risco na
disseminação da doença no rebanho. Equipamentos de ordenha, bem como
fômites (qualquer objeto inanimado ou substância capaz de absorver,
reter e transportar organismos contagiantes ou infecciosos) e
caminhão do leite também podem atuar como veiculadores. Em alguns
casos, a transmissão da doença entre rebanhos é atribuída ao próprio
ordenhador que, se estiver infectado, acaba carreando o agente para
a propriedade vizinha ou vice-versa.
Patogenia e sinais clínicos Nos animais e indivíduos infectados ocorre inicialmente formação de uma mácula que evolui para pápula e, após dois a três dias, presença de pústulas e crostas, que são bastante resistentes no ambiente, mesmo secas (acima de um ano). Nas vacas lactentes as lesões estão localizadas nos tetos e, eventualmente, no úbere e em bezerros, no focinho, boca e gengiva. Em humanos localiza-se, principalmente, na mão e pode passar para o antebraço e rosto. É importante ressaltar que o vírus não penetra em pele íntegra, sendo necessário um ferimento, uma solução de continuidade para que se estabeleça a infecção. As lesões são benignas e localizadas; a cura ocorre entre sete a 10 dias, mas em humanos pode estender por meses. A severidade da doença depende da condição imunológica do indivíduo. Infecções intercorrentes ou imunossupressoras facilitam a instalação e o agravamento da enfermidade. Os sinais clínicos observados são lesões nos tetos com sensibilidade ao toque, dificultando a ordenha. Os tetos servem como porta de entrada para outros patógenos, sendo comumente relatados, casos de mastite. Em humanos, pode ocorrer reação sistêmica como náusea, febre e linfoadenopatia (aumento dos linfonodos), acarretando em licenças-saúde e tratamento. Tanto nos animais como no homem, a imunidade é duradoura (por anos), não sendo observados casos reincidentes. Diagnóstico O diagnóstico conclusivo da varíola bovina é sempre laboratorial, não sendo possível fechar com base no tipo de lesão, nos sinais clínicos e espécies envolvidas. Estas informações são apenas sugestivas embora bastante indicativas da doença. Por se enquadrar nas doenças confundíveis com febre aftosa, o serviço veterinário oficial deve ser notificado, e este procederá a colheita e a remessa do material, primeiramente para o LANAGRO, órgão responsável pelo diagnóstico de febre aftosa e estomatite vesicular. Somente após o resultado negativo dessas duas enfermidades é que outros laboratórios poderão realizar o diferencial de doenças vesiculares, como o Laboratório de Viroses de Bovídeos do Instituto Biológico. É recomendada a colheita de soro e epitélio para análise criteriosa do diagnóstico. A pesquisa de anticorpos específicos contra o vírus da varíola bovina é feita por vírus-neutralização e tem por finalidade avaliar se o animal entrou em contato com esse agente. Resultados negativos devem ser interpretados com cautela, pois o animal pode estar em fase de incubação, não sendo possível detectar ainda os anticorpos neutralizantes. Nesses casos recomenda-se nova colheita de soro, após 20 dias da primeira análise (avaliar a soroconversão). A detecção do vírus pode ser realizada por isolamento viral, microscopia eletrônica, PCR, RFLP e PCR em tempo real, ressaltando que somente as técnicas moleculares confirmarão o agente envolvido na varíola bovina: cowpoxvirus ou vaccinia. É importante salientar que a participação dos veterinários do serviço oficial tem sido fundamental para a confirmação dos casos de varíola bovina devido ao pronto atendimento ao foco e colheita adequada do material para diagnóstico. Diagnóstico diferencial
Devem-se pesquisar outros agentes
envolvidos nos quadros de doença vesicular, quando descartados a
febre aftosa e estomatite vesicular: Tratamento Não existe tratamento específico e nem vacina contra a varíola bovina, somente terapia de suporte. Para o tratamento das lesões indica-se aplicação de solução iodada glicerinada 10% ou permanganato de potássio 3%; aguardar, no mínimo, 2 horas pós-tratamento para os bezerros serem amamentados. Antibioticoterapia é recomendada para prevenir infecções secundárias.
Profilaxia e controle Portanto, a adoção de medidas de biossegurança como quarentena (ao introduzir animais novos não colocar no mesmo piquete dos animais da propriedade), restrição de pessoas e veículos, proteção do alimento e da água fornecida aos animais (não atrair roedores, por exemplo), uso de luvas e currais sempre limpos são importantes para evitar a introdução de doenças no rebanho e contaminação do ambiente.
Literatura consultada Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br
Liria Hiromi Okuda possui
graduação em Medicina Veterinária pela Universidade Paulista (1994)
e mestrado em Epidemiologia Experimental Aplicada às Zoonoses pela
Universidade de São Paulo (2002). Atualmente é pesquisador
científico do Instituto Biológico, Centro de P&D de Sanidade Animal.
Tem experiência na área de Medicina Veterinária, com ênfase em Saúde
Animal (Programas Sanitários), atuando principalmente nos seguintes
temas: doenças virais da reprodução (IBR/IPV, BVDV), Febre Aftosa,
Estomatite vesicular, poxvirus, língua azul, leucose bovina e
neospora caninum.
Dados para citação bibliográfica(ABNT): OKUDA, L.H. Varíola bovina. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/variola/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 25/05/2009 |