Planejamento estratégico e verificação de riscos na piscicultura
Ricardo Firetti Durante as últimas décadas, a piscicultura tem sido alvo de constantes transformações, tendo-se consolidado como importante atividade no agronegócio brasileiro, substituindo em parte o peixe proveniente da pesca extrativa. Diferentemente de outras épocas, o acesso ao pescado cultivado está mais fácil para o consumidor, sobretudo em razão de grandes projetos de produção e abate, e contratos de fornecimento com redes de hipermercados.
Em 1996, a produção de peixes em cativeiro era de 75 mil toneladas por ano. Atualmente, segundo o Departamento de Desenvolvimento da Aqüicultura da Secretaria Especial de Aqüicultura e Pesca da Presidência da República, a produção nacional é de 210 mil t/ano (Figura 1).
O acentuado crescimento da atividade está em consonância com pesquisas do organismo das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO, 2000). Segundo os estudos, a aqüicultura será a principal fonte de proteína de pescado para as próximas décadas. A contínua redução dos estoques naturais vem diminuindo a viabilidade da pesca extrativa.
Ao mesmo tempo, a cadeia produtiva da piscicultura se desenvolveu no Brasil. Arranjos produtivos locais (APLs) em vários pontos do País têm reunido os segmentos de insumos, produção e beneficiamento em regiões específicas.
A atividade passou a ser conduzida de modo mais profissional e seus canais de distribuição foram diversificados. Em 1996, a produção era vendida diretamente aos consumidores ou a pesqueiros espalhados pelo eixo Sul–Sudeste. Hoje em dia os consumidores de centros urbanos grandes e médios têm acesso aos peixes cultivados. Pacus, pintados e tilápias criados em cativeiro estão à venda nas peixarias dos principais supermercados.
A piscicultura brasileira já contribui com os saldos positivos da balança comercial do agronegócio brasileiro. De janeiro a dezembro de 2006 foram exportadas 165 toneladas de tilápia para a Europa e os Estados Unidos. Peixes inteiros congelados, filés congelados e filés frescos obtiveram o valor de R$ 1,15 milhões na exportação. Espécies nativas, ainda que de forma discreta, têm sido exportadas para diversos países europeus.
Contudo, trata-se de atividade ainda imatura. A entrada de novos agentes no segmento produtivo da piscicultura tem de ser feita com critério, até porque há entraves e gargalos que dificultam sua consolidação como cadeia agroindustrial.
O planejamento estratégico é uma ferramenta importante para a análise da organização e do mercado. Torna possível conhecer pontos fortes e fracos, com também as oportunidades e ameaças do ambiente externo ao segmento produtivo. Assim se pode definir o posicionamento estratégico de novos e antigos empreendimentos.
Além da análise, é fundamental avaliar os riscos da atividade que possam dificultar a implementação de novos projetos. Conhecendo os riscos, podem-se utilizar mecanismos que permitam a adoção de medidas alternativas para sua redução.
Entrevistas com os responsáveis técnicos de 12 empresas de piscicultura permitiram identificar diversos fatores e variáveis com as quais se pôde elaborar uma análise de planejamento estratégico e verificação de riscos. São profissionais de denotada experiência na atividade, que trabalham em empresas com expressão no mercado, localizadas em São Paulo, Paraná e Mato Groso do Sul. Para a análise de planejamento estratégico e verificação de riscos utilizaram-se técnicas de análise de SWOT, matriz de EFE e análise de riscos.
Os municípios abrangidos pelo levantamento são os seguintes: em Mato Grosso do Sul, Dourados; no Paraná, Rolândia; e em São Paulo, Buritama, Campos do Jordão, Euclides da Cunha, Mococa, Porto Feliz, Rinópolis, São Paulo, Sertãozinho e Valinhos. A análise de SWOT foi desenvolvida na década de 1960, pela Escola de Administração Geral da Universidade de Harvard (EUA), com o objetivo de reunir o “estado interno” com suas “expectativas externas”. O propósito era identificar os pontos fortes e fracos de uma organização com as oportunidades e ameaças provenientes do cenário em que a organização se inseria.
Os pontos fortes e fracos são decorrentes de variáveis internas e controláveis pelo segmento produtivo da piscicultura (recria e engorda de alevinos). As oportunidades e ameaças são decorrentes de variáveis externas. Estas não são diretamente controláveis, mas eventualmente as unidades de produção de pescado podem exercer alguma influência. Para otimizar o foco da análise em questão, os alevinos são considerados insumos do segmento de produção, em razão do pequeno número de empresas especializadas na reprodução de peixes.
Pontos fortes: • Diversidade de sistemas de produção (consórcios e policultivo); • Diversificação de espécies; • Pacotes tecnológicos definidos (tilápia e surubim); • Produtividade (kg carne/ha/ano); • Eficiência alimentar (CA = 1,5 a 2,0); • Ciclo de produção (4 a 14 meses); • Número elevado de produtores.
