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Manejo do solo e a dinâmica da fauna edáfica (*)

Antonio Carlos Pries Devide

Cristina Maria de Castro

Em uma propriedade agrícola, o solo é um dos bens mais preciosos e o manejo adotado pode conservá-lo, melhorar suas propriedades físicas, químicas e biológicas. Mas também pode produzir erosão, perda de matéria orgânica e de nutrientes. O solo não é composto apenas por partículas minerais e orgânicas. Existem bilhões de organismos vivos em cada metro quadrado¹, interagindo com o manejo e definindo a qualidade desse recurso que deixamos para as gerações futuras.

A fauna do solo tem um importante papel na regulação dos sistemas agrícolas e, desde os anos 1980, vem sendo pesquisada no Brasil como indicador de sustentabilidade do manejo dos solos tropicais. Tem importante atuação nos processos de decomposição, mineralização e humificação de resíduos orgânicos; imobilização e mobilização de macro e micronutrientes; fixação de nitrogênio atmosférico; estruturação e agregação do solo e conseqüente conservação e regulação de pragas e doenças (auto-regulação)², beneficiando os sistemas de produção como um todo.

Caracterização da fauna do solo

A macrofauna do solo inclui mais de 20 grupos taxonômicos (minhocas, cupins, formigas, centopéias, tesourinhas, grilos, baratas etc.) que consomem solo (geófagos), matéria orgânica (humívoros), serapilheira (detritívoros), madeira (xilófagos), raízes (rizófagos), animais (parasitas/predadores) e fungos (fungívoros)³, com dimensões acima de 10,0 mm de comprimento e 2,0 mm de diâmetro. Os organismos que compõem a macrofauna do solo são denominados “engenheiros do ecossistema”², pois influem na disponibilidade de recursos para outros organismos, escavam, ingerem e transportam material mineral e orgânico do solo. Assim, produzem estruturas biogênicas e promovem a diversidade biológica de outros grupos tróficos.

A mesofauna inclui animais de 100 µm – 2,0 mm que habitam os espaços porosos do solo e não são capazes de criar galerias próprias4. São exemplos: colêmbolos, dipluras, proturas e enquitreídeos, que se alimentam da matéria orgânica, de animais menores (nematóides) e de microrganismos.

A microfauna (nematóides, protozoários, rotíferos etc.) inclui organismos de pequenas dimensões, visíveis ao microscópio, que habitam a lâmina d’água do solo. Sobrevivem pouco tempo, em excreções e restos culturais, alimentando-se de plantas e outros animais ou formando cistos³.

Métodos de amostragem da fauna do solo

A determinação da fauna do solo é realizada por meio de amostras de solo cujos métodos são específicos de acordo com o tamanho dos organismos que se deseja estudar. Para a mesofauna, são feitas coletas de solo indeformadas com auxílio de uma sonda (20,0 cm de altura e 5,6 cm de diâmetro). Extraído do cilindro, o solo é depositado sob funil com tela de 2,0 mm, recebendo radiação luminosa (lâmpadas) por sete dias consecutivos (figura 1) em uma estrutura denominada Berlese. A temperatura e a radiação estimulam a migração dos organismos que são capturados em frasco contendo álcool [70 %] localizado logo abaixo do funil5. Porém, a compactação pode limitar a amostragem, a retirada do solo do interior de cilindro e a migração dos organismos.

 

 

A macrofauna é determinada por meio do método TSBF (‘Tropical Soil Biology and Fertility’)6. Retira-se a amostra de serapilheira e as amostras do solo localizado na projeção do gabarito metálico (25 x 25 cm) (figura 2). As amostras de solo são separadas em camadas de 0-10, 10-20 e 20-30 cm de profundidade, destorroadas e reviradas manualmente em caixas plásticas. Com uma pinça é efetuada a captura dos organismos e a identificação feita ao nível de grupos taxonômicos (figura 4).

