Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com Avaliação da aderência ao pedicelo das bagas de algumas variedades de uva de mesa*
Leandro
Hespanhol-Viana[1] Eliemar Campostrini[4]
Uma característica importante na
descrição de cultivares de uvas, especialmente as de mesa, é a
chamada aderência ao pedicelo, a qual reflete a força com que a baga
é retida ao pedicelo na ráquis. De forma geral, os autores
referem-se a ela usando escalas expeditas de simples avaliação
direta, comparativa, sem mensuração. As próprias entidades
envolvidas na descrição de recursos genéticos de videira, como o
IPGRI, a UPOV e a OIV (IPGRI..., 1997) utilizam escala comparativa,
estabelecendo nota 3 para separação muito fácil (equivalente ao grau
1 da OIV), como na Isabel, e nota 1 para separação difícil
(equivalente ao grau 7 da OIV), como na Carignan. Autores italianos,
por outro lado, preferem expressar a característica de forma menos
subjetiva. Colapietra et al. (1995) descrevem método de mensuração
do que chamam carga de separação. O equipamento para a determinação
da carga de separação da baga do pedicelo é baseado no princípio de
uma carga progressiva atuando em tração sobre o pedicelo de uma baga
de uva ancorada. Tal carga é constituída por uma massa de água
corrente de modo contínuo de um reservatório supra-elevado até o
ponto crítico em que, destacando-se de um golpe o pedicelo, o fluxo
líquido resulta automática e tempestivamente interrompido. A
avaliação da massa permite expressar a carga em gramas. Segundo
esses autores, essa característica avalia a aptidão da variedade ao
transporte, característica muito importante para a uva de mesa,
destinada com freqüência a atingir centros de comercialização muito
distantes. Citam que a predisposição para a separação da baga do
pedicelo é elemento de avaliação da aptidão da variedade para o
cultivo e o transporte e que esta característica depende da origem
genética do material, mas é também influenciado pelas técnicas
agronômicas tais como irrigação, adubação e o emprego de giberelina.
A aderência ao pedicelo depende também
do estado de maturação da uva e da presença ou ausência de sementes.
A maior parte das uvas apirenas é caracterizada pela ausência ou
presença reduzida do “pincel” motivo pelo qual têm uma predisposição
genética à separação da baga do pedicelo (queda de bagas).
Colapietra et al. (1995) verificaram notável diferença entre as uvas
com sementes e as apirenas no tocante à carga necessária para
separação da baga do pedicelo. A recomendação do IPGRI, da UPOV e da
OIV é que este descritor seja obtido na fase de desenvolvimento
identificada pelo estádio 89 na escala proposta por Lorenz et al.
(1994), a qual equivale a bagas maduras para colheita.
É interessante observar na Figura 1,
as fases de crescimento da baga acompanhando uma curva dupla
sigmóide, que auxilia a discussão (Kennedy, 2002) e na Figura 2 as
partes anatômicas da baga (Kennedy, 2002).
Em videira, o déficit hídrico pode comprometer o número e peso das bagas (Perez Peña, 2004). Durante a fase I (até 40 dias após o florescimento), o efeito da limitação de água na videira promove maior flutuação hídrica diurna na planta e o efeito desta flutuação hídrica sobre o tamanho da baga é mais pronunciado nesta fase I do que na fase III (Perez Peña, 2004). Este maior efeito da limitação hídrica na fase I pode ser explicado em parte pelas características e pela dinâmica das conexões dos vasos do xilema do pedúnculo. Estas conexões são parcialmente funcionais próximo ao final da fase II (fase lag até veraison). No final desta fase, inicia-se um estiramento e/ou quebra da camada de células periféricas do xilema, o que promove a redução do abastecimento de água e nutrientes minerais para as bagas. Entretanto, após a alteração na mudança de cor da baga (veraison), a camada axial de células do xilema aparentemente permanece funcional por algum período. Uma vez que a conexão xilemática no pedúnculo é rompida, o abastecimento de água e nutrientes minerais do ramo para as bagas, aparentemente torna-se comprometido. Greenspan et al. (1992) mostraram que, durante a fase III, a água entra na baga principalmente via floema. Contudo, na fase III, ainda existe uma controvérsia sobre o exato mecanismo de transporte de água para a baga. Entretanto, os experimentos, em que se utilizaram corantes, mostraram que após a fase em que se tem o início da coloração das bagas (veraison) o xilema estava intacto. Contudo, o movimento da água foi paralisado na base da baga. Em outro trabalho, antes e após o início da coloração das bagas (veraison), houve diferenças na plasticidade, mas não na elasticidade das células da epiderme da baga. Estas diferenças nas propriedades da epiderme podem ter contribuído acentuadamente na reduzida flutuação do tamanho da baga durante a fase III.
