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Promoção de crescimento de plantas com o uso de Trichoderma spp.

Cleusa Maria Mantovanello Lucon

 

Breve histórico sobre o uso de microrganismos benéficos na agricultura

Os primeiros estudos sobre micro-organismos que causam efeitos benéficos em plantas foram realizados no início do século, mais especificamente em 1907 por Ashby, com a descoberta da capacidade de assimilação de nitrogênio atmosférico por alguns gêneros de bactérias de vida livre encontradas no solo. Alguns anos depois, em 1921, Hartley investigou o efeito da introdução de fungos benéficos em solo de viveiro para a proteção de plântulas de pinheiro contra o tombamento, causado por Pythium debaryanum. Em 1932, Weindling iniciou uma série de trabalhos de pesquisa para testar o potencial e estudar os mecanismos de ação de fungos do gênero Trichoderma. Ele descreveu em detalhes o micoparasitismo de hifas de Rhizoctonia solani por T. lignorum, incluindo o enrolamento ao redor da hifa, a penetração e a subsequente dissolução do citoplasma do patógeno. Mais tarde ele considerou a possibilidade de que, sob certas circunstâncias, T. lignorum competia por nutrientes com R. solani e, dois anos, depois relatou o mecanismo de antibiose no controle do patógeno, com a produção de um “princípio letal” pelo isolado.

Nas décadas que se seguiram, vários trabalhos bem sucedidos de controle de fitopatógenos por Trichoderma spp. continuaram atribuindo esse efeito aos mecanismos de competição, micoparasitismo, antibiose e, mais recentemente, indução de resistência.

Tipos de micro-organismos encontrados na rizosfera de plantas

A rizosfera (região onde o solo e as raízes das plantas entram em contato) apresenta um número elevado de micro-organismos que influenciam o crescimento e a produção das plantas. Portanto, de acordo com o efeito que causam, são classificados como prejudiciais, benéficos ou neutros. Os prejudiciais podem ser divididos, ainda, em duas categorias: patógenos menores e maiores.

Os patógenos menores, rizobactérias e rizofungos, são denominados de micro-organismos deletérios da rizosfera (MDR) e afetam as plantas sem parasitar seus tecidos, ou seja, sem causar sintomas típicos de doença (lesões, murchas e podridões) como ocorrem nas infecções causadas pelos patógenos maiores.

A patogenicidade dos MDR é difícil de ser demonstrada, pois seus efeitos nas plantas geralmente ficam restritos ao retardamento do crescimento de raízes e/ou brotos. Essa diminuição no crescimento foi relacionada à produção de substâncias que afetam a permeabilidade das células das raízes e/ou interferem nos processos fisiológicos das plantas ou, ainda, alteram o suprimento de íons, água e substâncias de crescimento.

Ao contrário dos patógenos menores, os micro-organismos benéficos possuem a capacidade de melhorar a germinação de sementes, o crescimento e a produção de plantas. Eles ocorrem de forma natural nos ecossistemas e, de certa forma, diminuem os efeitos prejudiciais causados pelos micro-organismos prejudiciais às plantas, evitando maiores perdas aos produtores.

A grande maioria não pode ser isolada ou multiplicada em laboratório por possuir associação(ções) estreita(s) com outros organismos ou exigências nutricionais complexas que não podem ser facilmente fornecidas em meio de cultura, embora algumas práticas agrícolas, como a adubação orgânica, possam estimular o aumento do número desses micro-organismos no solo.

Isolados de Trichoderma spp. promotores de crescimento de plantas

A promoção de crescimento de plantas pela aplicação de isolados de Trichoderma spp. foi inicialmente relacionada ao controle de micro-organismos prejudiciais presentes na rizosfera e/ou no solo. Mais recentemente tem sido relacionada à produção de hormônios ou fatores de crescimento; maior eficiência no uso de alguns nutrientes e aumento da disponibilidade e absorção de nutrientes pela planta.

Algumas linhagens de Trichoderma sp. aumentam a superfície total do sistema radicular, possibilitando um maior acesso aos elementos minerais nele presentes. Outras são capazes de solubilizar e disponibilizar para a planta o fosfato de rocha, ferro, cobre, manganês e zinco. Também podem melhorar os mecanismos ativos de absorção de cobre, fósforo, ferro, manganês, sódio, cobalto, cádmio, cromo, níquel, chumbo, vanádio, magnésio, boro, zinco e alumínio; bem como aumentar a eficiência da planta para utilizar alguns nutrientes importantes, como o nitrogênio.

Outro fator relacionado ao melhor desenvolvimento de plantas por isolados benéficos de Trichoderma spp. é o aumento da resistência aos estresses abióticos (p.ex.: umidade, pH, temperatura). Pesquisas apontam que plantas tratadas com esses agentes podem ter seu desempenho favorecido quando cultivadas em condições subótimas, ou seja, em condições estressantes .

