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ADUBAÇÃO EM TEMPOS DE CRISE

 

Heitor Cantarella
Bernardo van Raij
José Antonio Quaggio

 

Nutrientes minerais tais como nitrogênio (N), fósforo (P), potássio (K), cálcio (Ca), magnésio (Mg), enxofre (S) etc, são essenciais para a produção agrícola, pois eles compõem cerca de 5% da massa seca das plantas. Assim, a cada colheita de grãos, frutas, hortaliças, fibras, madeira etc, parte dos elementos minerais retirados do solo é transportada para fora da fazenda. Como exemplo, uma tonelada de milho contém cerca de 30 kg nos nutrientes mais caros, N, P e K.

 

Se os nutrientes removidos pelas colheitas não forem repostos, ocorre um declínio gradativo da fertilidade do solo e, em conseqüência, da produtividade. Esses elementos devem ser repostos na forma de fertilizantes minerais ou orgânicos para manter a capacidade produtiva do solo. O nitrogênio é um caso especial. Para algumas culturas, especialmente as leguminosas como a soja e o feijão, parte do N pode vir da atmosfera por meio da fixação biológica promovida por microrganismos associados às plantas. Mas, para a maioria das plantas cultivadas, também o N tem que ser fornecido na forma de fertilizantes minerais ou orgânicos.

 

Para o bom aproveitamento dos nutrientes aplicados ou presentes no solo, o solo não pode ser muito ácido. Assim, além da adubação, é necessário fazer a calagem quando a acidez do solo é excessiva. O calcário, que tem a função de corrigir a acidez dos solos, tornando os nutrientes mais facilmente disponíveis para as plantas, também fornece nutrientes, tais como cálcio e magnésio. Além disso, o gesso, um produto que serve para atenuar os efeitos da acidez do subsolo sob as raízes das plantas, fornece cálcio e enxofre.

 

A agricultura moderna, pelos custos envolvidos para altas produtividades, não pode mais ser realizada sem a aplicação de elevadas quantidades de nutrientes e corretivos. O consumo do Brasil em fertilizantes do Brasil em 2007 foi, segundo a ANDA, de 11,0 milhões de toneladas de nutrientes. Isso representa em torno de 50,9 kg de nutrientes NPK por tonelada de produto agrícola, incluindo grãos, cana-de-açúcar, tubérculos, fibras e frutas.

 

O crescimento vertiginoso da demanda por fertilizantes nos últimos anos, puxado pelo consumo crescente da China, Índia, Brasil e vários outros países asiáticos fez com os preços desses produtos aumentasse muito no mundo todo. O reequilíbrio entre oferta e procura deve levar algum tempo, pois a fabricação de fertilizantes requer grandes investimentos industriais com longo tempo de maturação uma vez que os insumos utilizados para a produção de fertilizantes são rochas ou minerais naturais processados (para P e K, por exemplo) ou gás natural ou outros derivados de petróleo (para o N). Isso significa que os preços dos adubos devem continuar altos pelo menos por mais uma ou duas safras. Apesar dos preços das principais commodities estarem em patamares elevados, com algumas exceções como a cana-de-açúcar, a relação de troca entre fertilizantes e insumos versus produtos agrícolas se tornou desfavorável para os agricultores. Assim, muitos agricultores deverão cortar custos, especialmente com fertilizantes. Mas como reduzir o uso de um insumo essencial para o desenvolvimento das plantas como os fertilizantes sem prejudicar a produtividade?

 

1-Fazer análise do solo

O primeiro passo é fazer a análise do solo para ter um diagnóstico das necessidades específicas para produzir em cada gleba da propriedade e priorizar a aplicação dos nutrientes mais limitantes à produtividade, que são aqueles que darão os maiores retornos ao capital investido e, consequentemente lucro. Há muitos laboratórios de análise qualificados para oferecer um bom serviço, com métodos apropriados para os solos tropicais. A página do IAC na internet (www.iac.sp.gov.br) dispõe de uma lista de laboratórios que participam do Programa Interlaboratorial coordenado por aquele instituto e também tem detalhes sobre os métodos de análise e o modo de realizar a amostragem.

