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Biodigestão
anaeróbia de dejetos de suínos: aprendendo com o passado para
entender o presente e garantir o futuro
Julio Cesar Pascale Palhares
Várias ciências devem ser utilizadas
na resolução dos problemas ambientais de qualquer atividade humana.
Dentre essas ciências devemos considerar a História (estudo da ação
humana ao longo do tempo paralelo ao estudo dos processos e dos
eventos ocorridos no passado). Entre os tipos de História, os que
mais nos interessam é a Pragmática (objetiva mudar os costumes
políticos e corrigir os contemporâneos, utilizando o caminho de
mostrar os erros do passado) e a Científica (há uma preocupação com
a verdade, com o método, com a análise crítica de causas e
conseqüências, tempo e espaço).
Os problemas ambientais decorrentes da
atividade suinícola não são novidade para nós, sabemos há muito, de
suas conseqüências e desta forma várias ações, projetos,
tecnologias, políticas foram propostas. Certamente, todas estas, de
alguma forma, contribuíram para melhoria da qualidade ambiental das
regiões suinícolas bem como da convivência desta produção com o
ambiente. Mas desafios ainda existem e se tornarão maiores se
considerarmos a potencial expansão desta atividade no Brasil,
baseado em estudos de várias agências como o Banco Mundial, OCDE e a
FAO. Para superar estes desafios, devemos aprender com o passado,
para que os erros sejam corrigidos e os acertos mantidos.
A utilização de biodigestores no
tratamento de dejetos de suínos é um capítulo a parte na histórica
tentativa de resolver os problemas ambientais desta atividade. Neste
momento, o país vive a terceira onda desta História na qual esta
tecnologia tem sido colocada como a única tecnologia capaz de
resolver os problemas ambientais e, além disso, gerar créditos de
carbono. Se houveram outras duas ondas, devemos perguntar: por quê
elas foram ondas, simplesmente vieram e foram embora? O que
aconteceu para que muitos biodigestores implantados no passado não
estejam funcionando até o presente? Por quê muitos suinocultores que
tinham estes biodigestores, hoje dizem que esta tecnologia não
funciona? Quais foram os acertos e erros nestas duas ondas
anteriores?
As perguntas acima já demostram que o
processo de biodigestão anaeróbia não é algo novo, tanto para a
suinocultura como para outras produções animais. Existe uma
história, que deve ser considerada no presente, pois atualmente, já
podem ser observados problemas iguais aos ocorridos no passado em
relação ao manejo dos biodigestores, e que se não forem corrigidos,
novamente, estaremos comprometendo o uso desta tecnologia. Só que
desta vez este comprometimento poderá ter conseqüências mais sérias,
pois créditos de carbono já estão sendo negociados no mercado
internacional e se os biodigestores não funcionarem, de onde virão
os créditos?
A utilização de biodigestores é algo
muito antigo, tão antigo, que eles já foram até confundidos com
fenômenos sobrenaturais e manifestações de seres místicos ou
folclóricos. Então temos uma riquíssima quantidade de informações
para analisarmos e aprendermos.
Duas lições que já deveríamos ter
aprendido. A primeira: não existe uma única tecnologia para resolver
os problemas ambientais da suinocultura, existem produtores e
propriedades, ou seja, condições produtivas, econômicas, sociais,
ambientais e culturais, que devem ser diagnosticadas e aí sim se
propor qual a melhor tecnologia, considerando estas condições. A
segunda: qualquer solução que esteja baseada somente no econômico
não se perpetuará no tempo, entende-se venda de créditos de carbono,
e não resolverá o problema ambiental.
Os biodigestores no mundo
“Em 1806, na Inglaterra, Humphrey Davy
identificou um gás rico em carbono e dióxido de carbono, resultante
da decomposição de dejetos animais em lugares úmidos. Ao que parece,
apenas em 1857, em Bombaim, Índia, foi construída a primeira
instalação operacional destinada a produzir gás combustível, para um
hospital de hansenianos. Nessa mesma época, pesquisadores como
Fisher e Schrader, na Alemanha e Grayon, na França, entre outros,
estabeleceram as bases teóricas e experimentais da biodigestão
anaeróbia. Posteriormente, em 1890, Donald Cameron projetou uma
fossa séptica para a cidade de Exeter, Inglaterra, sendo o gás
produzido utilizado para iluminação pública.” (Nogueira, 1986).