 

As armadilhas “pitfall” são utilizadas para a captura da meso e da macrofauna que atuam na interface solo-serapilheira. O método consiste na disposição de recipientes plásticos de 10 cm de altura por 10 cm de diâmetro ao nível do solo (figura 3) para que os animais, ao se locomoverem, caiam nos recipientes contendo formol. As armadilhas são retiradas no sétimo dia, identificando e contando os animais. Este método tem um caráter qualitativo4.

 

Cada método tem suas características próprias e uns são mais eficientes, de acordo com o grupo da fauna que se objetiva estudar. Porém, têm em comum a contagem dos indivíduos e o agrupamento, fornecendo os índices de riqueza (r) e diversidade.7

 

Avaliação dos métodos de coleta

 

Na Unidade de Pesquisa em Fauna do Solo, instalada no Setor de Fitotecnia do Pólo APTA Vale do Paraíba, os estudos sobre a fauna do solo estão auxiliando os projetos, cujo enfoque é o manejo conservacionista do solo em sistemas experimentais focados na produção sustentável de alimentos e bioenergia. A fauna está sendo utilizada como indicador ambiental, caracterizando os grupos de organismos associados à dinâmica da matéria orgânica e o grau de degradação dos solos em função do manejo. O treinamento técnico foi realizado no Laboratório de Fauna do Solo da Embrapa Agrobiologia (http://www.cnpab.embrapa.br/pesquisas/fauna_solo.html).

 

Os três métodos de coleta supracitados foram testados em um Latossolo vermelho amarelo de textura média argilosa, no Setor de Fitotecnia do Pólo APTA Vale do Paraíba, no âmbito do projeto “Plantio direto de mandioca no Vale do Paraíba – SP”, que tem o apoio financeiro da Fundação Agrisus.

 

As armadilhas pitfall (enterradas ao nível do solo) foram mais práticas, rápidas e eficazes na determinação de colêmbolos (mesofauna), formigas, cupins e cigarrinhas das pastagens (macrofauna).

 

O uso de sonda nas dimensões citadas não foi eficaz para o tipo de solo prospectado, limitando as determinações da mesofauna devido à impossibilidade de extração do solo do interior dos cilindros quando a umidade estava elevada. Sugere-se o uso de sondas com diâmetro superior a 10 cm e profundidade entorno de 10 cm de; retirando amostras compostas de 0-10 e 10-20 cm, com a umidade do solo no ponto de sazão, isto é, nem molhada nem seca demais (solo esboroando na mão).

 

O método dos monolitos, apesar de trabalhoso, foi o mais eficiente na determinação dos grandes grupos da macrofauna, em especial Oligochaetas (minhocas).

 

Considerações gerais

 

O planejamento do sistema de produção deve levar em conta a integração dos componentes vegetal, florestal e animal. Técnicas conservacionistas (plantio direto na palha, a rotação de culturas anuais, integração de plantas anuais e perenes, pastejo rotacionado, integração lavoura-pecuária, manutenção de corredores de vegetação, integração de espécies arbóreas no pastejo dos animais etc.) são ferramentas recomendadas para a manutenção do equilíbrio de populações de artrópodes. A fauna do solo é um importante instrumento biológico de avaliação de sistemas agropecuários sustentáveis e na recuperação de áreas degradadas8.

 

(*) Parte de palestra proferida no Pólo APTA Vale do Paraíba, em agosto/2008, referente à participação no 11º Encontro Nacional de Plantio Direto na Palha, Londrina-PR, de 02 a 04/07/2008. Teve o apoio da Fundação Agrisus – agricultura sustentável (www.agrisus.org.br).

 

¹ PRIMAVESI, A. Manejo Ecológico das Pastagens. Nobel. São Paulo, 95 p., 1984.

