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Mancha de Phaeosphaeria do milho

Gisèle Maria Fantin

A mancha foliar do milho, causada pelo fungo Phaeosphaeria maydis, ocorre no Brasil de forma generalizada há muitos anos. É ainda relatada na Índia, em alguns países da África e das Américas Central e do Sul e, mais recentemente, nos Estados Unidos. Também denominada de mancha branca ou pinta branca, esta doença, embora antiga no Brasil, ocorria apenas no final do ciclo das plantas e só foi observada em plantas mais jovens, com consequente redução da produtividade da cultura, a partir do final da década de 80  (6).

Pela sua ocorrência mais severa, estudos sobre a relação patogênica do fungo Phaeosphaeria maydis em plantas de milho começaram a ser realizados em nosso país. Em decorrência da dificuldade encontrada por pesquisadores no isolamento do patógeno e na reprodução dos sintomas da doença sob inoculação artificial, dúvidas foram suscitadas sobre ser este patógeno o agente causal da doença, atribuindo-a a alguns outros organismos, mas vários estudos realizados pelo Instituto Biológico têm demonstrado a patogenicidade deste fungo ao milho.


Identificação do patógeno

A identificação do fungo Phaeosphaeria maydis como agente causal da mancha de Phaeosphaeria em milho foi feita na Índia em 1965 (16). Muito anteriormente, no entanto, em 1902 (14), foi descrito um fungo encontrado no Estado de São Paulo, Brasil, ao qual se denominou Sphaerulina maydis, cujos sintomas produzidos em milho eram os mesmos que os observados na Índia. Estudos posteriores concluíram que a adequada classificação do fungo descrito no Brasil era como pertencente ao gênero Phaeosphaeria.

Este fungo produz estruturas de reprodução sexuada, que são pseudotécios, contendo em seu interior ascos com esporos do tipo ascósporos e, em sua fase assexuada, estruturas denominadas picnídios, contendo conídios. Sua forma assexuada, classificada como Phyllostica sp. (16), atualmente é denominada Phoma maydis (4).


Sintomas da mancha de Phaeosphaeria x sintomas assemelhados

Os sintomas da mancha foliar de Phaeosphaeria do milho, conforme descritos na Índia (16), iniciam-se como pequenas áreas de cor verde pálido ou cloróticas, as quais crescem, tornam-se esbranquiçadas ou com aspecto seco e apresentam margens de cor marrom. Estas manchas apresentam forma arredondada, oblonga, alongada ou levemente irregular, medem 0,3 a 2 cm e são distribuídas sobre a superfície da folha (Fig. 1). Pseudotécios e/ou picnídios podem ser vistos como pontos escuros sobre as lesões maduras.

Fig. 1 - Sintomas da mancha de Phaeosphaeria no campo.

As lesões produzidas pela mancha de Phaeosphaeria, por serem geralmente arredondadas, com frequência têm sido confundidas com várias outras manchas, originadas por causas diversas, com as quais apresentam certa semelhança. Os sintomas da mancha de Phaeosphaeria foram inicialmente confundidos com os de Bipolaris zeicola (16). Os sintomas desta doença podem, do mesmo modo, ser confundidos com aqueles causados por deriva de herbicidas à base de paraquat.

Também os sintomas produzidos sob inoculação artificial com a bactéria Pantoea ananatis (2) e com os fungos Phoma sorghina e Sporormiella sp. (1), citados como possíveis agentes causais alternativos ou associados à doença, vêm sendo confundidos com os da mancha de Phaeosphaeria. As diferenças destes sintomas com os da mancha de Phaeosphaeria são que a bactéria P. ananatis causa manchas elípticas, as quais seguem a direção das nervuras, P. sorghina produz manchas menores (0,2 cm) com amplo halo amarelado e Sporormiella sp., manchas com bordos difusos e halo claro. Daí a importância do correto reconhecimento das lesões características da mancha de Phaeosphaeria.



Obtenção de inoculações bem sucedidas de Phaeosphaeria maydis em milho

Para se realizar estudos de inoculação artificial sobre uma doença, antes de tudo é necessário conhecer a biologia do patógeno e o ambiente favorável à doença e à cultura. Foi verificado que o fungo P. maydis apresenta crescimento micelial bastante lento in vitro e sua faixa mais adequada de temperatura é de 20 a 22 oC (9). Ainda, em estudo envolvendo diferentes meios de cultura, considerou-se o meio de aveia o mais apropriado para a indução de esporulação deste fungo (8).