“Com o advento da 20
Guerra Mundial, a biodigestão foi bastante difundida entre os países
europeus, usando-se o biogás em substituição aos derivados de
petróleo, através da queima direta e o uso em veículos. Terminado o
conflito, caiu substancialmente o uso desta tecnologia, com exceção
da Índia, China e África do Sul, onde continuaram seu
desenvolvimento em propriedades de pequeno porte.”
(Gaspar, 2003).
Inegavelmente, a pesquisa e
desenvolvimento de biodigestores desenvolveram-se muito na Índia,
onde, em 1939, o Instituto Indiano de Pesquisa Agrícola, em Kanpur,
desenvolveu a primeira usina de gás de esterco. Segundo Nogueira
(1986), o sucesso obtido animou os indianos a continuarem as
pesquisas, formando o Gobar Gás Institute (1950). Tais pesquisas
resultaram em grande difusão da metodologia de biodigestores como
forma de tratar os dejetos animais, obter biogás e ainda conservar o
efeito fertilizante do produto final. Foi esse trabalho pioneiro,
realizado na região de Ajitmal (Norte da Índia), que permitiu a
construção de quase meio milhão de unidades de biodigestão no
interior daquele país.
“A
utilização do biogás, também conhecido como gobar gás (que em
indiano significa gás de esterco), como fonte de energia motivou a
China a adotar a tecnologia a partir de 1958, onde, até 1972, já
haviam sido instalados 7,2 milhões de biodigestores na região do Rio
Amarelo.” (Gaspar, 2003).
Para os chineses, a implantação de
biodigestores transformou-se em questão vital. Um país continental,
com excesso de população, a China buscou, durante os anos de 1950 e
1960, no auge da Guerra Fria, por uma alternativa de
descentralização energética. Baseavam-se em uma lógica simples. No
caso de uma guerra que poderia significar a destruição quase total
da civilização,
o ataque às centrais energéticas, representaria
o fim de toda atividade econômica. Isso porque a energia deixaria de
ser disponível nos grandes centros, mas naqueles pequenos centros, a
pequenas unidades de biodigestão conseguiriam passar incólumes ao
poder inimigo. A descentralização, portanto, implica em criar
unidades suficientes nas pequenas vilas, vilarejos e regiões mais
longínquas Barrera citado por (Gaspar, 2003).
“Hoje em dia, contudo, o motivo da manutenção e expansão do
programa de biodigestores é bem mais simples e urgente. Como a China
possui milhões de pessoas para alimentar, não é possível ou
recomendável mecanizar a atividade agrícola em larga escala, pois o
uso de tratores e demais implementos resultaria em um índice de
desemprego rural alarmante, criando uma massa de trabalhadores
ociosos e descontentes. Um perigo social e político nem um pouco
desejável. Assim, o governo chinês optou pelo aproveitamento e
aperfeiçoamento de rudimentares técnicas de cultivo do solo, com os
biodigestores desempenhando papel de
destaque.”
(Gaspar, 2003).
Gaspar (2003), ainda destaca que encontram-se dois extremos da
utilização de biodigestores. Chineses buscam, nessa tecnologia, o
biofertilizante necessário para produção dos alimentos necessários
ao seu excedente de população. A energia do biogás não conta muito
frente à auto-suficiência em petróleo. Indianos, precisam dos
biodigestores para cobrir o imenso déficit de energia. Com isso,
foram desenvolvidos dois modelos diferentes de biodigestor: o modelo
chinês, mais simples e econômico e o modelo indiano, mais
sofisticado e técnico, para aproveitar melhor a produção de biogás.
Ross et al. (1996), observaram que a
maior parte das aplicações do processo de biodigestão anaeróbia no
meio rural foram direcionadas para os dejetos animais. Durante as
décadas de 70 e 80 houve considerável interesse na produção de
energia a partir dos dejetos, mas muitas destas instalações não
operaram por muito tempo, ou não foram construídas como planejado,
resultado do custo excessivo e das dificuldades de operação.
