Campilobacteriose intestinal

Eliana Scarcelli Pinheiro

     
   
 

Campylobacter jejuni
Coloração de Gram. Aumento 1000x

 

A campilobacteriose é uma zoonose de distribuição mundial, sendo o Campylobacter jejuni considerado microrganismo extremamente ubiqüitário, encontrando-se tanto disperso no ambiente, como também assumindo o papel de agente patogênico ou comensal do trato gastrointestinal de animais domésticos e selvagens.

Atribui-se como fonte de infecção para o ser humano, o contato direto com animais portadores, o consumo de água e alimentos de origem animal contaminados, mormente a ingestão de carnes cruas ou mal processadas de aves, suínos e bovinos e de leite não pasteurizado.

O gênero Campylobacter constitui-se de bastonetes curvos em forma de vírgula, "S", asa de gaivota ou espiral, cujas dimensões variam entre 0,2 a 0,9 µm de largura por 0,5 a 5 µm de comprimento. São bactérias gram-negativas, microaerófilas, não hemolíticas, não esporuladas e com colônias freqüentemente não pigmentadas. Móveis por meio de flagelo único em uma das extremidades, possuem movimento característico em "serrote" ou "saca-rolha", que pode ser observado claramente em microscópio de contraste de fase ou de campo escuro.

Na atualidade, o gênero Campylobacter engloba 16 espécies, 5 subespécies e 3 biótipos, sendo que o Campylobacter jejuni subsp. jejuni, Campylobacter coli e Campylobacter lari representam o grupo de bactérias denominadas termofílicas, devido à temperatura ótima de incubação oscilar entre 42º C e 43º C, e as espécies C. jejuni e C. coli constituem-se nas espécies mais freqüentemente isoladas de enterites humanas.

Campylobacter jejuni predominantemente causa gastroenterite em animais e humanos, mas infecções ocorrendo durante a gestação podem induzir a abortamentos, natimortos, prematuros e sepsis neonatais.Nos Estados Unidos, estima-se anualmente em mais de 2 milhões de casos de enterite por Campylobacter jejuni, casuística duas vezes mais freqüente que as infecções ocasionadas por Salmonella spp. Além disso, nos últimos anos, estudos demonstraram associação entre a infecção por C. jejuni a duas doenças neurológicas emergentes: síndrome de Guillain-Barré (GBS) e a síndrome paralítica chinesa, mais recentemente denominada de neuropatia axonal motora. Em análises sorológicas realizadas no Japão tem sido observado que 35% dos pacientes com GBS tinham sido infectados recentemente, sugerindo que os anticorpos dirigidos contra determinados sorotipos de C. jejuni reagem cruzadamente com as proteínas dos nervos periféricos, causando a sua degeneração.

No Brasil, diversos autores têm relatado a presença de Campylobacter spp. em fezes de indivíduos com diarréia aguda ou crônica e até em indivíduos assintomáticos, observando-se que a incidência nos quadros diarréicos tem variado entre 2,3 a 17%, dependendo da faixa etária e das condições socioeconômicas dos pacientes.

A importância da espécie bovina na transmissão da campilobacteriose assemelha-se aos demais grupos de animais que se destinam à produção de carne, incluindo-se ovinos e suínos. Campylobacter spp. pode ser isolado em proporções elevadas das carcaças destas. Espécies logo após o abate, no qual a evisceração dos animais portadores intestinais se constitui no ponto crítico de contaminação; embora o resfriamento e a secagem da carcaça por ventilação forçada reduza significativamente a carga bacteriana. O consumo de leite bovino não pasteurizado também tem sido responsabilizado por surtos isolados de campilobacteriose intestinal na Inglaterra e Estados Unidos.

Talvez a forma mais importante para o alimento cárneo tornar-se veículo de infecção da campilobacteriose intestinal, seja através da transferência passiva do agente para outros alimentos durante o descongelamento e o processamento em locais comuns. Neste aspecto, a carcaça de frango congelada assume capital importância, pois a água de degelo em contato com outros alimentos, principalmente os ingeridos "in natura" poderia explicar a origem dos freqüentes surtos.

Enterites por Campylobacter spp. têm sido reportadas em crianças e adultos que tiveram contacto com animais de estimação, principalmente filhotes de cães e gatos que apresentavam diarréia.

