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FEIJÃO CARIOCA - UMA HISTÓRIA DE SUCESSO

por Eduardo Antonio Bulisani

INTRODUÇÃO

No início das décadas de 1970 e na de 1980 dois eventos causaram profundas mudanças na cadeia produtiva do nosso feijão Phaseolus vulgaris, com significativos efeitos tanto na área de produção (dentro da porteira) como nos demais segmentos desta cadeia alimentícia cujo produto ainda chega ao consumidor sem ter consistente agregação de valor, ou transformação.

 

A população brasileira mais que dobrou nestes últimos quarenta anos, entretanto a produção de feijão manteve-se estabilizada na maior parte do período, e como praticamente as quantidades importadas são irrelevantes, os brasileiros passaram por uma redução no consumo “per capita” bastante acentuada. Deve-se salientar que aconteceram novos arranjos sociais na população com adoção de novos hábitos, substituição de alimentos, a introdução de novos usos e costumes. A urbanização acelerada, a participação das mulheres como parcela da população economicamente ativa, dentre outros fatores, fez com que costumes tradicionais, como o coser alimentos em casa fossem trocados pela refeição fora de casa, especialmente os “fast food” e particularmente nos extratos mais jovens da população.

 

O feijão sem deixar de ser um elemento importante na agricultura de subsistência e na familiar, produtora em pequena escala, incorporou, entretanto, nestes últimos quarenta anos grandes avanços tecnológicos que propiciaram garantia de produção e abastecimento a preços compatíveis com a renda do trabalhador brasileiro, aliás, como quase todos os demais produtos da agropecuária e utilizados no mercado interno.

 

Os dois eventos citados foram: a) o lançamento e conseqüente adoção do feijão ‘carioca’ como substituto dos cultivares e variedades então em uso, no período 1968 -1973/74, e, b) o programa de feijão irrigado (Pró-Feijão) lançado em 1980 e sua imediata expansão no norte/oeste do estado de São Paulo. Ambos os eventos resultaram de um intenso e profícuo trabalho conjunto das equipes de pesquisa (IAC) e de assistência técnica (CATI) da Secretaria de Estado de Agricultura e Abastecimento.

O FEIJÃO CARIOCA

Até meados da década de 1970 tradicionalmente eram cultivados no Brasil feijões com tegumento de coloração única, sendo exemplos o rosinha, roxinho, jalo, amarelos, pretos, etc., e os de tegumento bicolor como os rajados e pintados (geralmente bege com vermelho), eram de muito pouca expressão e utilizados mais como produto hortícola para consumo como saladas.

 

O caráter tegumento bicolor, típico do feijão carioca, é relativamente comum em coleções do gênero Phaseolus, e especialmente na espécie Phaseolus vulgaris. Entretanto ele nunca tinha sido antes identificado ou considerado como material interessante para cultivo até meados da década de 1960, quando nos municípios de Ibirarema e Palmital, SP, amostras foram selecionadas em lavouras de ‘chumbinho opaco’ de cultivo comum na época e região.

 

Este material inicial identificado no campo pelo engenheiro agrônomo Wladimir C. Antunes da Casa da Agricultura de Ibirarema (CATI) chegou ao Instituto Agronômico em 1/08/1966 pelas mãos do Diretor da Delegacia Regional Agrícola de Presidente Prudente engenheiro agrônomo Jacob Toselo.

 

Introduzido oficialmente na coleção de plantas do Instituto Agronômico, recebeu o número I 38700, e como consta, foi introduzido como variedade ‘carioca’. As sementes recebidas foram encaminhadas à Seção de Leguminosas, então chefiada pelo Dr. Shiro Miyasaka que encarregou o engenheiro agrônomo Luiz D’Artagnan de Almeida de fazer a avaliação de desempenho do novel material.

 

Após avaliações preliminares foi comprovada a produtividade, a resistência às doenças prevalentes na época e as qualidades culinárias deste feijão e ele foi oficialmente apresentado pela primeira vez, em agosto de 1968 no Terceiro Encontro de Técnicos em Agricultura , realizado em Serra Negra, SP. Neste mesmo ano o cultivar carioca foi incluído no plano de produção de sementes da DSMM/CATI por indicação da Comissão Técnica de Feijão da SAA da qual o Dr. Shiro Miyasaka era presidente.