As
dificuldades citadas por Ross et al. (1996), serão as mesmas que
ocorreram no Brasil, como demonstrado por estudos da Emater e da
Embrapa Suínos e Aves. Especificamente, uma delas, dificuldade de
operação, e a que, novamente, tem se mostrado como um limitante ao
correto manejo dos biodigestores na atualidade.
Os
biodigestores no Brasil
A partir
da crise energética deflagrada em 1973, a utilização de
biodigestores passou a ser uma opção adotada tanto por países ricos
como países do terceiro mundo. Com base em um relatório técnico da
FAO, a Embrater instalou em novembro de 1979, o primeiro biodigestor
modelo chinês, na Granja do Torto em Brasília. “Esta experiência
pioneira veio demonstrar que era possível instalar uma unidade
produtora de biogás e biofertilizante, empregando exclusivamente
areia, tijolo, cimento e cal (Sganzerla, 1983).”
Mas o interesse pelos biodigestores no
país teve início com a crise resultante do segundo choque de preços
do petróleo ocorrido em 1979. Entre as medidas adotadas pelo governo
para reduzir a dependência deste insumo destacava-se um amplo
programa de investimento voltado para substituição e conservação de
derivados de petróleo (Programa de Mobilização Energética - PME,
iniciado em 1980). No período entre 1980-1984, foram utilizadas
diversas formas de estímulo à instalação de biodigestores. Assim
foram concedidos estímulos materiais, seja através de financiamentos
ou mesmo de doações dos recursos necessários à instalação. Em
avaliação realizada pela Emater (1984), confirmou-se a hipótese de
que os proprietários que receberam os biodigestores a fundo perdido
demonstraram menos empenho em mante-los em boas condições de
funcionamento do que aqueles que se utilizaram de recursos próprios
ou de empréstimos.
Em 1982, existiam em Santa Catarina
236 biodigestores, sendo a quase totalidade destes do modelo
Indiano, Christmann, citado por Girotto (1989), destaca que apenas
0,005% destes biodigestores estavam em propriedades suinícolas.
Ainda que inexistissem dados precisos quanto ao número de
biodigestores no país, a Emater calculou que em 1984 este número era
de 3.000 biodigestores, principalmente do modelo Indiano utilizado
para biodigestão de dejetos de bovinos. Palhares & Guidoni (2006),
utilizando os dados do Levantamento Agropecuário Catarinense
(2002-2003) e considerando somente produtores com mais de 50 cabeças
de suínos (7.158 suinocultores), verificaram que 0,08% deles
possuíam biodigestores e 99,2% esterqueiras.
Apesar de ter ganho novamente destaque
na cadeia produtiva devido a possibilidade da venda de créditos de
carbono, o biogás é produzido no país desde a década de 40, quando
padres construíram biodigestores nas comunidades onde trabalhavam.
Quatro décadas depois, o governo implantou alguns programas de
incentivo à implantação do equipamento em fazendas. Na época, cerca
de sete mil biodigestores foram instalados. Problemas operacionais
levaram muitos pecuaristas a abandonar, anos depois a tecnologia.
(REVISTA DA TERRA, 2007).
No sítio da agência Ambiente Brasil
(2007), é informado que a tecnologia de biodigestores já tem pelo
menos duas décadas no Brasil. Iniciou-se com modelos provenientes da
China e Índia. No entanto, o Brasil teve algumas dificuldades na sua
implementação, fazendo com que esta tecnologia caísse no descrédito
no meio rural.
Palhares et al. (2003), partindo da
hipótese de que a tecnologia de biodigestão anaeróbia não era
amplamente utilizada no meio rural devido à não consideração de que
deve haver uma reciprocidade entre o que esta tecnologia demanda e o
que o produtor e a propriedade poderiam oferecer, avaliaram o perfil
produtivo, social e ambiental de produtores e de propriedades que
receberam a tecnologia no início da década de 1980 a fim de detectar
possíveis falhas na sua transferência. Treze propriedades foram
visitadas. Dentre as propriedades visitadas haviam aquelas que ainda
mantinham o biodigestor em operação e outras onde estes haviam sido
desativados. Dos produtores entrevistados, 61,5% haviam feito até a
quarta série do primeiro grau, 23% tinham somente a terceira séria e
somente 15,4% dos produtores haviam completado a quinta série.