²LAVELLE, P.; BIGNELL, D.; LEPAGE, M.; WOLTERS, V.; ROGER, P.; INESON, P.; HEAL, O.W.; DHILLION, S. Soil function in a changing world: the role of invertebrate ecosystem engineers. European Journal of Soil Biology, v.33, p.159–193, 1997.

³ BROWN, G. G.; PASINI, A.; OLIVEIRA, L.J.; KORASAKI, V.; SAUTTER, K.D.; PEREIRA, S.D.; TORRES, H. A vida do solo no sistema plantio direto macro, micro e mesofauna, suas funções e importância. In: Canally & Cury. Resumos... ENCONTRO NACIONAL DE PLANTIO DIRETO NA PALHA, 11, Londrina: FEBRAPDP, Londrina, 2008. p. 97 – 105.

4 HEISLER, C.; KAISE, E.A. Influence of agricultural traffic and crop management on Collembola and microbial biomass in arable soil. Biology and Fertility of Soils, 19 (2-3): 159-165, 1995.

5 MOLDENKE, A.R. Arthropods. In: WEAVER, R.W.; ANGLE, S.; BOTTOMLEY, P.; BEZDICEK, D.; SMITH, S.; TABATABAI, A.; WOLLUM, A., eds. Methods of soil analysis: microbiological and biochemical properties. Madison: SSSA, 1994. Part 2. p.517-542.

6 ANDERSON, J. M.; INGRAM, J. S. I. Tropical soil biological and fertility: a handbook of methods. 2 ed. UNESCO, 1993. 221 p.

7 O índice de riqueza (r) é representado pelo número de grupos encontrados na comunidade e calculado por meio da fórmula:

r=S-1/logN

onde r=S/N; S=n° de grupos e N=n° de indivíduos.

O índice de diversidade de Shannon (H’), por exemplo, por meio da fórmula:

H’=∑pi.log pi

onde pi=ni/N; ni=densidade da cada grupo, N=∑ da densidade de todos os grupos, e densidade = número de indivíduos por m2; e a riqueza, que representa o número de grupos ocorrentes nas amostras.

8 Os autores agradecem a D.Sc Maria Elisabeth Fernandes Correia, pesquisadora da Embrapa Agrobiologia, pelo treinamento técnico (março/2008); e Stéfano Gongora Goçalo, graduando de Agronomia da UNESP Campus Experimental de Registro, pelo auxílio na coleta e caracterização da fauna do solo (janeiro/2008).

 

Origem: Apta Regional - www.aptaregional.sp.gov.br


Antonio Carlos Pries Devide  é  Pesquisador Científico da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - Pólo APTA Vale do Paraíba (APTA-SAA). Tem experiência na área de Agronomia - Fitotecnia, com ênfase em Sistemas Agroecológicos de Produção Vegetal, desenvolvendo a pesquisa científica nos seguintes temas: agricultura familiar, agricultura conservacionista, adubação verde, biofertilizante líquido, culturas oleaginosas, mandioca, agroecologia, sistemas agroflorestais e recuperação de áreas degradadas.
Contato:  
antoniodevide@apta.sp.gov.br

 

Cristina Maria de Castro  é Pesquisadora Científica da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios - Pólo APTA Vale do Paraíba (APTA-SAA). Trabalha em Projetos de Pesquisa na área de Fitotecnia e Fitossanidade avaliando sistemas de produção. Atua em projetos com oleaginosas (mamona e pinhão manso) para produção de biodiesel; em projetos conservacionistas de manejo do solo, plantio direto, cultivo mínimo, em rotação de culturas com cereais de inverno e, em projeto de fitopatologia com enfoque em melhoramento de arroz. É Doutora em Ciência do Solo, Mestre em Fitotecnia, Área de Concentração: Agroecologia.
Contato:  
cristinacastro@apta.sp.gov.br


Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

DEVIDE, A.C.P.; CASTRO, C.M. de  Manejo do solo e a dinâmica da fauna edáfica. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_1/ManejoSolo/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 30/01/2009

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