 

A produção de sementes genéticas e básicas, a seqüência de estudos levados a efeito nos primeiros anos da década de 1970, com intensa experimentação nas principais regiões produtoras e nas duas safras (águas e seca), confirmaram o desempenho inicial deste novo cultivar e para que isto acontecesse teve papel preponderante o engenheiro agrônomo Luiz D’Artagnan de Almeida, apropriadamente apelidado de “o pai do carioquinha”. Nesta fase, a estreita colaboração entre os técnicos da pesquisa (IAC) e da assistência técnica (CATI) permitiu a condução de centenas de ensaios e campos de demonstração e outras atividades de difusão e transferência de tecnologia que redundaram no reconhecimento e adoção da nova variedade, “o carioca” não só pelos produtores paulistas como também pelos de outros estados brasileiros. Tanto que já em meados dos anos 1970 o ‘carioca’ era o feijão mais cultivado e comercializado no Estado de São Paulo, e concomitantemente o mais consumido e aceito pelo mercado.

 

Passados dez a quinze anos de seu lançamento e difusão a notação técnica “cultivar carioca” já não mais poderia ser propriamente aplicada, pois os inúmeros programas de melhoramento genético vegetal brasileiros, usando o cultivar carioca como um dos parentais, disponibilizaram aos produtores e ao mercado consumidor algumas dezenas de novos cultivares “carioca” que foram substituindo o genoma inicial, cada qual com peculiaridades próprias, especialmente de produtividade, resistência a pragas e moléstias, e arquitetura de planta mais adequada à colheita mecanizada, porém mantendo os grãos a forma, cor e qualidade culinárias do material original.

O FEIJÃO SEMENTE

A seqüência deste rol de atividades de sucesso, que contribuíram para a modernização da feijoicultura paulista e brasileira foi um programa gestado nas áreas técnicas da Secretaria de Agricultura e Abastecimento nominado de “Pró Feijão Irrigado” lançado nos primeiros meses de 1980 e que preconizava o cultivo do feijão irrigado por aspersão, no norte -oeste do Estado, no período de outono/inverno terceira safra) e que foi inicialmente desenhado para resolver o problema da produção de sementes de feijão com qualidade adequada.

 

Temperaturas amenas e baixa umidade relativa do ar são fatores chave para a produção de sementes sadias de feijão. Mirando no alvo da semente sadia foi acertado o alvo de uma insegurança de safra causada por frustrações como (veranicos, excesso de chuva na colheita, epifitotias incontroláveis, etc.) que causavam elevadas flutuações na produção, abastecimento e preços, sendo comuns no período até importações de feijão e conseqüente comoção social.

 

Assim, em muito pouco tempo, o feijão semente tornou-se a terceira safra, bastante ponderável quanto ao volume e que veio normalizar a oferta de feijão novo ao mercado. De Guairá, SP, a capital do feijão irrigado, este tipo de cultivo expandiu-se para outras regiões avançando principalmente para Minas Gerais, Goiás e Bahia.

 

O Carioca e o feijão semente foram os dois principais eventos no bojo das mudanças tecnológicas que influenciaram decisivamente a produção e o abastecimento desta importante leguminosa alimentícia, tão cara aos brasileiros. Todos os processos produtivos foram influenciados pela modernização tecnológica afluente em todas as áreas do conhecimento e que levaram a aperfeiçoamentos produtivos, levando agora em consideração também a qualidade do produto que chega ao consumidor.

 

Assim, a substituição de pequenas áreas em cultivo por extensas lavouras de feijão introduz novas questões de processos produtivos, de aplicação de insumos, de colheita, de armazenamento, logística de transporte e especialmente de comercialização. A entrada de empresas empacotadoras abreviou os degraus de intermediação beneficiando o produtor e o consumidor, e isto foi possível em parte pelo cultivo hegemônico do carioca, possibilitando a formação de lotes compatíveis com a capacidade das indústrias e coerentes com o fluxo de consumo, houve uma salutar auto-regulação da produção possibilitando a existência de muitas sólidas empresas no setor.

 

Deve ser ressaltado entretanto que, se o carioca foi importante na vertente empresarial da feijoicultura brasileira, ele não deixou de representar um papel ainda mais importante para a agricultura de subsistência e o pequeno produtor que também se beneficiaram das vantagens intrínsecas do cultivar e daquelas extrínsecas relacionadas à generalizada modernização dos mais variados sistemas produtivos.

 

* Palestra proferida no IX CONAFE - www.conafe.com.br


Eduardo Antonio Bulisani é Pesquisador Científico aposentado do Instituto Agronômico - IAC/APTA. Atualmente é Diretor da Administração Superior da Agência Paulista de Tecnologia dos Agronegócios.

Contato: bulisani@apta.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

BULISANI, E.A.  Feijão carioca - uma história de sucesso. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_4/FeijaoCarioca/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 16/11/2008

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