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DIAGNOSE DE UREDINALES (FERRUGENS)

por Christiane Ceriani Aparecido

            Recebem o nome de ferrugens as doenças fúngicas causadas por basidiomicetos pertencentes à Ordem Uredinales. Tais microrganismos são ditos, atualmente, parasitos ecologicamente obrigados uma vez que algumas poucas espécies puderam ser mantidas em laboratório graças ao desenvolvimento de culturas axênicas (CUTTER JR., 1959; COFFEY, 1975; KATSUHIRO & KATSUYA, 1985; MARTINS et al., 1995).
 

            Os fungos representantes da Ordem Uredinales apresentam alta especificidade em relação a seus hospedeiros, sendo capazes de infectar um grande número de plantas vasculares, cultivadas ou silvestres. Determinadas famílias botânicas, como Polypodiacea, Malpighiacea, Euphorbiaceae, Leguminosae, Pinaceae, Gramineae e Asteraceae são, particularmente ricas em hospedeiros para numerosos gêneros e espécies de ferrugens (CUMMINS, 1959, 1978; CUMMINS & HIRATSUKA, 1983, 2003). Devido a esta especificidade, a maior parte dos agentes causais de ferrugens, parasita apenas uma ou poucas espécies de plantas hospedeiras. Como, por exemplo, é o caso da ferrugem das Mirtáceas causada por Puccinia psidii Winter e a ferrugem de Capsicum spp. e ouras Solánéceas, causada por Puccinia pampeana Speg. Várias espécies consideradas como de distribuição mundial infectam plantas cultivadas, causando prejuízos significativos à agricultura.
 

            Estudos realizados no Brasil permitiram estimar a existência de, pelo menos, 3000 espécies de ferrugens no País (HENNEN et al., 1982). Destas, cerca de apenas 800 são conhecidas, sendo que muito pouco se sabe sobre a biologia e ciclos vitais destes importantes patógenos, como resultado da dificuldade de cultivá-los em laboratório.
 

            Com alguma experiência um fungo pode, freqüentemente, ser identificado como membro da Ordem Uredinales pelos sintomas exibidos pelo hospedeiro, resultantes da infecção, pelos sinais que correspondem às características das estruturas produtoras de esporos e dos próprios esporos produzidos pelo fungo. Muitas infecções podem ser determinadas, no campo, como causadas por ferrugem apenas pela observação a olho nu ou, ainda, pelo emprego de lentes manuais com magnificações entre 10 e 20X. Entretanto, as ferrugens produzem sintomas e sinais tão diversos que não existe uma característica única através da qual possam ser identificadas imediatamente, sem análises em laboratório. Para a identificação das espécies, várias características necessitam ser determinadas pelo uso de técnicas de microscopia estereoscópica, com magnificação entre 15-50X, e microscopia óptica.  A detecção de ferrugens no campo exige observações cuidadosas e pacientes, pois todas as anormalidades observadas nas plantas necessitam ser examinadas. Usualmente, após alguma experiência e treinamento, é possível determinar se uma anormalidade é ou não uma ferrugem. Os sintomas mais comuns são tipos variados de manchas foliares, pústulas sobre as quais se desenvolvem os soros, estruturas produtoras de esporos (Figuras 01A, B e C). Também, podem ocorrer galhas ou cancros, crescimentos anormais denominados vassouras de bruxa ou lesões em forma de pústulas. Quando alguns desses sintomas são encontrados, deve-se efetuar a coleta do material e um exame, utilizando-se lentes com aumentos de 10 a 20X, que pode revelar a existência dos soros.
 

Figura 01 – A e B – Superbrotamento e soros (sinais) de Puccinia pampeana sobre pimenta (Capscicum spp.). (fonte: Martha Maria Passador). C – Pústulas de Puccinia psidii sobre folhas de jambeiro – Syzygyum jambos (fonte: Christiane Ceriani Aparecido).

 

         O processo de identificação dos espécimes é iniciado pelo reconhecimento da identidade da planta hospedeira, observando-se também, os sintomas causados e seguindo-se ao estudo micológico, que incluí: observações de soros e esporos sob microscópio esteroscópico (lupa) e óptico, a partir da montagem de lâminas semi-permanentes em solução de lactofenol. Um mesmo espécime pode apresentar até cinco tipos de esporos: espermácias, eciosporos, urediniosporos (Figuras 02 e 03), teliosporos (Figura 04) e basidiosporos, os quais são produzidos respectivamente nas seguintes estruturas: espermogônios (Figura 05), écios, uredínios, télios e basídios. Mais raramente, pode haver um sexto tipo de esporo, o anfisporo que é morfologicamente e fisiologicamente semelhante a um urediniosporo, porém com paredes muito mais espessadas sendo, por este motivo, considerado estrutura de resistência. É importante ressaltar que cada esporo é produzido por uma estrutura diferente, sendo que a manifestação de cada uma ocorre em diferentes épocas do ano. Outra particularidade das ferrugens é que algumas espécies necessitam de dois hospedeiros não relacionados entre si para que seus ciclos vitais sejam completados, enquanto que outras são capazes de completar seu ciclo vital em um único hospedeiro. O conhecimento desta particularidade é importante pois conforme mencionado anteriormente, o processo de diagnose é iniciado pela identificação da planta hospedeira.
 