Considerando que a tecnologia de biodigestão envolve conhecimentos
como microbiologia, física e química e que estes não são abordadas
no ciclo escolar até a quinta série, o reduzido nível de
escolaridade pode ser considerado como uma desvantagem que estes
produtores possuíam a fim de utilizar esta tecnologia. Uma forma de
suprir esta deficiência seria pela proposição de treinamentos e/ou
pelo oferecimento de uma assistência técnica periódica a estes
produtores.
Os autores destacam que quando os
produtores foram questionados se antes da aquisição do biodigestor o
produtor participou de algum treinamento, 100% dos entrevistados
responderam que participaram de um treinamento com carga horária de
2h, um tempo muito reduzido para o entendimento completo do manejo e
potencialidade da tecnologia. Quanto a existência de auxílio
técnico, 46,1% responderam que um técnico o visitava a cada seis
meses e 53,8% atestam que estas visitas tinham uma periodicidade
anual. Desta forma, o baixo nível de escolaridade aliado à
deficiência de formação e de assistência técnica dificultaram o
perfeito manuseio dos biodigestores e, consequentemente, podem
trazer conseqüências ambientais que poderiam ser evitadas.
Kunz (), “o mais importante ponto, no
que diz respeito a sistemas de tratamento, é a capacitação do
pessoal responsável pela operação dos sistemas. Na maioria dos
casos, o insucesso do tratamento está relacionado a erros humanos,
causados pela má operação dos sistemas. Este pessoal deve receber
constante capacitação e entender claramente a importância do
processo e como ele funciona, tendo subsídios para a tomada de
decisões. Caso o fator humano seja desconsiderado qualquer opção
tecnológica adotada estará fadada ao insucesso.”
Em publicação da Embrapa do ano de 1981 era
constatada a viabilidade de um programa a partir de biodigestores no
Pantanal Mato-Grossense. “Esta tecnologia oferece condições
excepcionais para um arrojado plano de utilização de energia
proveniente da fermentação de biomassas. A utilização da energia do
biogás, nesta região, é muito favorecida em virtude das condições
climáticas e abundância de excrementos bovinos para a produção de
biogás, abrindo uma perspectiva favorável à sua aplicação no sentido
de se obter energia a custo relativamente baixos, através de
unidades digestoras. A utilização dessa forma de energia, pelas
fazendas da região, resultará em menores gastos com derivados de
petróleo que tanto têm onerado a produção regional (EMBRAPA, 1981).”
“Mais recentemente, devido à crise no
sistema brasileiro de fornecimento de energia elétrica, ocorreu o
fenômeno dos "apagões" e os biodigestores passaram a ser cogitados
novamente como fonte alternativa de energia. Entretanto, bastou o
reservatório das hidrelétricas alcançar um volume d'água adequado e
o perigo dos "apagões" e do racionamento de energia elétrica passar,
para que os projetos de implantação de biodigestores fossem
esquecidos e os que estavam em andamento abandonados (Gaspar,
2003).”
Um
suinocultor de Toledo-PR que teve seu biodigestor implantado em 1999
atestou: “na década de 80, muitos produtores investiram na
instalação de biodigestores, sistema que ficou popular no Brasil,
mas aos poucos esse sistema foi sendo desacreditado. Agora,
principalmente depois da crise energética, o biodigestor está
ressuscitando. Eu acredito que o fator principal do biogás ficar
desacreditado é a não utilização do biogás. Existia o biodigestor,
existia a produção de gás, mas não existia onde consumir o gás.”
(Gaspar, 2003).
