Infobibos - Informações Tecnológicas - www.infobibos.com Caracterização da “mistura” na pesca de arrasto de parelha no Estado de São Paulo* Marcelo Ricardo de Souza Marcus Henrique Carneiro Gustavo Quirino-Duarte Gilberto José de Melo Servo
A frota de arrasto de parelha contribui com mais de 60% da captura de peixes demersais no Estado de São Paulo, desembarcando principalmente nos municípios de Santos e Guarujá.1;2 Esta pescaria é reconhecida como ativa e multiespecífica, e de difícil ordenamento por capturar um grande número de espécies com parâmetros populacionais inter-relacionados, necessitando de constantes estudos.2,3,4
Nos desembarques, observa-se a separação do pescado de duas formas distintas: uma corresponde às categorias de espécies de valor comercial e outra, à categoria denominada “mistura”, composta por espécies de baixo valor comercial, bem como indivíduos de pequeno porte das espécies comercialmente importantes.2
Desde o primeiro registro de controle da produção pesqueira marinha para o estado de São Paulo, em 1944, a “mistura” contribuía de forma significativa nos desembarques, ficando atrás apenas da sardinha.5
Para o período de julho de 1958 a junho de 1959, registrou-se o volume de 1.915 toneladas de “mistura” desembarcado em Santos. Deste, 75% foi desembarcado pela frota de parelha.6 Para esta frota, a captura de “mistura” entre 1990 a 1995 representou mais de 20%7; em 1998, 48%, e em 1999, 66%.8
Neste trabalho, procurou-se analisar a composição da “mistura” desembarcada pela frota de parelha no Estado de São Paulo, bem como avaliar sua importância nos desembarques totais. As informações permitiram estimar a participação das espécies, bem como o incremento na produção extrativa total do Estado.9
Foram acompanhados 24 desembarques que representaram 12% dos desembarques da frota de parelha no período (2001 a 2002). A frota avaliada atuou entre as profundidades de 10 e 55 metros e distâncias da costa de 3 a 30 milhas náuticas. Cada viagem teve em média 10 dias de pesca, com 4 lances/dia e duração média de 4 horas e 23 minutos cada lance, realizados no período diurno e noturno. O limite de atuação das parelhas amostradas foi entre a Ilha Diâncola (RJ) (20°20’S) e Itajaí (SC) (26°50’S), mantendo-se dentro dos limites de atuação da frota.10,11 A frota atuou mais na área entre a Ilha de Bom Abrigo e a Ilha da Vitória, sendo a região de Bom Abrigo identificada como uma das principais regiões de desova para várias espécies da família Sciaenidae, alvos da frota de parelha.2
Resultados Estudos verificaram a relação entre a captura da “mistura” e a proximidade da costa, explicado pelo fato de as embarcações rejeitarem-na quando a pescaria ocorria a grandes distâncias, pelo seu baixo valor comercial e custo da viagem.6 Tal fato não é observado nos desembarques atuais. A maior aceitação no mercado consumidor, aliada ao declínio dos rendimentos das espécies de interesse, tornou a “mistura” uma alternativa para melhorar a rentabilidade, evidenciando a exaustão dos estoques costeiros tradicionais que antes sustentavam as pescarias.
O peso total amostrado foi de 481,5 kg, representados por 3.287 indivíduos de 58 espécies, pertencentes a 25 famílias. Das famílias identificadas, Sciaenidae foi a mais representativa em número de espécies (n=14), seguida da Carangidae (n=8). Estas duas famílias se apresentam como as mais representativas em estudos anteriores.12,13
Em relação à contribuição em peso, M. furnieri e M. americanus representaram mais que 50% do total amostrado. No caso de M. furnieri, verifica-se que sua importância aumentou consideravelmente, podendo estar relacionada ao aumento dos desembarques de indivíduos de pequeno porte e à diminuição da rejeição no cruzeiro de pesca, dado o declínio das capturas de recursos tradicionais na última década (tabela 02).
Com base no percentual de IRI (tabela 02), apenas três espécies tiveram valores acima de 5%: M. furnieri (43,7%), M. americanus (34%) e P. paru (8,6%). Em estudo anterior, seis espécies passaram os 5%: M. americanus (24,8%), C. nobilis (15,5%), M. furnieri (14,7%), Larimus breviceps (10,2%), Pomadasys corvinaeformis (9,8%) e Orthopristis ruber (7,2%).2 Isto mostra que, apesar de a categoria “mistura” ainda ser composta por um número expressivo de espécies, poucas possuem alta representatividade.
