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Soros e Vacinas

Henrique Moisés Canter
José Abílio Perez Junior
Hisako G. Higashi
Rosalvo R. Guidolin
 

No final do século XIX, a descoberta dos agentes causadores de doenças infecciosas representou um passo fundamental no avanço da medicina experimental, através do desenvolvimento de métodos de diagnóstico e tratamento de doenças como a difteria, tétano e cólera. Um dos principais aspectos desse avanço foi o desenvolvimento da soroterapia, que consiste na aplicação no paciente de um soro contendo um concentrado de anticorpos. A soroterapia tem a finalidade de combater uma doença específica (no caso de moléstias infecciosas), ou um agente tóxico específico (venenos ou toxinas).

 

O Dr. Vital Brazil Mineiro da Campanha, médico sanitarista, residindo em Botucatu, consciente do grande número de acidentes com serpentes peçonhentas no Estado, passou a realizar experimentos com os venenos ofídicos. Baseando-se nos primeiros trabalhos com soroterapia realizados pelo francês Albert Calmette, desenvolveu estudos sobre soros contra o veneno de serpentes, descobrindo a sua especificidade, ou seja, cada tipo de veneno ofídico requer um soro específico, preparado com o veneno do mesmo gênero de serpente que causou o acidente.

 

Já em São Paulo, Vital Brazil identificou um surto de peste bubônica na cidade de Santos em 1898. Iniciou, então, em condições precárias, o preparo de soro contra essa doença em instalações da Fazenda Butantan. Essa produção iniciou-se oficialmente em 1901, dando origem ao Instituto Serumtheráphico de Butantan, nome original do Instituto Butantan. Controlada a peste, o Dr. Vital Brazil deu prosseguimento à preparação de soros antiofídicos nesse Instituto, para atender ao grande número de acidentes com serpentes peçonhentas, já que o Brasil era um país com grande população rural, na época, tendo, ainda, Vital Brazil iniciado a produção de vacinas e outros produtos para a Saúde Pública.

 

Soros & vacinas são produtos de origem biológica (chamados imunobiológicos) usados na prevenção e tratamento de doenças. A diferença entre esses dois produtos está no fato dos soros já conterem os anticorpos necessários para combater uma determinada doença ou intoxicação, enquanto que as vacinas contêm agentes infecciosos incapazes de provocar a doença (a vacina é inócua), mas que induzem o sistema imunológico da pessoa a produzir anticorpos, evitando a contração da doença. Portanto, o soro é curativo, enquanto a vacina é, essencialmente, preventiva.

 

O BUTANTAN E A PRODUÇÃO NACIONAL DE SOROS

Em 1984 foi lançado o Programa de Auto-Suficiência Nacional em Imunobiológicos, para atender à demanda nacional por esses produtos e tentar eliminar a necessidade de importação. Para tanto, foram realizados investimentos em instalações e equipamentos para os laboratórios, contando com a colaboração do Ministério da Saúde.

No Instituto Butantan, além do investimento na produção, percebeu-se a importância do investimento em pesquisas & desenvolvimento, e criou-se o Centro de Biotecnologia, visando o desenvolvimento de novas tecnologias para a produção de soros e vacinas e de novos produtos.

Toda a produção de imunobiológicos (o Instituto Butantan produz cerca de 80% dos soros e vacinas utilizados hoje no País) é enviada ao Ministério da Saúde, e por ele redistribuída às secretarias de Saúde dos Estados.

 

A PRODUÇÃO DE SORO

Os soros são utilizados para tratar intoxicações provocadas pelo veneno de animais peçonhentos ou por toxinas de agentes infecciosos, como os causadores da difteria, botulismo e tétano. A primeira etapa da produção de soros antipeçonhentos é a extração do veneno - também chamado peçonha - de animais como serpentes, escorpiões, aranhas e taturanas. Após a extração, a peçonha é submetida a um processo chamado liofilizacão, que desidrata e cristaliza o veneno. A produção do soro obedece às seguintes etapas:

1.O veneno liofilizado (antígeno) é diluído e injetado no cavalo, em doses adequadas. Esse processo leva 40 dias e é chamado hiperimunizacão.

2.Após a hiperimunizacão, é realizada uma sangria exploratória, retirando uma amostra de sangue para medir o teor de anticorpos produzidos em resposta às injecões do antígeno.

3.Quando o teor de anticorpos atinge o nível desejado, é realizada a sangria final, retirando-se cerca de quinze litros de sangue de um cavalo de 500 Kg em três etapas, com um intervalo de 48 horas.

4.No plasma (parte líquida do sangue) são encontrados os anticorpos. O soro é obtido a partir da purificação e concentração desse plasma.

5.As hemácias (que formam a parte vermelha do sangue) são devolvidas ao animal, através de uma técnica desenvolvida no Instituto Butantan, chamada plasmaferese. Essa técnica de reposição reduz os efeitos colaterais provocados pela sangria do animal.