Em
depoimento, um extensionista rural paranaense sobre o programa de
implantação de biodigestores na década de 1980, afirmou: "eu
participei pessoalmente do primeiro ciclo de incentivos a
biodigestores no Paraná, entre 1978 e 1986. Na época, como filho de
um pequeno produtor rural, ajudei a convencer meu pai a investir num
biodigestor rural. Três anos após, o biodigestor ainda não estava
funcionando. Os erros de projeto e desconhecimento da tecnologia e
os técnicos da Emater e da empresa fabricante da cúpula de fibra de
vidro foram incapazes de fazer a mesma funcionar a contento. Meu pai
então retirou a cúpula e utilizou o biodigestor como uma simples
esterqueira. Praticamente todos os biodigestores implantados aquela
época, aqui na região (Oeste do Paraná), foram abandonados. Meu
maior receio é o grande número de 'pseudo-especialistas' que surgem
nesta situação e que acabam fazendo experiência com os produtores.
Isto pode levar a um novo fracasso na adoção desta tecnologia."
(Gaspar, 2003).
Trabalhos da Embrapa diagnosticaram
que em 1979 a não disponibilidade de energia elétrica na propriedade
era uma realidade para 41 mil famílias de suinocultores
catarinenses. O Governo Federal iniciou em 2004 o “Programa Nacional
de Universalização do Acesso e Uso da Energia Elétrica - Luz para
Todos" com o objetivo de levar energia elétrica para a população do
meio rural. Se no início da década de 1980, na primeira onda dos
biodigestores, quando ocorreu o PME, este tivesse sido desenvolvido
em sua plenitude e de forma criteriosa, não haveria necessidade do
governo estar desenvolvendo um novo programa com o mesmo fim.
Houveram três crise energéticas, petróleo, “apagão” e a atual, nas
três os biodigestores aparecem como uma grande alternativa, em duas
a alternativa não vingou! Será que são os créditos de carbono é que
vão fazer a diferença?
Com a divulgação do Plano
Nacional de Energia 2030, sem tem um referencial da produção e
consumo para os próximos anos. O Plano conclui que: as energias
denominadas como Outras (que incluem os resíduos agrícolas,
industriais e urbanos) representaram em 2005 2% do consumo
energético do país, sendo que em 2030 representarão 3%; o consumo
energético do setor agropecuário que em 2005 representou 5% do total
do país, irá ter a mesma representatividade em 2030; as fontes
primárias (excetuando-se a cana-de-açúcar) terão um crescimento de
4% na matriz energética entre 2005-2030;
o Brasil
conseguirá manter
um grau relativamente baixo de
dependência externa de energia, custos competitivos de produção de
energia e níveis de emissões de gases (um dos mais baixos do mundo)
praticamente inalterados (MME, 2007).
No último Relatório do Programa das
Nações Unidas para o Meio Ambiente verificam-se as seguintes
constatações: “a porção de energia produzida no mundo a partir de
fontes renováveis irá aumentar substancialmente com as dezenas de
bilhões de novos investimentos. O crescimento no uso das energias
renováveis não mais está relacionado com a alta e a baixa do preço
do petróleo, estão se tornando uma opção de sistemas de geração para
um crescente número de companhias de energia, comunidades e países,
independente dos preços dos combustíveis fósseis. Muitos governos e
políticos estão introduzindo legislações e mecanismos de apoio para
capacitar o desenvolvimento do setor.” (ENVOLVERDE, 2007).
Falta de assistência técnica, dificuldades
com a mão-de-obra, baixa qualidade de certos materiais fornecidos,
mudança do produtor para cidade e acidentes triviais, fizeram com
que 20% dos biodigestores avaliados não funcionassem no momento do
diagnóstico (Emater, 1984). A adoção de uma tecnologia nova, por
mais simples que seja, traz consigo, invariavelmente, variadas
dificuldades. Desta forma, a constatação do insucesso parcial na
instalação dos biodigestores não surpreende, o que é surpreendente é
o ritmo inicial das instalações, que foi muito acelerado diante do
relativo desconhecimento quanto às potencialidades. Conclusão esta
que é tardia em relação ao esforço já feito, mas que, se aceita
pelos responsáveis pela continuidade do programa, poderá influir
sobre seu andamento futuro.
O parágrafo acima, se retirada a data do
estudo, poderia muito bem ter sido redigido na atualidade. Não se
tem dados de quanto dos biodigestores já implementados não estão
funcionando de forma satisfatória, mas certamente, o cenário
existente é o mesmo de 23 anos atrás.