Variedades estudadas
Para o estudo usaram-se cachos de uva colhidos de lote experimental implantado no Colégio Agrícola Antonio Sarlo, município de Campos dos Goytacazes, RJ. De três cachos ao acaso, foram usadas amostras de 12 bagas. As variedades foram: Roberta, híbrido de quinta geração obtido no Instituto Agronômico de Campinas (IAC 1726-3), de uvas brancas; Romana, clone do programa de melhoramento do Arkansas com a sigla A1105, de uvas brancas sem sementes; Niagara Rosada, tradicional cultivar de uva rosada, muito cultivada no Brasil; Isabel, da espécie Vitis labrusca, uva mais cultivada no Brasil, com as finalidades de vinho, suco ou mesa; Itália, cultivar de uva vinífera de mesa mais cultivada no Brasil, de bagas brancas; Rubi, mutação somática de Itália, da qual difere apenas pela coloração rosada das bagas; Rosalinda, mutação de Patrícia (IAC 871-41), híbrido do programa de melhoramento do IAC, da qual difere pela coloração menos acentuada das bagas.
Método de Avaliação
Diferentemente de Colapietra et al.
(1995) que aplicaram carga progressiva atuando em tração sobre o
pedicelo de uma baga de uva ancorada, no presente trabalho a ráquis
é que foi ancorada, presa firmemente em suporte. Em seguida,
aplicou-se sobre cada baga (uma de cada vez) um pequeno cesto de
plástico (Figura 3). O cesto foi amarrado em quatro pontos para
distribuição uniforme da força de separação. Os fios foram amarrados
a um penetrômetro Fruit Pressure Tester modelo FT011 no qual ficava
registrada a força aplicada no momento da separação, com os dados
expressos em kgf, transformados em newtons (N) para fins de análise
da variãncia. O teor de sólidos solúveis foi avaliado como média de
três cachos de cada variedade e expresso em °Brix por refratômetro
de campo, para permitir o conhecimento do grau de maturação.
Resultados Na tabela 1 são mostrados os resultados obtidos na avaliação.
Tabela 1. Resultados médios obtidos para aderência ao pedicelo das bagas de algumas cultivares de uvas para mesa.
Médias seguidas pela mesma letra não diferem entre si a 5% de probabilidade, pelo teste de Tukey
Itália, Rosalinda e Rubi
apresentaram a maior aderência ao pedicelo, diferenciando-se de
Roberta, Romana, Niagara Rosada e Isabel. Não houve diferenças
dentro de cada um desses dois grupos. As três primeiras são
cultivares que apresentam boa qualidade pós-colheita, característica
muito relacionada com a aderência ao pedicelo. Rosalinda, mutação de
Patrícia, apresenta, portanto, como ela, excelente aderência ao
pedicelo, expressa também pela ótima conservação na própria planta,
mesmo em condições de colheita debaixo de chuvas. Pessanha (2007)
relatou que ‘Patrícia’ apresentou elevado teor de cálcio, não
diferindo de ‘Rosalinda’, mas superior a outras cultivares
estudadas, o que pode explicar em parte a excelente resistência
dessas cultivares às chuvas de verão, mantendo as bagas íntegras.