A categoria “mistura” desembarcada pela frota de parelha é composta por grande número de espécies. Porém M. furnieri, M. americanus e P. paru são dominantes, representando 71% em número de indivíduos e 68% em peso do total amostrado.
A presença de M. furnieri e M. americanus, em grande quantidade nesta categoria, mostra a necessidade da inclusão de suas capturas discriminadas nos sistemas de controle de produção. Assim, evitam-se subestimações nas análises e melhora-se o nível das informações que subsidiam as tomadas de decisões do manejo dos recursos pesqueiros e das pescarias.
Muitas espécies presentes na “mistura”, quando em grande quantidade ou de grande porte, são desembarcadas de forma isolada. Das 58 espécies identificadas, 35 foram desembarcadas pela frota de parelha como categoria isolada no período de estudo.17 A tabela 3 mostra o resultado da relação entre a captura da espécie na “mistura” e no desembarque isolado. Os maiores valores de produção total estimada foram de Corvina (2212 toneladas), Betara (868 t.) e Goete (799 t.), estando as demais categorias abaixo de 100 toneladas. Com relação à estimativa na “mistura”, destacam-se os valores encontrados para a Corvina (292 t.), Betara (226 t.), Gordinho (71 t.), Bicuda (33 t.), Paru (33 t.), Corcoroca (17 t.), Roncador (13 t.) e Enchova (13 t.).
Muitas espécies podem ser consideradas como exclusivas da “mistura”, obtendo um alto percentual de incremento (>90%) quando considerada a produção total. Mas, considerando que estas espécies possam estar sendo capturadas por outras frotas, a pressão sobre o recurso pode estar sendo subestimada.
Entre 1958 e 1962, os percentuais de corvina e goete na produção total chegaram no máximo a 5,69% para a corvina e 0,82% para o goete.14 No estudo atual, estes valores foram de 13,2% para a corvina e 0,78% para o goete. No caso de um recurso como a Corvina, este valor pode representar um aumento expressivo a ser considerado para finalidade de avaliação do estoque.
Devido aos valores do IRI e do peso obtidos por M. furnieri e M. americanus na categoria, foi realizada uma análise de comprimento a fim de verificar indivíduos abaixo do comprimento médio de primeira maturidade (L50). Para M. americanus, o percentual de indivíduos abaixo do L50=188 mm18 foi de apenas 4,3%, enquanto para M. furnieri 78,6% encontravam-se potencialmente imaturos, considerando o L50=269 mm 19, o que representa de peso 69,4% (201 t.) do total desembarcado na “mistura” durante o período de junho de 2001 a maio de 2002.
Um fator que deve ser levado em consideração nas medidas de avaliação de estoque e ordenamento pesqueiro é a presença de indivíduos imaturos na “mistura”, principalmente para espécies como M. furnieri que, além de ser alvo da frota de parelha, são capturadas por diversas outras frotas.