A declaração dada a Gaspar (2003), por um
integrante da cadeia produtiva de suínos, atesta que as mesmas
dificuldades de operação, identificadas no passado, continuam a
acontecer no presente. “A tecnologia que se divulga é muito
diferente da realidade que o produtor vai enfrentar no dia-a-dia de
sua atividade. Um biodigestor é um dispositivo complexo, que requer
atenção diária e que quando manejado sem a devida atenção
simplesmente entra em colapso. A necessidade de fazer ajustes,
adaptações de equipamentos e manutenções em canos e mangueiras é
constante. Em geral, a expectativa do produtor é de que o
biodigestor irá resolver todos os seus problemas ambientais e
energéticos. Como isso não ocorre, coloca a culpa no técnico e
abandona o biodigestor.”
Portanto, Gaspar (2003) conclui: “isto
reforça a idéia de que é preciso que os órgãos de expansão rural e
associações/cooperativas de suinocultores realizem um trabalho
conjunto, com o intuito de examinar, detalhadamente, a tecnologia
dos biodigestores e encontrar a melhor solução para os problemas
levantados. Caso contrário, os biodigestores continuarão a serem
preteridos em favor de tecnologias mais simples e descomplicadas.”
Podemos entender que estas tecnologias
mais simples e descomplicadas citadas por Gaspar são as
esterqueiras, um sistema de armazenamento de dejetos que condiciona
o uso destes como adubo. Este tipo de manejo ambiental não é mais
suportado nas regiões produtivas de alta concentração animal, como o
Oeste Catarinense, onde há grande disponibilidade de dejetos de
suínos, bovinos e cama de aviário.
Deve-se destacar
que os biodigestores também apresentam uma dependência de
disponibilidade de solo, se a opção for pela utilização do
biofertilizante como adubo. Palhares et
al. (2003), quando perguntaram à produtores que haviam participado
do programa de implantação de biodigestores no início da década de
1980 se estes tinham demanda agrícola para o biofertilizante
produzido, 92,3% dos produtores disseram que a sua área comportava
100% do biofertilizante produzido e 7,7% responderam que a área
comportava 50% do que era produzido. Mas pelo cálculo da área
agrícola que os produtores disseram dispor, do número de suínos e de
bovinos que haviam nas propriedades, dos tipos de culturas vegetais
cultivadas e com base numa concentração média de nutrientes em
biofertilizantes de suínos e bovinos, observou-se que em algumas
propriedades a disponibilidade de nutrientes estava além do
demandado pelas culturas. O que era preocupante é que todo o
biofertilizante estava sendo aplicado na terra, sendo um potencial
poluidor do solo, das águas subterrâneas e superficiais e do ar.
Conceitos errados que
estão sendo divulgados a respeito dos biodigestores
Analisando as notícias
veiculadas eletronicamente no ano de 2006 sobre a temática
suinocultura e meio ambiente, o tema com maior abordagem foi o uso
de biodigestores para o tratamento de dejetos de suínos, 19,7%. Com
a segunda maior abordagem verifica-se a possibilidade de venda de
créditos de carbono pela suinocultura, 15,2% das notícias. Estas
notícias, além de servirem como um material de análise para avaliar
que tipo de informação está sendo veiculada, também propiciam
atestar que idéias e conceitos errados estão sendo divulgados a
respeito dos biodigestores. Abaixo destaca-se algumas destas
notícias.
“Há uma falta de
consenso sobre quais tecnologias para o tratamento dos dejetos de
suínos são mais adequadas e como controlar a poluição destas
criações.”
Este consenso nunca existirá e não deve existir, já sabemos quais
tecnologias são mais adequadas para cada característica produtiva, a
questão é que por razões de comodidade e interesses econômicos,
sempre tenta-se eleger uma tecnologia salvadora ou afirmar que não
existe solução para o problema, desta forma, continua-se vendendo
“milagres” que pouco contribuirão para a viabilização ambiental da
suinocultura.