Roberta não é cultivada comercialmente, possivelmente pelo que
mostrou aqui: baixa aderência ao pedicelo e baixo teor de sólidos
solúveis. Romana é uva apirena e como tal, conforme já afirmaram
Colapietra et al. (1995), era de se esperar que apresentasse
necessidade de menor carga para separação da baga do pedicelo. Em
outras avaliações com o mesmo método de Colapietra et al. (1995),
percebe-se nitidamente a diferença na característica de algumas
cultivares com sementes de outras apirenas, em que Redglobe,
reconhecida mundialmente como de bagas com maior aderência ao
pedicelo apresentou carga de 1.327,3 g, Victória, 844,0 g e Itália,
686,0 g, comparadas com Superior Seedless, 432,0 g e Centennial
Seedless, 361,3 g (Azienda Il Castello, 2007). Niagara Rosada e
Isabel são muito bem conhecidas pelas suas fracas características
ligadas à qualidade de armazenamento e transporte, principalmente
pela fraca aderência ao pedicelo, fato muito bem comprovado pelos
dados ora apresentados. Na própria identificação do descritor para
essa característica IPGRI..., 2007), Isabel é indicada como exemplo
de cultivar com separação de bagas do pedicelo mais fácil.
Mitchell (1979) correlacionou a força
requerida para remover uma baga do seu pedicelo com o conteúdo de
sólidos solúveis na baga, usando quatro cultivares de V.
rotundifolia. As quatro cultivares exibiram correlação inversa
entre a força e o TSS, indicando que a força necessária para separar
a baga do pedicelo diminui na medida em que a baga amadurece. No
presente estudo, as determinações do teor de sólidos solúveis não
foram objeto de verificação mais detalhada, de forma que as
observações servem apenas para dar idéia do grau de maturação, não
se evidenciando correlação entre esses dados e os de aderência ao
pedicelo.
Considerando a importância
da característica na qualidade pós-colheita das uvas, algumas
pesquisas têm sido levadas a cabo na tentativa de aumentar a
aderência da baga. Yun Deng et al. (2007) investigaram uvas de mesa
Kyoho submetendo-as ao ambiente ou 80% O2 a 0°C em 95% de
UR por 60 dias. Durante o armazenamento, a separação ocorreu na
indentação baga-pedicelo e a camada de abscisão estendeu-se
gradualmente do floema lateral para o floema total e a medula,
formando cavidades intercelulares e levando à queda da baga. A força
de separação das bagas (FDF) declinou acompanhada por um acréscimo
na queda das bagas. A abscisão da uva foi correlacionada com o
aumento na atividade de hidrolases, em particular a celulase (Cx) e
poligalacturonase (PG), em zonas de abscisão. Em contraste ao
armazenamento no ambiente, a alta concentração de O2
inibiu a atividade de Cx, PG e pectinesterase (PE) ocorrendo o
reverso para peroxidase (POD), quando decresceu o grau de inchaço e
distorção das paredes das células de abcisão e tendeu a manter alta
a força de aderência da baga e reduzir a queda de bagas. O mecanismo
inibitório de alta concentração de O2 sobre a queda de
bagas possivelmente possa ser explicado pelo fato de que o desmonte
das células da zona de abscisão foi retardado por um impacto
sinergístico sobre enzimas de degradação cujas atividades foram
afetadas pelos altos níveis de O2.
A aplicação de Ca e auxina na
pré-colheita proporcionam aumento do teor desse elemento na zona de
abscisão, reduzindo a atividade das enzimas poligalacturonase (PG) e
pectinametilesterase (PME) e a perda de resistência da degrana
(queda acentuada das bagas) por retardarem senescência dos tecidos
na cultivar ‘Niágara Rosada’ que apresenta elevadas perdas
pós-colheita devido a degrana (Cenci e Chitarra, 1994). Lima et al.
(2001), aplicaram Ca pré-colheita, durante a maturação da uva
‘Itália’, conseguindo aumentar o teor de cálcio total e solúvel no
engaço e na baga, sem que ocorresse incremento do cálcio insolúvel
no engaço e na baga. Já Moura et al. (2006) estudaram o efeito de
cinco doses de cálcio 0; 0,5; 1,0; 1,5; 2,0 % aplicados na época
maturação das uvas e do ácido naftalenoacético aplicado um dia antes
da colheita de Niagara Rosada. Verificaram que não houve efeito do
CaCl2 e ANA nas características dos cachos, porém ANA foi
eficiente na redução da degrana após armazenamento dos frutos sob
temperatura ambiente ou sob refrigeração o que não foi observado com
o uso do CaCl2. Pela simplicidade de aplicação e a significância dos resultados, a determinação da aderência ao pedicelo, da forma como aqui descrita, pode ser aplicada em programas de melhoramento da videira e até mesmo em fase final de seleção de cultivares, dando objetividade à avaliação de tão importante característica.