Considerações finais A avaliação do trabalho como um todo permite concluir que a presença de grande quantidade de espécies de interesse comercial de pequeno porte propiciou que a categoria “mistura” adquirisse maior importância em relação à sua aceitação no mercado consumidor. Isso fez com que muitas vezes a categoria se tornasse alvo das pescarias na falta de um pescado de melhor valor comercial, estabelecendo-se entre as principais categorias de pescado desembarcado pela frota de parelha. Por fim, a falta de discriminação das espécies na composição da categoria “mistura” gera distorções na estatística pesqueira. Assim, monitoramentos contínuos devem ser realizados no sentido de subsidiar, com melhores informações, medidas de ordenamento pesqueiro e a avaliação dos estoques. 17
1 VALENTINI, H. ; CASTRO, P M.G. de; SERVO, G.J. de M.; CASTRO, L.A.B. de. 1991 Evolução da pesca das principais espécies demersais da costa sudeste do Brasil, pela frota de arrasteiros de parelha baseada em São Paulo, de 1968 a 1987. Atlântica, Rio Grande, 13(1): 87-95. 2 CASTRO, P.M.G. de. 2000. Estrutura e dinâmica da frota de parelhas do Estado de São Paulo e aspectos biológicos dos principais recursos pesqueiros demersais costeiros da região sudeste/sul do Brasil (23º - 29ºS). São Paulo. 261p. (Tese de Doutorado, Instituto Oceanográfico, USP). 3 KOTAS, J.E. 1991 Análise dos desembarques da pesca industrial de arrasteiros de parelha sediados nos municípios de Itajaí e Navegantes (SC) durante o ano de 1986. Atlântica, Rio Grande, 13 (1): 97 – 105. 4 HAYES, M.L. 1985 Active Fish Capture Methods. In: Fisheries Techniques. American Fisheries Society, p.123 – 145. 5 VIEIRA, B.B.; CARVALHO, J. de P.; SILVA, A.G. da; BRAGA, A. da S.; RAMOS, F.A.; MAIA, M.M.; BARKERS, J.M.B. 1945 Anuário da Pesca Marítima no Estado de São Paulo, Sec. da Agricultura, Indústria e Comércio. Dept. Produção Animal, 122p. 6 RICHARDSON, I.D.; MORAES, M.N. 1960. A first apprisal of the landings and mechanism of the Santos fishery. Bolm. Inst. Oceanogr. Universidade de São Paulo, 11 (1): 5-85.
7 CASTRO, P.M.G. de; CARNEIRO M.H.; SERVO, G.J. de M.; COELHO, J.A.P.; MUCINHATO, C.M.D.; LIMA, C.E. 1998. Avaliação da importância da categoria “mistura” nos desembarques de arrasteiros de parelha de São Paulo, no período 1990 a 1995 In: Reunião Anual do Instituto de Pesca, 7., 14-17/abr./1998, São Paulo. Resumos: 68. 8 CARNEIRO, M.H.; FAGUNDES, L.; ÁVILA-DA-SILVA, A.O.; SERVO, G.J.M. 2000a. Produção Pesqueira Marinha do Estado de São Paulo: 1998-1999. Instituto de Pesca. São Paulo. Ser. Relat. Téc. 01, 10p. Disponível em: <ftp://ftp.sp.gov.br/ftppesca/propesq98-99.pdf>. Acesso em: 13 ago. 2004. 9 Para chegar aos resultados, foram coletadas amostras mensais da categoria “mistura”, obtidas por meio de visitas aos terminais pesqueiros de Santos e Guarujá, entre junho de 2001 a maio de 2002. Em laboratório, o material foi identificado, sendo registrado o comprimento total (mm) e o peso (g). A partir das informações coletadas foi aplicado o Índice de Importância Relativa (IRI) de PINKAS (1971, apud ZAVALA-CAMIN, 1996), visando categorizar em importância as principais espécies presentes na “mistura”: IRI=%FO(%Pt+%N), onde %FO: freqüência de ocorrência relativa da espécie nos desembarques; %Pt: porcentagem do peso total (g) da espécie em relação ao peso total; %N: porcentagem do número de indivíduos da espécie em relação ao total de indivíduos amostrados. Com os valores absolutos de IRI, pode-se chegar ao percentual por espécie (%IRI) utilizado como parâmetro para as comparações entre as espécies. Apenas as espécies com %FO > 25% foram selecionadas para estudos posteriores. A fim de avaliar a representatividade das espécies em relação aos seus desembarques totais no período, foram utilizadas informações de produção, obtidas pela Unidade Laboratorial de Referência em Controle Estatístico da Produção Pesqueira Marinha do Instituto de Pesca e realizada.