6.No final do processo, o soro obtido é submetido a testes de controle de qualidade:
6.1. atividade biológica - para verificação da quantidade de anticorpos produzidos;
6.2. esterilidade - para a detecção de eventuais contaminações durante a produção;
6.3. inocuidade - teste de segurança para o uso humano;
6.4. pirogênio - para detectar a presença dessa substância, que provoca alterações de temperatura nos pacientes; e
6.5. testes físico-químicos.

A hiperimunização para a obtenção do soro é realizada em cavalos desde o começo do século porque são animais de grande porte. Assim, produzem uma volumosa quantidade de plasma com anticorpos para o processamento industrial de soro para atender à demanda nacional, sem que os animais sejam prejudicados no processo. Há um acompanhamento médico-veterinário destes cavalos, além de receberem uma alimentação ricamente balanceada.

Processamento do Plasma para obtenção de Soro

 

O processamento do plasma para obtenção do soro é realizado em um sistema fechado, inteiramente desenvolvido pelo Instituto Butantan, instalado para atingir a produção de 600 mil ampolas de soro por ano, atendendo às exigênicas de controle de qualidade e biossegurança da Organização Mundial de Saúde.

 

Os soros produzidos pelo instituto Butantan são:
Antibotrópico: para acidentes com jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, cotiara.
Anticrotálico: para acidentes com cascavel.
Antilaquético: para acidentes com surucucu.
Antielapídico: para acidentes com coral.
Antibotrópico-laquético: para acidentes com jararaca, jararacuçu, urutu, caiçaca, cotiara ou surucucu.
Antiaracnídico: para acidentes com aranhas do género Phoneutria (armadeira), Loxosceles (aranha marrom) e escorpiões brasileiros do género Tityus.
Antiescorpiônico: para acidentes com escorpiões brasileiros do género Tityus.
Antilonomia: para acidentes com taturanas do género Lonomia.

Além dos soros anti-peçonhentos, o Instituto Butantan também produz soros para o tratamento de infecções e prevenção de rejeição de órgãos. A maior parte desses soros é obtida pelo mesmo processo dos soros antipeçonhentos. A única diferença está no tipo de substância injetada no animal para induzir a formação de anticorpos. No caso dos soros contra difteria, botulismo e tétano, é usado o toxóide preparado com materiais das próprias bactérias. Para a produção do anti-rábico, é usado o vírus rábico inativado.
 

OUTROS SOROS

  • Anti-tetânico: para o tratamento do tétano.
  • Anti-rábico: para o tratamento da raiva.
  • Antidiftérico: para tratamento da difteria.
  • Anti-botulínico - "A": para tratamento do botulismo do tipo A.
  • Anti-botulínico - "B": para tratamento do botulismo do tipo B.
  • Anti-botulínico - "ABE": para tratamento de botulismo dos tipos A, B e E.
  • Anti-timocitário: o soro antitimocitário é usado para reduzir as possibilidades de rejeição de certos órgãos transplantados. O Instituto Butantan produz dois tipos desse soro: o de origem eqüina e o monoclonal. O primeiro tipo é obtido através da hiperimunizacão de cavalos com células obtidas do timo humano (glândula localizada no pescoço) e, em seguida, são purificados. O segundo tipo é produzido a partir de células obtidas em equipamentos especiais chamados bioreatores.

Como resultado de estudos na área, estão sendo desenvolvidas novas formas de utilização dos soros, aumentando o seu potencial de utilização, seja através da obtenção de graus mais elevados de purificação, da redução de custos ou do aumento do prazo de armazenamento, como os produtos liofilizados. Soros Antipeçonhentos Liofílizados estarão sendo disponibilizados brevemente.

Uma pequena parcela de indivíduos tratados com os soros de origem eqüina torna-se hipersensível a certos componentes desses soros. Para esses casos, o Butantan vem estudando a possibilidade de produção de alguns soros a partir de sangue humano, como o anti-rábico e o anti-tetânico, que também pode ser obtido a partir de mães que foram vacinadas contra o tétano (visando o controle profilático dessa doença em recém-nascidos) já que elas concentram os anticorpos na própria placenta.