 

2- Corrigir a acidez do solo

O segundo passo é fazer calagem se o solo estiver ácido. A análise do solo também permite a obtenção de indicações seguras sobre o tipo e a quantidade de calcário a aplicar para as diferentes culturas.

 

Há dois aspectos importantes relativos à calagem: a) o preço do calcário, produzido e consumido localmente, não foi muito afetado pela crise dos fertilizantes e continua muito acessível ao produtor; b) o calcário ajuda a maximizar a eficiência de uso dos nutrientes pelas plantas. Desse modo, as plantas aproveitam melhor os adubos em solos com a acidez corrigida. Exemplo marcante da importância da calagem para o aumento da eficiência dos fertilizantes pode ser vista na tabela 1 que reporta os resultados de ensaio de longa duração conduzido pelo IAC nos anos 80 com a cultura do algodão em solos de cerrado. Sem a calagem a produtividade de algodão não foi suficiente para viabilizar economicamente a atividade, mesmo com doses muito elevadas de fósforo. Por outro lado, somente com a calagem a produtividade do algodoeiro foi muito boa, porque a correção da acidez do solo libera o fósforo nativo do solo que até então estava indisponível às plantas. Porém, o melhor resultado econômico foi obtido com a correção adequada do solo e doses ajustadas de fósforo.

 

 

Tabela 1. Produtividade de algodão (kg/ha de algodão em caroço) em função da aplicação de calcário e fósforo.

Calcário

Fósforo

Sem fósforo

Com fósforo

Sem calcário

400

843

3 t/ha calcário

1755

1983

6 t/ha calcário

2194

2495

 

Existem vários outros exemplos da importância da calagem nos ganhos de eficiência da adubação que não podem ser esquecidos, especialmente neste momento delicado que vive a agricultura brasileira em função do aumento acentuado nos custos dos fertilizantes.  Resultado marcante foi observado em outro ensaio conduzido pelo IAC com a cultura de milho em solo ácido do sul do Estado de São Paulo, conforme pode ser visto na figura 1. Na ausência da calagem, ou seja  com restrição ao crescimento do sistema radicular devido à acidez do solo, o milho não conseguiu absorver o nitrogênio aplicado reduzindo muito a eficiência do fertilizante.

 

Figura 1.  Área cultivada com  milho com a mesma adubação. As plantas menores da frente, estão em solo não corrigido com calcário.

 

 

3- Economizar adubo apenas com nutrientes menos limitantes

 Está bem estabelecido pela pesquisa que solos nos quais a análise revela teores médios ou altos de um determinado nutriente, respondem pouco ou nada à sua aplicação (Figura 2). Por exemplo, a produção de milho praticamente não foi alterada com a aplicação de potássio nos solos com teores altos ou médios desse nutriente. Isso significa que o agricultor poderá diminuir a aplicação do elemento com teor alto, sem prejuízos na produtividade, e reduzir seu investimento ou direcioná-lo para a aquisição de nutrientes mais críticos para aquele solo específico. O contrário acontece se o solo estiver deficiente (teores baixos ou muito baixos). Nesse caso, a aplicação do elemento em questão é importante para o aumento da produtividade e das chances de lucratividade com a atividade agropecuária.

 

Figura 2. Aumento de produção de milho em resposta à adubação com KCl em solos com diferentes teores de K.

 

 

4- Em médio prazo manter a fertilidade do solo

É preciso deixar claro, no entanto, que o agricultor que reduzir a adubação em solos com teores médios ou altos estará sacando de sua poupança de fertilidade do solo, ou seja, dos nutrientes acumulados devido a adubações feitas em anos anteriores. Porém, em anos de custos desfavoráveis, essa é uma opção perfeitamente válida. No futuro, com preços de fertilizantes mais acessíveis, ele poderá recompor a fertilidade a níveis adequados pois, produzir em solos muito pobres não só requer maiores doses de insumos como também os patamares de produtividade serão menores, mesmo com adubações mais pesadas, como ilustram os dados da Figura 3, derivado de pesquisa conduzida no IAC.