Figura 02 - Catenolopsora praelonga – urediniosporos (II). (Fonte: Mário Barreto Figueiredo).

Figura 03 - Puccinia cypery – urediniosporos (II), com poros germinativos (seta) e ornamentações na parede externa (Fonte: Christiane Ceriani Aparecido).

Figura 04 - Puccinia cnici-oleracei– teliosporos (III) bicelulares e pedicelados e paráfise (seta). (Fonte: Christiane Ceriani Aparecido).

Figura 05 - Puccinia pampeana – espermogônios (0), produzindo espermácias (fonte: Martha M. Passador).

 

         Posteriormente, as lâminas são aquecidas, o que facilita a saída de bolhas de ar e a absorção do lactofenol, clarificador fraco que mantém a preparação viável por algumas semanas. Também, podem ser realizados cortes de material vegetal em micrótomo de congelamento, seguindo-se a montagem de lâminas semi-permanentes e observação em microscópio ótico das características morfológicas de todas as estruturas esporíferas presentes, como ornamentação externa (Figura 06), coloração, espessura das paredes de urediniosporos e teliosporos, número e distribuição de poros geminativos (Figura 07), número de células que constituem os teliosporos, presença ou ausência de pedicelos (Figura 08). Também, devem ser realizadas medições das estruturas fúngicas de cada espécie.
 

Figura 06 - Ornamentações de esporos: A-C. equinulado; D-G. verrugoso; H. estriado verrugoso; I. listrado; J. tracejado; K. rugoso; L. labirintiforme; M. pseudoreticulado; N.reticulado (fonte: Cummins & Hiratruka, 2003).

 

Figura 07 - Alguns exemplos de localização de poros germinativos: A.poros dispersos ; B. poros equatoriais; C. poros bizonados; D. superequatorial, poros unizonados; E. poros unizonados basais; F. poros subequatoriais; G. Poros equatoriais com vesícula; H. poros equatoriais unizonados; I. poros equatoriais com ângulos laterais; J. poros equatoriais de espros em forma de helmo; K. poros unizonados de esporos elipsóides (fonte: Cummins & Hiratruka, 2003).Ornamentações de esporos: A-C. equinulado; D-G. verrugoso; H. estriado verrugoso; I. listrado; J. tracejado; K. rugoso; L. labirintiforme; M. pseudoreticulado; N.reticulado (fonte: Cummins & Hiratruka, 2003).

 

Figura 08 - Variações morfológicas de teliosporos (fonte: Cummins & Hiratruka, 2003).

 

            Existem gêneros que apresentam algumas estruturas idênticas do ponto de vista morfológico, podendo ser diferenciados somente pela germinação da estrutura. É o que ocorre, por exemplo, com os gêneros Aecidium (anamorfo) e Endophyllum (teleomorfo). O segundo possui uma estrutura esporífera, o teliosporo ecióide de aparência idêntica aos eciosporos do gênero Aecidium, que são unicelulares, catenulados, de coloração amarelo-ouro, sem pedicelo e envoltos por uma estrutura denominada perídio. Porém, as estruturas podem ser diferenciadas pela germinação, uma vez que os teliosporos do tipo Endophyllum germinam prontamente produzindo, cada um, quatro basidiosporos (Figura 09 – A e B), enquanto que os eciosporos produzem, apenas, um tubo geminativo (Figura 09C). Esta diferenciação pode ser feita coletando-se as estruturas com o auxílio de um pincel e colocando-as em lâminas escavadas contendo água destilada ou, pincelando-as sobre pequenos discos de ágar-água. Em ambos os casos, posteriormente, o material deve ser mantido sob câmara úmida a temperaturas em torno de 21ºC.
 

Figura 09 – Teliosporos ecióide (A) e telióide (B) germinando e produzindo basidiosporos (seta). C – Eciosporos germinando por meio de tubo germinativo (fonte: Martha M. Passador).

 

            Havendo necessidade de observações mais detalhadas da superfície das estruturas fúngicas pode ser utilizado o microscópio eletrônico de varredura (MEV), conforme técnica descrita por RESENDE & DIANESE (2002, 2003). Este equipamento possibilita estudos de espessura e ornamentação da parede, cor, tamanho e forma dos teliosporos e urediniosporos, características dos pedicelos dos teliosporos e o número e posição dos poros germinativos nos urediniosporos e paráfises.
 