Desta forma animais de companhia têm demonstrado atuar mais freqüentemente na cadeia de transmissão das campilobacterioses intestinais do que alguns alimentos de origem animal.

Uma vez que, C. jejuni e C. coli são reconhecidos como causas freqüentes de diarréia em humanos, deve-se considerar os diversos aspectos envolvidos na disseminação destes microrganismos, principalmente, quando estes podem estar sendo transmitidos não somente por animais produtivos ou de estimação doentes como também por portadores saudáveis.

O Laboratório de Doenças Bacterianas da Reprodução do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal vem pesquisando há mais de 20 anos as diferentes espécies de Campylobacter relacionadas a Campilobacteriose intestinal animal, o que permitiu o desenvolvimento, implantação e/ou aperfeiçoamento de diferentes técnicas bacteriológicas e moleculares de diagnóstico e estudo epidemiológico desta enfermidade.

Medidas de Prevenção:
1. Cozinhar adequadamente qualquer alimento de origem animal.
2. Conservar os alimentos cárneos em temperatura de refrigeração, nunca deixa-los à temperatura ambiente. Consumir a carne resfriada no mesmo dia ou até o final do dia seguinte.
3. Proteger os alimentos de roedores, moscas ou outros insetos.
4. Lavar as mãos com água e sabão antes e depois de manipular as carnes cruas, assim como, lavar muito bem os utensílios empregados como tábuas de carne, facas e garfos, evitando a contaminação cruzada com alimentos ingeridos crus, como frutas, verduras e legumes.
5. Preparar alimentos cárneos e ingeri-los ainda quentes, resfriando-os imediatamente após o cozimento caso necessite armazená-los.
6. Não ingerir leites crus ou não pasteurizados e água não tratada.
7. Lavar sempre as mãos depois de entrar em contato com animais de estimação, evitando que estes lambam as mãos e o rosto.

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

FOOD AND DRUG ADMINISTRATION - Center for Food Safety and Applied Nutrition, USA. Campylobacter jejuni bad bug book. Disponível em: <http://www.cfsan.fda.gov/~mow/chap4.html>. Acesso em: 14 out. 2005.
SCARCELLI, E. & PIATTI, R.M. Patógenos emergentes relacionados à contaminação de alimentos de origem animal. O Biológico, São Paulo, v.64, n.2, p.123-127, 2002
SCARCELLI, E.; GENOVEZ, M.E.; CARDOSO, M.V.; SOUZA, M.C.A.M.; GRASSO, L.M.P.S.; SOUZA, C.A.I.; TORRES, A.P. Avaliação do potencial de disseminação de Campylobacter spp. por diferentes espécies animais. Arquivos do Instituto Biológico, São Paulo, v.65, n.1, p.55-61, 1998. ALTEKRUSE, S.F.; STERN, N.J.; FIELDS, P.I.; SWERDLOW, D.L. Campylobacter jejuni an emerging foodborne pathogen. Emerging Infectious Diseases, v.5, p.28-35, 1999.

Origem: Instituto Biológico - www.biologico.sp.gov.br


Eliana Scarcelli Pinheiro é biomédica formada pela UNIFESP (Escola Paulista de Medicina) e concluiu o doutorado em ciências biológicas (microbiologia) pela universidade de São Paulo em 2003.  Atualmente é Pesquisadora Científica VI do Instituto Biológico - Laboratório de Doenças Bacterianas da Reprodução do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento de Sanidade Animal. Atua na área de microbiologia, com ênfase em microbiologia aplicada, zoonoses transmitidas por alimentos e zoonoses e doenças bacterianas da reprodução. Participa como docente do curso de pós-graduação do Instituto Biológico em sanidade, segurança alimentar e ambiental no agronegócio. Em seu Currículo Lattes os termos mais freqüentes na contextualização da produção científica, tecnológica e artístico-cultural são: bovinos, suínos, frangos de corte, Campylobacter jejuni, Campylobacter spp, abortamento bacteriano, PCR, PCR-RFLP, zoonoses, Leptospira spp, Brucella spp, diagnóstico bacteriológico e microbiota do sêmen.

Contato: pinheiro@biologico.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

PINHEIRO, E.S. Campilobacteriose intestinal. 2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_1/Campilobacteriose/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 01/03/2008  

Veja Também...