O avanço do combate à febre aftosa em São Paulo
por
Ana
Paula Porfírio da Silva
Durante o último mês de maio ocorreu a primeira fase da campanha de vacinação contra a febre aftosa nos rebanhos de bovinos e bubalinos em São Paulo, em outros quatorze estados brasileiros e também no Distrito Federal, conforme determinado na Instrução Normativa n. 44/2007, que regulamenta as estratégias de vacinação sistemática para todas as unidades da federação. Foram vacinados nesse período 99,16% de um total de 11.575.759 de cabeças no estado paulista, segundo a Coordenadoria de Defesa Agropecuária do Estado (CDA), da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA). A vacinação, parte nacional do Plano Hemisférico de Erradicação da Febre Aftosa (PHEFA)1, tem por objetivo proteger os rebanhos suscetíveis à doença visando eliminação do vírus até 2009 em todo o continente sul-americano. No Estado de São Paulo, a CDA, da SAA, é a representante do sistema público responsável pelas estratégias e execução da campanha, que por sua vez é coordenada nacionalmente pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). O Estado de São Paulo detém um dos melhores índices de vacinação do rebanho, tanto em termos absolutos como quando comparado à média anual brasileira. Desde a segunda etapa anual da vacinação, em 2002, quando a cobertura vacinal chegou a 99,39%, o resultado sempre esteve a menos de 1% de alcançar a totalidade da população bovídea (Figura 1).
Pode-se considerar que a campanha tem evoluído satisfatoriamente no País, cujo tamanho do rebanho bovino é estimado em torno de 170 milhões de cabeças2, pois desde 1998, o índice de vacinação permanece acima dos 80%, que é o valor mínimo exigido pelo Ministério da Agricultura. O desempenho positivo é resultado de trabalho permanente liderado por competência legal pelos órgãos governamentais de execução da defesa sanitária, fundamentado em políticas públicas específicas para esse fim, e da efetiva participação da comunidade envolvida com as cadeias de carne e leite, o que denota a conscientização dos pecuaristas e da sociedade. A febre aftosa, nome popular dado à doença causada pelo vírus da família Picornaviridae, e internacionalmente conhecida como Food and Mouth Disease (FMD) é, dentre as epizotias que atingem os animais biungulados (de casco fendido), uma das mais combatidas em todo o mundo, em função da alta taxa de mortalidade entre as populações a ela suscetíveis, e que se aproxima dos 100%. Ainda endêmica na África subsahariana, Oriente Médio, partes da Ásia e na América Latina, a aftosa ocorre, esporadicamente, em áreas consideradas livres devido à alta susceptibilidade dos animais ao vírus e sua replicação em populações com níveis imunológicos diferentes. No Brasil, os tipos de vírus diagnosticados até hoje foram os tipos A, O e C, com destaque para o tipo O, responsável pelas recentes incidências na última década. A grande quantidade de tipos do vírus (A, O, C, SAT1, SAT2, SAT3, Asia1) e subtipos, aliada à alta variabilidade genética entre eles e rápida disseminação entre o rebanho, faz com que sua ocorrência seja preocupante por gerar impactos econômicos diretos e indiretos, a curto e médio prazo, com os prejuízos de: sacrifício dos animais doentes e conseqüente perda dos investimentos para sua produção; isolamento da área; restrição para exportação entre outras medidas dispendiosas, que se refletem negativamente por toda a cadeia. Verifica-se também a relação entre a doença e a queda de 30% a 40% da produção do leite e 20% a 30% da produção da carne, sem considerar a mortalidade das crias. Na parte de comercialização, toma-se como exemplo a proibição das exportações para a União Européia, que, por sua vez, se reflete na criação de barreiras por parte de outros mercados, enfim, as conseqüências se estendem por toda a cadeia sempre negativamente. O primeiro caso registrado de aftosa no Brasil foi em 1895, resultante do tráfego de animais trazidos da Europa onde ocorrera uma grande epidemia. O efetivo combate à doença teve início em 1919, com a aprovação de um Código de Política Sanitária definido pelo Ministério da Agricultura. Em 1951, foi proposto o primeiro plano de combate à doença durante a 1ª Conferência Nacional de Febre Aftosa e que não obteve o sucesso previsto devido a recursos financeiros escassos e à qualidade da vacina. Em 1963, criou-se a Coordenação de Combate à Febre Aftosa, de âmbito nacional. Em 1965, o Rio Grande do Sul foi a primeira unidade da federação a implantar um programa específico de combate à doença, exemplo seguido pelos demais estados do Sul, Sudeste, Bahia, Sergipe, Mato Grosso e Goiás. Em 1967, São Paulo deu início à sua Campanha de Combate à Aftosa e desde março de 1996 não registra casos da doença em seu território. Em outubro de 2005, a notificação de um foco no município de Eldorado, no Estado do Mato Grosso do Sul, seguido de aparecimento do vírus no Paraná veio a público com repercussão acentuada. O episódio acarretou a suspensão do