            Para confirmação das espécies identificadas os resultados obtidos nos estudos micológicos devem ser comparados com espécimes depositados em herbários de referência. A diagnose é finalizada com consultas a bibliografias especificas do grupo, como por exemplo, o Índice das ferrugens (Uredinales) do Brasil (Arq. Inst. Biol., v. 49 (Supl.), 201 p.  1982), Illustrated Genera Rust Fungi, de CUMMINS & HIRATSUKA (2003), a tese intitulada Micota Uredinológica da Rserva Florestal “Armando de Salles Oliveira” (São Paulo, Brasil), de CARVALHO Jr. (2001) e índices de doenças, como Fungos em Plantas no Brasil, publicado pela EMBRAPA Recursos Genéticos e Biotecnologia (1998).
 

            A correta identificação do patógeno consiste no primeiro passo em direção ao posterior manejo da doença por ele causada.

 

BIBLIOGRAFIA CITADA E CONSULTADA

 

COFFEY, M.B. Obligate parasites of higher plants, particulary rust fungi.  Symp. Soc. Exp. Biol.., v. 29,  p. 297-323, 1975.

CARVALHO JR., A.A., MARTINS, E.M.F., FIGUEIREDO, M.B.  Cultura axênica de Melampsora epitea, ferrugem do chorão (Salix babylonica), a partir de urediniosporos.  Fitopat. Bras., v. 23, p. 379-85, 1998.

CARVALHO JR, A.A. Micota uredinológica da Reserva Florestal “Armando de Salles Oliveira” (São Paulo, Brasil). Tese (doutorado). Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências agronômicas, Botucatu, 2001.

CUMMINS, G.E. Illustrated Genera of Rust Fungi. Minneapolis Burges Publ. Co., 131p., 1959. 

CUMMINS, G.E. Rust Fungi on Legumes and Compositae in North America.  Tucson: Univ. Arizona Press., 1978, 424p.

CUMMINS, G.E. & HIRATSUKA, Y. Illustrated Genera Rust Fungi. Revision Edition.  Minnesota: Ed. The Am. Phytopath. Soc. St. Paul, 1983, 152p.

CUMMINS, G.E. & HIRATSUKA, Y. Illustrated Genera Rust Fungi. Third Edition.  Minnesota: Ed. The Am. Phytopath. Soc. St. Paul, 2003, 225 p.

CUTTER JR., V. M.  Studies on the isolation and growth of plant rusts in host tissue cultures and upon synthetic media I Gymnosporangium.  Mycologia, v. 51, p. 248-95, 1959.

HENNEN, J.F., HENNEN, M., FIGUEIREDO, M.B.  Índice das ferrugens (Uredinales) do Brasil.  Arq. Inst. Biol., v. 49 (Supl.), 201 p.  1982.

KATSUHIRO, A., KATSUYA, K.  Occurrence of different races during axenic culture of Puccinia recondita f. sp. tritici race 45.  Ann. Phytopat. Soc. Jap., v. 51, p. 421-5, 1985.

MACLEAN, D.J.  Axenic culture and metabolism of rust fungi.  In: SCOTT, K.J., CHAKRAVORTY, A.K.   The rust fungi.  Minnesota: Academic Press Inc. St. Paul, 1982.  p. 37-120.

MARTINs, e.m.f., carvalho jr., A.a., figueiredo, m.b.  Obtenção de cuturas axênicas esporulantes de Melampsora epitea Thüm, ferrugem do chorão (Salix sp), a partir de urediniosporos puros.  Arq. Inst. Biol., São Paulo, v. 62 (Supl.),  p. 58, 1995.

MORICCA, S., RAGAZZI, A.  Culture characteristics and variation of Cronartium flaccidum isolates.  Canadian Journal of Bototany, v. 74, p. 924-33, 1996.

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REZENDE, V. D., DIANESE, J. C. Aspectos taxonômicos de uredinales infetando leguminosas utilizadas na arborização urbana do distrito federal. Fitopatologia Brasileira, v. 27, n. 4, p. 361-371, 2002.

REZENDE, V. D., DIANESE, J. C. Revisão taxonômica de algumas espécies de Ravenelia em plantas leguminosas do Cerrado brasileiro. Fitopatologia Brasileira, v. 28, n. 1, p. 27-36, 2003.


Christiane Ceriani Aparecido possui graduação em Biologia Bacharelado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie (1998), mestrado em Agronomia (Proteção de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2001) e doutorado em Agronomia (Proteção de Plantas) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2005). Atualmente é pesquisadora científica do Instituto Biológico - Laboratório de Patologia de Sementes. Tem experiência na área de Microbiologia, com ênfase em Micologia, atuando principalmente nos seguintes temas: fungos fitopatogênicos, uredinales, biologia, etiologia e preservação de culturas fúngicas.
Contato:
christianeceriani@biologico.sp.gov.br


Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

APARECIDO, C.C.  Diagnose de Uredinales (ferrugens). 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_1/Diagnose/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 12/03/2009

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