Referências AZIENDA Il Castello. Produtos. Disponível em: www.aziendailcastello.com. Acesso em 14/8/2007. CENCI, S.A., CHITARRA, M.I.F. Controle da abscisão póscolheita de uva ‘Niágara Rosada’ (Vitis labrusca L. x V. vinifera L.): mecanismos decorrentes da aplicação de ANA e cálcio no campo. Revista Brasileira de Fruticultura, Cruz das Almas, v. 16, n.l,p.146-155, 1994. COLAPIETRA, M.; TARRICONE, L.; TAGLIENTE, G. Determinazione delle caratteristiche morfo-produttive dei vitigni di uva da tavola. L’Informatore Agrario, Verona. v. 51, n. 49 (suplemento), p. 5-34. 1995. IPGRI, UPOV, OIV. 1997. Descriptors for Grapevine (Vitis spp.). International Union for the Protection of New Varieties of Plants, Geneva, Switzerland/Office International de la Vigne et du Vin, Paris, France/International Plant Genetic Resources Institute, Rome, Italy. KENNEDY, J. Understanding grape berry development. Winegrowing, Practical Winery and Vineyard, San Rafael. Julho/agosto 2002, p. 1-5. LIMA, M.A.C., ASSIS, J.S., ALVES, R.E., COSTA, J.T.A., MELO, F.I.O. Influência do cálcio nas características físicas e no teor de cálcio durante desenvolvimento e maturação da uva ‘Itália’. Pesquisa Agropecuária Brasileira, Brasília, v. 36, n. 1, p. 97-103, 2001. LORENZ, D. H.; EICHHORN, K.W.; BLEI-HOLDER, H.; KLOSE, R.; MEIER, U.e WEBER, E. Phänologische Entwicklungsstadien der Weinrebe (Vitis vinifera L. ssp. vinifera). Vitic. Enol. Sci. 49, 66-70. 1994. MITCHELL, E.N. Correlation of the Force Required to Pick Rotundifolia Berries and Their Soluble Solids Content. Am. J. Enol. Vitic. 1979, v. 30, p. 135-138. MOURA, M.F.; TECCHIO, M.A.; TERRA, M.M. ; CIA, P. ; HERNANDES, J.L. ; BENATO, E.A.; SIGRIST, M.M.J.; PIRES, E.J.P.; BETTIOL NETO, J.E. Influência do ácido naftalenoacético e do cloreto de cálcio na redução da degrana em uva Niagara Rosada cultivada em Jales. In: XIX Congresso Brasileiro de Fruticultura, 2006, Cabo Frio-RJ. Frutas do Brasil:Saúde para o mundo. Palestras e resumos. Viçosa-MG : JARD Editora, 2006. v. 1. p. 284. PEREZ PEÑA, J.E. Whole-canopy photosynthesis and transpiration under regulated deficit irrigation in Vitis vinifera L. cv. Cabernet Sauvignon. PhD Thesis, Washington State University. 2004. 234p. PESSANHA, P.G.O. Extração de nutrientes em folhas e bagas de genótipos de videira cultivados no Norte Fluminense. Tese (Mestrado). Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense. 2007. 74p.
*Artigo publicado
originalmente no Jornal da Fruta, Lages, v. 15, n.º192 (novembro), p.
2-3. 2007. [1] Doutorando, Universidade Estadual do Norte Fluminense – UENF, Campos dos Goytacazes, RJ; lehespanhol@yahoo.com.br [2] Professor Visitante, UENF, celso@uenf.br [3] Professor Associado, UENF, pirapora@uenf.br [4] Professor Associado, UENF, campost@uenf.br
Dados para citação bibliográfica(ABNT): Hespanhol-Viana, L.; Pommer, C.V.; Viana, A.P.; Campostrini, E. Avaliação da aderência ao pedicelo das bagas de algumas variedades de uva de mesa. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_3/UvaMesa/index.htm>. Acesso em: Publicado no Infobibos em 19/08/2008 |