Na página de uma OSCIP cearense, na
qual é apresentado o seu projeto de biodigestores para o tratamento
de esterco de ovinos, pode-se ler: “...biodigestores são
equipamentos de funcionamento simples que chamam cada vez mais
atenção por promoverem a preservação ambiental...”. Os
biodigestores por si nunca promoverão a preservação ambiental, pois
isto é algo muito mais complexo do que ter um sistema de tratamento
para os dejetos. Tratar os dejetos e continuar a utilizar os
recursos hídricos de forma abusiva ou não possuir licença ambiental
para atividade, são exemplos de falta de preservação ambiental,
mesmo tendo um biodigestor. Deve-se destacar que a preservação
ambiental inclui toda a propriedade, com sua fauna, flora, água,
solo, etc.
Em notícia divulgada no site do jornal
Correio Catarinense, lê-se: “a lama residual produzida pelo
biodigestor passará por tratamento e secagem e será transformada em
adubo. A água limpa será despejada nos rios e, depois, reaproveitada
na instituição; e o gás metano liberado, resultante da ação
anaeróbica das bactérias, será empregado na geração de energia como
biogás.” Apesar do biodigestor em questão estar sendo utilizado
para o tratamento de esgoto sanitário, que tem carga orgânica muito
menor que um dejeto de suíno, é improvável que o efluente que saia
deste possa ser descartado em um rio, considerando a legislação
CONAMA 357 e as legislações estaduais para descarte de efluentes nos
corpos d’água superficiais. No caso da suinocultura, em hipótese
alguma, o efluente que sai do biodigestor poderá ser descartado,
diretamente, nos rios, antes disso este deverá ser tratado.
Notícia
divulgando um projeto desenvolvido ao longo do lago da Usina de
Itapu em que um produtor do município de São Miguel é entrevistado
informa: “desde que foi instalado o biodigestor, a granja passou
a devolver água limpa para o rio.” Apesar da notícia não
esclarecer se antes deste descarte no rio, o biofertilizante havia
sofrido um tratamento, o conceito que se divulgou é que ele poderia
ser descartado diretamente. Uma ação coma essa seria passível de
autuação pelo órgão ambiental fiscalizador e parada da atividade até
as necessárias correções.
Outra manchete
divulgada em dezembro de 2006 dizia:
“Mercado do carbono ao alcance dos
produtores rurais”. A pergunta que deve ser feita é: a que tipo de
produtores este mercado estaria ao alcance?
Palhares & Kunz (2003), em artigo
publicado nesta revista ressaltavam: “a comercialização de créditos
de carbono, da forma com está delineada nos dias de hoje, não
estaria disponível para os pequenos e médios empreendimentos
suinícolas, somente para as grandes granjas, as quais dispõem de uma
quantidade de dejeto economicamente viável para se fazer o
investimento, visando a venda de créditos. A possibilidade de venda
de créditos por pequenos e médios suinocultores somente seria viável
se estes se organizassem de forma a centralizar o tratamento dos
dejetos por biodigestão, onde tanto a quantidade de créditos gerada
como os investimentos necessários seriam economicamente viáveis. Os
autores destacaram que a resolução dos problemas ambientais da
suinocultura demandam ações muito mais complexas que a viabilização
da comercialização de créditos de carbono, devendo esta ser
considerada como mais uma ferramenta disponível, em busca desta
resolução. A suinocultura necessita de ações que sejam sustentáveis
no tempo e que considerem a atividade como uma demandadora de
recursos naturais.
“O pagamento de crédito de carbono tornou o Protocolo de Quioto o
divisor de águas da suinocultura.” Esta
afirmação feita em junho de 2006 contém um erro e um risco. O erro
está relacionado, conforme citado acima, a estar se baseando a
viabilização ambiental de uma atividade em um fator puramente
econômico, e como o mercado não é algo estático, este chamado
“divisor de águas” já começa a apresentar algumas contestações e
problemas, ou seja, riscos. Em notícia divulgada no jornal britânico
The Guardian em 23 de junho de 2007 com o título “Uma verdade
inconveniente sobre o mercado de créditos de carbono.” Algumas
conclusões da notícia nos fazem refletir sobre a venda de créditos
de carbono a partir da digestão anaeróbia de dejetos de suínos.