Produção de Soros e Estimativa

VACINAS

As vacinas contêm agentes infecciosos inativados ou seus produtos, que induzem a produção de anticorpos pelo próprio organismo da pessoa vacinada, evitando a contração de uma doença. Isso se dá através de um mecanismo orgânico chamado "memória celular". As vacinas diferem dos soros também no processo de produção, sendo feitas a partir de microrganismos inativados ou de suas toxinas, em um processo que, de maneira geral, envolve:
- fermentação;
- detoxificação;
- cromatografia;

Entre as vacinas produzidas pelo Instituto, estão:
- Toxóide tetânico: para prevenção do tétano. A produção de toxóide tetânico pelo Instituto Butantan chega a 150 milhões de doses por ano, atendendo a demanda nacional. O toxóide também serve para produzir as vacinas dupla (dTe DT] e tríplice [DTP].
- Vacina dupla (dT): para prevenção da difteria e tétano em indivíduos acima dos 11 anos.
- Vacina tríplice (DTP): para prevenção da difteria, tétano e coqueluche. Esta vacina é obtida a partir de uma bactéria morta, o que constitui uma dificuldade em sua produção, pois a bactéria deve estar em um determinado estágio de crescimento, que garanta à vacina, ao mesmo tempo, potência e baixa toxicidade.
- BCG íntradérmico: para prevenção da tuberculose. O Instituto Butantan produz cerca de 500 mil doses de BCG por ano. Com novas técnicas de envase e liofilizacão, a produção deve ser aumentada em 50%.
- Contra a raiva (uso humano): para prevenção da raiva. Produzida em cultura celular, que nos possibilita ter uma vacina menos reatogênica.

NOVAS VACINAS

Em sua tradição pioneira voltada à Saúde Pública, o Instituto Butantan segue realizando pesquisas para a produção de novas vacinas. Está em desenvolvimento uma vacina contra meningite A, B e C, e uma nova vacina contra coqueluche.

Também estão sendo realizadas pesquisas com a utilização de engenharia genética, assim como foi feito com a vacina contra hepatite, desta vez para o desenvolvimento de vacinas contra a dengue e esquistossomose (em conjunto com a FIOCRUZ- Fundação Instituto Oswaldo Cruz, do Rio de Janeiro.) O Instituto Butantan desenvolveu a primeira vacina recombinante no Brasil (utilizando técnicas de engenharia genética) contra a Hepatite B, com capacidade de produção de 50 milhões de doses por ano. Há uma previsão de aumento dessa produção para suprir a demanda nacional, bem como a perspectiva de combiná-la com a vacina tríplice e a hemophilus, obtendo desta maneira a vacina pentavalente.


- Vacina contra a gripe (influenza) – Acordo firmado com Laboratório Aventis Pasteur/França, possibilita ao Instituto receber matéria prima e se responsailizar pelo controle de qualidade e envasametno de doses (17 milhões). Essa transferência de tecnologia vem ocorrendo desde 2000 e, a partir de 2007, o Butantan estará atendendo a demanda nacional.

Produção de vacinas e estimativa


 

Novos produtos

Além dos soros & vacinas, o Instituto Butantan continua investindo em novos produtos para a Saúde Pública. Entre estes produtos estão os biofármacos que são medicamentos biológicos para uso humano. Como a maioria da população não tem condições de pagar o valor extremamente alto destes medicamentos importados, o Instituto Butantan, inicia também a produção de biofármacos para que o Ministério da Saúde possa distribuir às unidades de saúde em todo o Brasil para uso gratuito. Dois exemplos de grande função social são:

Eritropoetina - medicamente necessário para pacientes renais que permanecem na fila de espera aguardando o transplante de rim;

Surfactante - medicamento para bebês prematuros que nascem com pulmões ainda não totalmente desenvolvidos por falta desta substância. Na maioria dos casos em que os pais não têm recursos para pagar o produto importado, estes bebês acabam falecendo. Hoje, isto representa cerca de 25.000 casos. A produção do surfactante pulmonar para bebês prematuros foi viabilizada por meio de uma parceria do Instituto Butantan com a FAPESP - Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - e a empresa Sadia.

Toxina Botulínica, para tratamento de doenças oculares, ortopédicas e para uso estético.

Hemoderivados, iniciará em 2004 a implantação de planta que através do processamento de plasma produzirá fatores anti-hemofílico, imuno globulina e albumina.

Com alto controle de qualidade aprovado pela Organização Mundial da Saúde, observando os princípios de bioseguranca e bioética, o Instituto Butantan vem cumprindo sua função social na tríplice atividade de pesquisa científica, desenvolvimento & produção de imunobiológicos e educação aplicados à Saúde Pública. Assim, valoriza seu passado e caminha em direção ao futuro.

* Material Produzido originalmente pela DIVISÃO DE DESENVOLVIMENTO CULTURAL do Instituto Butantan - www.butantan.gov.br, Contato: cultural@butantan.gov.br


Ficha Técnica:
Divisão de Desenvolvimento Cultural: Prof. Henrique Moisés Canter (coord); José Abílio Perez Junior; Texto: Dra. Hisako G. Higashi; Dr. Rosalvo R. Guidolin (Divisão de Desenvolvimento tecnológico e Produção).



Reprodução autorizada desde que citado a autoria e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CANTER, H.M.C.; Perez Junior,J.A., HIGASHI, H.G., GUIDOLIN, R.R. Soros e vacinas. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_2/SorosVacinas/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 29/05/2008

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