Aplicação de Trichoderma spp. em plantas

Isolados de Trichoderma spp. podem ser introduzidos antes ou no momento do plantio da cultura de interesse. Recomenda-se que a aplicação seja realizada sempre de forma preventiva, principalmente quando o fator responsável pela diminuição do crescimento das plantas for associado à presença de patógenos menores e maiores no solo.

A introdução do agente benéfico, alguns meses antes do plantio da cultura de interesse, pode ser feita diretamente no solo ou em matérias orgânicas (resíduos de cultura, adubos verdes, compostos, etc) que serão posteriormente incorporadas. Neste caso o objetivo é reduzir, destruir ou inibir as estruturas de repouso de fitopatógenos e/ou MDR presentes, ou seja, reduzir o potencial de inóculo.

No momento do plantio, a aplicação de isolados de Trichoderma spp. pode ser feita nas sementes, no substrato de crescimento de mudas ou no sulco de plantio, antes do transplante das mudas. Isto para oferecer uma vantagem competitiva ao agente benéfico em relação aos patógenos presentes no solo.

Como mencionado anteriormente, os micro-organismos prejudiciais presentes no solo, em geral, encontram-se em estado de dormência e só crescerão quando estimulados pelos exsudados liberados pelas sementes ou raízes da planta. Portanto, o tratamento de sementes ou raízes com agentes benéficos pode evitar a infecção posterior por esses organismos.

O tratamento com Trichoderma spp. pode ser feito por recobrimento, imersão ou pulverização com as formulações encontradas no mercado. As principais formulações são suspensão concentrada, pó, grânulos ou pellets e emulsão de água em óleo.

Depois da cultura ter sido implantada, os organismos antagonistas podem ser aplicados por pulverização ou gotejamento. Isto porque, mesmo que o produto seja aplicado nas folhas, as suas estruturas propagativas irão se desenvolver somente no ambiente apropriado, como por exemplo nas raízes.

Fatores que determinam o sucesso da ação de Trichoderma spp.

Dentre os fatores importantes para a obtenção de bons resultados com a aplicação de Trichoderma spp. podem ser mencionados o uso de produtos biológicos de qualidade, dentro do período de validade e em doses apropriadas, seguindo todas as instruções de aplicação e armazenamento fornecidas pelo fabricante no rótulo do produto.

Atenção especial deve ser dada à escolha correta do bioproduto para se obter o efeito desejado, quer seja controle de fitopatógenos ou maior crescimento de plantas.

É importante mencionar que os produtos biológicos diferem grandemente dos químicos, pois não podem ser utilizados em áreas geográficas com condições ambientais e biológicas muito diferentes entre si. Isto porque, por serem organismos vivos, devem sobreviver, colonizar e se multiplicar na planta ou no ambiente onde serão aplicados para se obter os resultados esperados. Constata-se, assim, que a eficiência dos bioprodutos é afetada diretamente pelos fatores bióticos locais (organismos vivos presentes) e abióticos (tipo de solo, umidade, pH e temperatura), pois são produtos bem mais sensíveis e específicos quando comparados aos produtos químicos.

O Instituto Biológico possui uma coleção de culturas de fungos do gênero Trichoderma, provenientes de amostras de solo coletadas em diversas regiões do Estado de São Paulo, utilizada em pesquisas que visam melhorar o desenvolvimento de plantas (Fig. 1, 2 e 3) e controlar importantes fitopatógenos de solo, tais como Rhizoctonia solani, Pythium spp., Sclerotinia sclerotiorum e Fusarium spp. (Fig. 4, 5 e 6). A Instituição também presta serviços à comunidade pela análise da viabilidade, concentração e pureza de produtos comerciais formulados à base de Trichoderma spp. e pela identificação molecular de espécies do gênero.
 

 

Fig.1 - Ensaio de efeito de isolados de Trichoderma spp. no crescimento de plântulas de pepino.

Fig. 2 - Exemplo do efeito de isolados de Trichoderma spp. no crescimento de plântulas de pepino. Primeiro tratamento da esquerda é o controle que não recebeu nenhum isolado de Trichoderma sp.

Fig. 3 - Raízes colonizadas por Trichoderma spp.

 

 

Fig. 4 - Trichoderma spp. x Fusarium oxysporum f.sp. cubense, em meio BDA

Fig. 5 - Trichoderma spp. x Fusarium oxysporum f.sp. cubense, em solo de cultivo de bananeira.

Fig. 6 - Sintomas do Mal do Panamá

 

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Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Cleusa Maria Mantovanello Lucon possui graduação em Ciências Biológicas pelo Organizaçao Santamarense de Educação E Cultura (1984) , mestrado em Microbiologia Agrícola pela Escola Superior de Agricultura Luís de Queiroz (1992) e doutorado em Microbiologia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998). Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto Biológico - Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Vegetal. Tem experiência na área de Microbiologia , com ênfase em Microbiologia Aplicada. Atuando principalmente nos seguintes temas: controle biológico, Fusarium moniliforme, Zea mays.
Contato: mantova@biologico.sp.gov.br


Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

LUCON, C.M.M.  Promoção de crescimento de plantas com o uso de Trichoderma spp. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_1/trichoderma/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 26/01/2009

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