 

Figura 3. Em solos com baixa disponibilidade de P há resposta do milho à adubação, mas o patamar de produtividade é relativamente limitado. Em solos ricos (teores altos) as respostas são pequenas e a produtividade, mesmo sem adubo, tende a ser maior.

 

 

A analise do solo realizada periodicamente permite que o agricultor ajuste o manejo da adubação e da calagem de modo a não deixar a fertilidade do solo se deteriorar (os teores devem ser mantidos nas faixas médias e/ou altas) ou não desperdiçar recursos em insumos desnecessários (teores na faixa “muito alta” indicam que doses excessivas podem estar sendo aplicadas). Veja tabela 2 e 3.

 

 

Tabela 2. Limites de interpretação de teores de potássio, magnésio, fósforo e de enxofre em solos.

Teor no solo

Presina

K+ trocável

Mg++

S

Florestais

Perenes

Anuais

Hortaliças

 

 ------------------mg/dm3----------------

mmolc /dm3

mg/dm3

Muito baixo

0-2

0-5

0-6

0-10

0,0-0,7

-

-

Baixo

3-5

6-12

7-15

11-25

0,8-1,5

0-4

0-4

Médio

6-8

13-30

16-40

26-60

1,6-3,0

5-8

5-10

Alto

9-16

31-60

41-80

61-120

3,1-6,0

>8

>10

Muito Alto

>16

>60

>80

>120

>6,0

-

-

 

 

Tabela 3. Limites de interpretação dos teores de micronutrientes em solos.

Teor no solo

B

Cu

Fe

Mn

Zn

 

---------------------------- mg/dm3 ------------------------------

Baixo

0 – 0,20

0-0,2

0-4

0-1,2

0-0,5

Médio

0,21 – 0,60

0,3-0,8

5-12

1,3-5,0

0,6-1,2

Alto

> 0,60

>0,8

>12

>5,0

>1,2

 

Assim, a análise do solo facilita a tomada de decisão para a compra de insumos de modo a otimizar a produtividade e a lucratividade da lavoura, sem comprometer a fertilidade do solo.
 

Origem: Instituto Agronômico - www.iac.sp.gov.br


Heitor Cantarella possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1974), mestrado em Agronomia - Iowa State University (1981) e doutorado em Agronomia - Iowa State University (1983). Atualmente é pesquisador cientifico VI do Instituto Agronômico de Campinas, Editor Assistente da Sociedade Brasileira de Ciência do Solo, membro da Coordenação de Ciências Agrárias e Veterinárias da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em fertilidade do solo, adubação e nutrição de culturas, atuando principalmente nos seguintes temas: análise de solo, recomendações de adubação, eficiência de uso de fertilizantes, nitrogênio e calagem.
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/1489638551264369
Contao: cantarella@iac.sp.gov.br
 

Bernardo van Raij possui graduação em Agronomia pela Escola Nacional de Agronomia (1962) , doutorado em Agronomia (Solos e Nutrição de Plantas) pela Universidade de São Paulo (1967) , doutorado em Agronomy pela Cornell University (1971) e pós-doutorado pela Agricultural University Wageningen (1968) . Atualmente é Pesquisador voluntário do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Ciência do Solo. Atuando principalmente nos seguintes temas: Adubacao, Analise do Solo, Economia da Adubacao, Producao Relativa, Modelo quadrático.
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/8652702569258030
 

José Antonio Quaggio possui graduação em Agronomia pela Universidade Federal de Lavras (1977), mestrado em Solos e Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1983) e doutorado em Solo Nutrição de Plantas pela Universidade de São Paulo (1991). Atualmente é professor titular do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fertilidade do Solo e Adubação, atuando principalmente nos seguintes temas: análise de solo, citros, calagem, adubação e adubação de citros.
CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/7522535401526607
Contato:
quaggio@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CANTARELLA, H.; VAN RAIJ, B.; QUAGGIO, J.A.  Adubação em tempos de crise. 2009. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2009_1/Adubacao/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 16/03/2009

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