reconhecimento de zona livre com vacina para vários estados, além dos que apresentaram o vírus. Além dos Estados com ocorrência comprovada foram suspensos os reconhecimentos de: São Paulo, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Distrito Federal, Bahia, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Tocantins e Sergipe. Os Estados de São Paulo, Paraná e Mato Grosso do Sul, que compõem 22% do rebanho nacional, além de perderem o status sanitário, ficaram proibidos de exportar carne in natura para a União Européia a partir de então. Estima-se que durante a suspensão das vendas, São Paulo deixou de vender U$1,5 bilhão; a Secretaria da Agricultura do Paraná (SEAB) avalia a perda de receita de seu estado em U$300 milhões; e segundo a Federação da Agricultura e Pecuária do Mato Grosso do Sul, o valor que deixou de exportar é próximo de U$1 bilhão. Para efeito de comparação, somente o montante calculado por São Paulo é superior ao valor de todas as exportações do agronegócio brasileiro para o MERCOSUL no 1º semestre de 2008 (Figura 2). Fonte: Elaborada pela autora a partir de dados do MAPA e SAA. Contudo, o verdadeiro prejuízo não tem condições de ser contabilizado, pois a este montante agrega-se o desgaste da imagem da carne e da credibilidade brasileira convenientemente explorada pelos concorrentes externos, e que acaba tornando o valor real das perdas imensurável. São Paulo conseguiu, em maio deste ano, restabelecer a condição de estado livre de aftosa com vacinação, outorgada pela Organização Mundial de Saúde Animal (OMSA)3 e que estava suspensa desde o registro da doença de outubro de 2005. A Comissão Científica da OIE avaliou a documentação referente ao controle da doença nas zonas4 1 e 2, e restaurou o status de zona livre com vacinação para todos. Em junho, foi vez de o estado paulista, juntamente com o Paraná, conseguir a liberação para exportação de carne bovina para o bloco europeu, por decisão do Comitê Veterinário Permanente da DG-Sanco5, pondo fim ao embargo que começara há 32 meses e que deixou uma lacuna econômica equivalente a 4,23% do valor de todas as exportações do agronegócio paulista para o mesmo período6. Durante esse período, que compreendeu a restrição, as ações de combate em São Paulo que já se mostravam eficientes continuaram avançando. Houve informatização dos sistemas de informação e controle do rebanho; incremento da quantidade de técnicos, recursos físicos e financeiros por parte da CDA. Foram criados corredores sanitários novos e as fiscalizações de barreiras intensificadas; ações de monitoramento epidemiológico passaram a ser rotineiras, com o intuito de fornecer respaldo científico necessário para controle da circulação viral. O governo estadual instituiu o Programa São Paulo Sanidade Risco Zero, que tem por objetivo estabelecer um novo modelo de controle de sanidade que contemple também os processos de produção. Enfim, o conhecimento sobre a doença é fato, bem como a existência de ações contínuas de embate que são executadas com eficácia reconhecida. Políticas públicas de sanidade são severas e exercidas com anuência da comunidade de forma ágil, com os resultados levados a público e positivos à sociedade. Em linguagem comum, freqüentemente utilizada, inclusive por autoridades que versam sobre o tema, o Estado de São Paulo 'faz a lição de casa'. No entanto, o estado, que é reconhecido pela iniciativa em segurança e que mantém a sanidade de seu rebanho mesmo sendo corredor de exportação de mais de 70% da carne brasileira para o exterior, fica mais de dois anos penalizado, impedido de comercializar seu próprio produto por entraves burocráticos e regulamentações antigas, que precisam ser revistas com urgência, como a necessidade de reclassificação dos circuitos pecuários. São Paulo tem por
característica liderar a busca de soluções de forma dinâmica, de
acordo com a realidade, porém, existem outros fatores que
comprometem a agilidade e resultados melhores, mas que fogem da
competência regional. Enquanto persistirem, cabe aos agentes que
sentiram todas as conseqüências desse imbróglio manterem firme o
desejo de que o bom exemplo do estado seja exportado para outras
esferas. 1Disponível em: <http://www.agricultura.gov.br/portal/page?_pageid=
33,7281835&dad=portal&_schema= PORTAL>. Acesso em : 3
jul. 2008. Origem: Instituto de Economia Agrícola - IEA - www.iea.sp.gov.br. Publicado originalmente na Revista Análises e Indicadores do Agronegócio, Volume 3, n. 8, agosto/2008.
Ana
Paula Porfírio da Silva
possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (1996). Possui experiência em gestão de
vendas. Atualmente é Pesquisador Científico do Instituto de Economia
Agrícola na área de Gestão de Pesquisa e Desenvolvimento e Processos
Inovativos.
Dados para citação bibliográfica(ABNT): Porfírio, A.P. da O avanço do combate à febre aftosa em São Paulo . 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_4/aftosa/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 06/10/2008 |