Utilizando as informações sobre cultivo e esporulação do patógeno, aliadas a observações sobre as condições favoráveis ao desenvolvimento da doença no campo, em estudos conduzidos em condições de casa de vegetação com inoculações do fungo Phaeosphaeria maydis em milho no Brasil, em 1997, realizou-se a conclusão dos postulados de Koch, com a reprodução de sintomas idênticos aos descritos na Índia em 1965, confirmando, novamente, ser este fungo o agente causal da doença (7). Este foi o primeiro relato de uma série de outros ensaios com inoculações bem sucedidas de P. maydis em milho em nosso país (5, 10, 11, 12, 13).

Nesses trabalhos, os sintomas iniciaram-se por manchas pouco aparentes foscas (sem brilho), com forma arredondada, oblonga ou levemente irregular e bordos bem definidos. Estas manchas podiam passar despercebidas até que se tornassem de cor verde-pardo escura, as quais evoluíram rapidamente para tons de verde mais claros, e em 1 a 2 dias atingiram uma coloração palha, com bordos escuros, típica da doença descrita na Índia, e idêntica às lesões observadas naturalmente no campo (Fig. 2). Picnídios foram observados em muitas das lesões com cerca de 15 dias de idade como pontos escuros no centro destas, de onde o fungo pôde ser reisolado (Fig. 3).

Fig. 2 - Sintomas em planta de milho inoculada com P. maydis. Fig. 3 - Detalhe de lesões com produção de picnídios em planta de milho.



Estudos de microscopia eletrônica com Phaeosphaeria maydis e com Pantoea ananatis

Em um estudo realizado em 2005, observou-se, em cortes ultrafinos de lesões iniciais pouco aparentes de plantas de milho inoculadas com P. maydis sob condições de casa de vegetação, uma profusa colonização pelo patógeno (15). As células do fungo geralmente apresentavam citoplasma denso quando ligadas às paredes da célula hospedeira, causando distorções nessas paredes. Formações vesiculares, ruptura de membranas, alterações nos cloroplastos e mitocôndrias e deposição de material amorfo eletrodenso no tecido do hospedeiro também foram encontradas, demonstrando a patogenicidade de P. maydis.

Por outro lado, a presença da bactéria Pantoea ananatis nos espaços intercelulares (3) foi observada em lesões verde escuras, com aspecto encharcado, em estágio posterior ao estudo realizado com P. maydis. Neste estágio, pelo colapso dos tecidos, é comum a invasão das lesões por contaminantes secundários. Nesse estudo apenas é citado que foi notada desorganização dos tecidos, mas não são detalhadas as alterações observadas.



Considerações finais

Por todo o exposto, está demonstrado o sucesso das inoculações do fungo Phaeosphaeria maydis em milho, causando a mancha de Phaeosphaeria. Deve-se atentar para o reconhecimento das lesões características da mancha de Phaeosphaeria, as quais são frequentemente confundidas com várias outras sintomatologias.

Estudos utilizando microscopia eletrônica de transmissão em lesões muito novas revelaram a presença unicamente de P. maydis, causando alterações celulares devido à sua patogenicidade. É, portanto, improvável que haja necessidade de associações deste patógeno com outros organismos para que a doença se manifeste.

Além disso, pelo fato da mancha de Phaeosphaeria tratar-se de uma doença foliar distribuída em extensas áreas geográficas, é também muito improvável que seja necessária a presença concomitante de dois ou mais organismos para viabilizar a formação de cada uma das lesões desta doença.


Bibliografia consultada

1. Amaral, A.D.; Dal Soglio, F.K.; Carli, M.L. de, Barbosa Neto, J.F. Pathogenic fungi causing symptoms similar to Phaeosphaeria leaf spot of maize in Brazil. Plant Disease, v.89, p.44-49, 2005.

2. Bomfeti, C.A.; Meirelles, W.F.; Souza-Paccola, E.A.; Casela, C.R.; Ferreira, A.S.; Marriel, I.E.; Paccola-Meirelles, L.D. Avaliação de produtos químicos comerciais, in vitro e in vivo no controle da doença foliar mancha branca do milho, causada por Pantoea ananatis. Summa Phytopathologica, v.33, p.63-67, 2007.