“A
reportagem flagra diversas falhas em projetos chamados de
compensação de emissões de dióxido de carbono (CO2). A
idéia de cancelar as emissões de gases do efeito estufa através do
pagamento de reduções realizadas em outro lugar nasceu junto com as
primeiras políticas climáticas. O conceito, adotado por lobistas
corporativos na reunião de Quioto de 1997, tem se desenvolvido como
um desengonçado e problemático adolescente – confuso, imprevisível e
difícil de confiar. Isto requer uma medida apurada das emissões que
serão compensadas, o que se descobre ser uma charada de incertezas.
O Painel Intergovernamental de Mudanças do Clima (IPCC) encontrou
uma margem de erro de 10% para medir as emissões da produção de
cimento e fertilizantes, 60% nas indústrias petroleiras, de gás e
carvão, e 100% em alguns processos industriais. Muitos
ambientalistas estão cada vez mais se opondo a compensação porque
temem que as empresas optem por esquemas de troca baratos e
ineficientes ao invés de cortar suas próprias emissões de CO2.”
Os
desafios presentes e futuros
Analisando-se os fatos históricos e os
cenários futuros, tanto para o uso de energias renováveis como para
o desenvolvimento da suinocultura com conservação ambiental, pode-se
visualizar os seguintes desafios:
·
Aceitar que o processo
de tratamento por biodigestão anaeróbia para os dejetos é eficiente;
que pesquisas podem ser realizadas para aumentar esta eficiência;
que o maior desafio para seu uso não é tecnológico, mas cultural;
que os biodigestores, por si só, não resolvem os problemas
ambientais da suinocultura; que eles não são a única tecnologia
disponível; que antes de propor a tecnologia, deve haver um estudo
de viabilidade desta;
·
Realizar ações de
capacitação em manejo de biodigestores, para técnicos e produtores,
a fim de possibilitar a correta utilização destes. Estas devem ser
responsabilidade de órgãos públicos, agroindústrias e associações de
produtores. Devem ocorrer a longo prazo e paralelas a um programa de
assistência técnica permanente;
·
Esclarecer toda a cadeia
produtiva sobre as vantagens, desvantagens, limitações e projeções
para o mercado de créditos de carbono no mundo. Este esclarecimento
não pode ser dado somente pelas instituições de mercado, como as
certificadoras, principalmente os governos devem atuar neste
esclarecimento;
·
Entender que a venda de
créditos de carbono é uma ferramenta que irá auxiliar no atingimento
de algo bem mais complexo, a produção de suínos em equilíbrio com o
ambiente;
·
Subsidiar as agências
ambientais estaduais com todas as informações necessárias para que
estas conheçam a tecnologia, com suas vantagens e desvantagens, a
fim de auxiliar nos processos de licenciamento ambiental das
propriedades;
·
Regulamentar o uso do
biofertilizante como adubo através da exigência de planos de manejo
de nutrientes nas propriedades;
·
Realizar estudos,
detectar parceiros e implementar projetos que objetivem a produção
de energia a partir dos dejetos de suínos e de outros animais, isto
pode se dar pela construção de usinas nas regiões de concentração
animal.
Bibliografia
Consultada
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WIKIPEDIA. História.
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Julio Cesar Pascale Palhares
possui graduação em Zootecnia pela
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1995),
mestrado em Agronomia (Energia na Agricultura) pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1998) e doutorado em
Ciências da Engenharia Ambiental pela Universidade de São Paulo
(2001). Atualmente é Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa
Agropecuária (Embrapa Suínos e Aves). Concentra suas atividades de
pesquisa na área de Manejo de Resíduos Animais, com ênfase em manejo
de resíduos de suínos e aves, atuando principalmente nos seguintes
temas: impacto ambiental dos resíduos animais nos recursos hídricos,
gestão ambiental e manejo de microbacias hidrográficas, educação
ambiental e leis de licenciamento referentes a produção animal
Contato:
palhares@cnpsa.embrapa.br
Reprodução autorizada desde
que citado o autor e a fonte
Dados para citação
bibliográfica(ABNT):
PALHARES, J.C.P.
Biodigestão
anaeróbia de dejetos de suínos: aprendendo com o passado para
entender o presente e garantir o futuro.
2008. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2008_1/Biodigestao/index.htm>.
Acesso em:
Publicado no Infobibos
em 12/02/2008
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