10 CARNEIRO, M.H.; FAGUNDES, L.; ÁVILA-DA-SILVA, A.O.; SOUZA, M.R. de 2000b Ambientes marinhos explorados pelas frotas pesqueiras de Santos e Guarujá (SP). In: Simpósio Brasileiro de Ecossistemas, 5., Vitória, 10-15/out./2000. Anais... v.1, p. 83-91 11 CASTRO, P. M. G. de; CARNEIRO, M. H.; SERVO, G. J. de M; MUCINHATO, C. M. D.; SOUZA, M. R. 2003 Dinâmica da pesca de arrasto de parelha do Estado de São Paulo. IN: (Eds.) CERGOLE, M.C. & ROSSI-WONGTSCHOWSKI, C.L.D.B. Análise das principais pescarias comerciais do sudeste-sul do Brasil: Dinâmica das frotas pesqueiras. Programa REVIZEE/MMA/SECIRM/FEMAR. p. 65-115. 12 COELHO, J.A.P.; CASTRO, P.M.G. de; SALLES, R.; MIRANDA, D.B. 1995 Aspectos quali-quantitativos da categoria “mistura” nos desembarques da frota de parelhas de Santos. In: Encontro Brasileiro de Ictiologia Pontifícia Universidade Católica de Campinas – ICB, 11., 06-10/fev./1995, Campinas - SP. SBI/PUCCAMP/Petrobrás. Resumo: 12-13. 13 YAMAGUTI, N. 1985 Projeto “Mistura”: estudo da “mistura” sob aspecto qualitativo e quantitativo. 36ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência. 4-11/jul./1984. São Paulo, USP. Resumos: 687. 14 NOMURA, H. 1965 On the species composition of the trash fish landed at Santos, South Brazil. Anais Academia Brasileira de Ciências, Rio de Janeiro, 37 (Suplementos): 240-6. 15 CASTRO, P.M.G. de; COELHO, J.A.P.; LIMA, C.E. de; MUCINHATO, C.M.D. 1996 Composição e importância das espécies de peixes que compõem a categoria “mistura” nos desembarques de parelha de Santos (SP) para o ano de 1994. In: Simpósio de Oceanografia, 3., 1996, São Paulo. Anais... São Paulo: IO/USP. Resumos:111 16 SOUZA, M.R. de; QUIRINO-DUARTE, G.; CARNEIRO, M.H.; MUCINHATO, C.M.D.; SERVO, G.J. de M. 2003 Composição da Categoria “Mistura” capturada pelas frotas pesqueiras de arrasto desembarcadas em Santos e Guarujá, SP. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE PESQUISAS AMBIENTAIS E SAÚDE, 3., 21-23/jul./2003, Santos-SP. 1 CD-ROM. p.91 – 94. 17 ESTATÍSTICA PESQUEIRA. 2004 In: Instituto de Pesca/APTA/SAA/SP. Pesquisa Online. Disponível em: <http://www.pesca.sp.gov.br/estatistica/index.php>. Acesso em: 13 ago. 2004. 18 TUTUI, S.L. dos S.; BASTOS, G.C.C.; TOLEDO, F.G. de; BRAGA, F.M. de S. 2004 Aspectos reprodutivos da betara (Menticirrhus americanus) capturada pela pesca dirigida ao camarão-rosa. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE OCEANOGRAFIA, SEMANA NACIONAL DE OCEANOGRAFIA, 16, 10-15/out./2004, Itajaí-SP, Resumos. p.95. 19 CARNEIRO, M.H.; CASTRO, P.M.G. de; TUTUI, S.L. dos S.; BASTOS, G.C.C. 2005 Micropogonias furnieri (Desmarest, 1823) – Estoque Sudeste. In: Análise das principais pescarias comerciais da região sudeste-sul do Brasil: Dinâmica populacional das espécies em explotação (Eds. CERGOLE, M. C.; ÁVILA-DA-SILVA, A. O.; ROSSI-WONGTSCHOWSKI, C. L. del B.) São Paulo. Série Documentos Revizee: Score Sul. p. 94 – 100.
*A
versão
completa deste artigo foi publicada no Boletim do Instituto de Pesca, V.
33, n.(1), 2007. Marcelo Ricardo de Souza Pesquisador do APTA Pólo Extremo Oeste
Marcus Henrique Carneiro Pesquisador do Instituto de Pesca (IP-APTA)
Gustavo Quirino-Duarte Pesquisador da ONG Central de Orientação Desenvolvimento e Apoio da Pesca Responsável
Gilberto José de Melo Servo Pesquisador do IP-APTA
Dados para citação bibliográfica(ABNT): SOUZA, M.R. de; CARNEIRO, M.H.; QUIRINO-DUARTE, G.; SERVO, G.J.M. Caracterização da “mistura” na pesca de arrasto de parelha no Estado de São Paulo . 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_3/PescaArrasto/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 10/09/2008 |