3. Bomfeti, C.A.; Souza-Paccola, E.A.; Massola Junior, N.S.; Marriel, I.E.; Meirelles, W.F.; Casela, C.R.; Paccola-Meirelles, L.D. Localization of Pantoea ananatis inside lesions of maize white spot disease using transmission electron microscopy and molecular techniques. Tropical Plant Pathology, v.33, p.63-66, 2008.

4. Carson, M.L. Vulnerability of U.S. maize germ plasm to Phaeosphaeria leaf spot. Plant Disease, v.83, p.462-464, 1999.

5. Fantin, G.M. Desenvolvimento de lesões da mancha de Phaeosphaeria maydis em plantas de milho inoculadas em diferentes idades. Summa Phytopatologica, v.25, p.38, 1999.

6. Fantin, G.M. Mancha de Phaeosphaeria, doença do milho que vem aumentando sua importância. O Biológico, v.56, p.39, 1994.

7. Fantin, G.M.; Balmer, E. Método de inoculação e evolução de sintomas da mancha foliar de Phaeosphaeria maydis em milho. Summa Phytopathologica, v.23, p.64-65, 1997.

8. Fantin, G.M.; Balmer, E.; Kimati, H. Esporulação in vitro de Phaeosphaeria maydis, agente causal de mancha foliar em milho. Fitopatologia Brasileira, v.21, p.356, 1996.

9. Fantin, G.M.; Balmer, E.; Pascholati, S.F.; Lucon, C.M.M. Influência da temperatura no crescimento micelial in vitro de Phaeosphaeria maydis. Summa Phytopathologica, v.22, p.61, 1996.

10. Fantin, G.M.; Bernardi, A.C.C.; Carmello, Q.A.C. Efeito de doses de nitrogênio na severidade da mancha de Phaeosphaeria do milho em casa-de-vegetação. Fitopatologia Brasileira, v.24, p.282, 1999. Suplemento.

11. Fantin, G.M.; Colletti, M.P.B.; Coutinho, A.S.V.A. Desenvolvimento de lesões da mancha de Phaeosphaeria maydis em cultivares de milho em casa de vegetação. Summa Phytopathologica, v.28, p.75, 2002.

12. Fantin, G.M.; Coutinho, A.S.V.A.; Colletti, M.P.B. Métodos de inoculação de Phaeosphaeria maydis em milho. Fitopatologia Brasileira, v.26, p.371, 2001. Suplemento.

13. Fantin, G.M.; Resende, I.C. Teste preliminar de inoculação de Phaeosphaeria maydis em plantas de milho em condições de campo. Fitopatologia Brasileira, v.24, p.282, 1999. Suplemento.

14. Hennings, P. Fungi S. Paulenses II a cl. Puttemans collecti. Hedwigia, v.41, p.295-311, 1902.

15. Nogueira, N.L.; Fantin, G.M.; Rossi, M.L.; Macedo, B.B. Observações ao microscópio eletrônico da infecção e colonização de tecidos foliares de plantas de milho por Phaeosphaeria maydis. Fitopatologia Brasileira, v.30, p.135, 2005.

16. Rane, M.S.; Payak, M.M.; Renfro, B.L.A. Phaeosphaeria leaf spot of maize. Indian Phytopatholy Society Bulletin, v.3, p.6-10, 1965.

Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Gisèle Maria Fantin possui graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz - ESALQ (1981), mestrado em Fitopatologia pela ESALQ (1988) e doutorado em Fitopatologia pela ESALQ (1997). Atualmente é pesquisador científico do Instituto Biológico, Centro Experimental Central. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitopatologia, atuando principalmente sobre: mancha de phaeosphaeria (Phaeosphaeria maydis), mancha de cercospora (Cercospora zeae-maydis), ferrugem comum (Puccinia sorghi), ferrugem polissora (P. polysora) e demais doenças da cultura do milho (Zea mays).
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/5932953033135209
Contato: gisele@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

SFANTIN, G.M.  Mancha de Phaeosphaeria do milho. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_2/Phaeosphaeria/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 19/06/2009

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