Pontos fracos: • Dificuldade de controle e monitoramento de peixes estocados (furtos e predadores); • Sanidade em peixes (profissionais, difusão de técnicas e produtos); • Inexperiência de técnicos recém-formados; • Falta de corporativismo e cooperação (elevada concorrência); • Falta de programação na aquisição de alevinos; • Informalidade.
Oportunidades relativas a recursos naturais: • Abundância de recursos hídricos e represamentos; • Clima favorável à aqüicultura (temperatura e fotoperíodo); • Diminuição dos estoques de pesca extrativa e redução ou restrição na oferta.
Oportunidades relativas a pesquisa e desenvolvimento: • Centros de excelência em pesquisa básica e aplicada; • Fortalecimento da pesquisa em piscicultura na Embrapa.
Oportunidades relativas a políticas públicas: • Aumento no número de escolas e técnicos especialistas em piscicultura; • Criação da SEAP.
Oportunidades relativas a insumos: • Capacidade de fornecimento de alevinos; • Qualidade genética da tilápia; • Avanços em biotecnologias (criopreservação); • Logística de distribuição de insumos (rações e alevinos); • Indústrias de ração (multinacionais); • Produção de grãos no Brasil.
Oportunidades relativas a comercialização: • Estabilidade do segmento de pesqueiros; • Infra-estrutura instalada de resfriamento, processamento e transporte (pesca extrativa); • Avanços tecnológicos no beneficiamento (abate, cortes, resíduos e subprodutos).
Oportunidades relativas a mercado consumidor: • Aumento da oferta de pescados cultivados em hipermercados e na Ceagesp; • Aumento aparente no consumo per capita de pescados; • Tendência de aumento no consumo de carnes brancas; • Crises de sanidade animal na avicultura, bovinocultura e suinocultura; • Abertura do mercado de exportação de filés frescos nos EUA e UE.
Ameaças relativas a recursos naturais: • Redução na qualidade e quantidade água doce; • Dificuldade de obtenção de licença ambiental e outorga de uso de águas públicas.
Ameaças relativas a pesquisa e desenvolvimento: • Centralização das unidades de pesquisa em piscicultura; • Inexperiência de novos pesquisadores em temas aplicados; • Carência de tecnologias nacionais específicas (softwares, equipamentos, materiais e medicamentos); • Ineficácia e falta de objetividade de instituições de pesquisa.
Ameaças relativas a políticas públicas: • Ineficácia e falta de objetividade da SEAP e das câmaras setoriais; • Linhas de financiamento específicas inexistentes ou de difícil acesso; • Ausência de estatísticas confiáveis sobre a produção de pescado cultivado; • Ausência de normas técnicas específicas (insumos e produção).
Ameaças relativas a insumos: • Melhoramento genético de espécies nativas; • Descontrole genético e genealógico de espécies nativas; • Sazonalidade na reprodução de espécies nativas; • Plano nutricional pouco segmentado para espécies nativas, em especial as carnívoras.
Ameaças relativas a comercialização: • Pequeno número de frigoríficos especializados; • Informalidade de pesque-pagues; • Excesso de atravessadores; • Elevado índice de inadimplência.
Ameaças relativas a mercado consumidor: • Menor hábito de consumo de pescado continental; • Concorrência com produtos da pesca extrativa; • Concorrência com pescado importado; • Instabilidade no consumo de pescado (em relação ao calendário religioso).
A partir da predominância de pontos fortes e fracos, ameaças e oportunidades, podem-se adotar estratégias que busquem a sobrevivência, manutenção, crescimento ou desenvolvimento da organização. Deve-se levar em consideração o atual ciclo de vida do empreendimento ou mesmo do segmento produtivo como um todo. Ao cruzar estas informações numa matriz (Figura 1), é possível determinar a fase de desenvolvimento da organização em seu atual momento.
A partir dessa análise pode-se determinar a postura estratégica de modo sistemático, eliminando a subjetividade. Cabe observar, porém, que a decisão final recairá sempre sobre os líderes empresariais. Assumir riscos com uma postura diferente da mais “prudente“ (apontada pela análise) poderá trazer melhores resultados, mas também destruir o negócio. Os conceitos de cada quadrante da matriz são:
• Sobrevivência: parar investimentos e reduzir despesas; • Manutenção: usufruir ao máximo dos pontos fortes e reduzir os pontos fracos, sendo a segunda ação preferível quando se esteja enfrentando ou se espera enfrentar dificuldades; • Crescimento: ambiente proporciona condições favoráveis que podem se transformar, quando a empresa efetivamente usufrui da situação favorável; • Desenvolvimento: pode dar-se em duas direções, ou seja, na procurar por novos mercados e clientes, ou de novas tecnologias, construindo novos negócios.
No caso específico do segmento de produção de peixes, a análise criteriosa dos pontos fortes e fracos, ameaças e oportunidades, denota o posicionamento da atividade no quadrante superior esquerdo da matriz, com leve tendência ao centro. Muitos fatores negativos já atuantes podem ter influência menos significativa e ser contornados em curto prazo. Os fatores positivos são mais acentuados, desde que haja maior comprometimento dos agentes da cadeia produtiva como um todo, promovendo o desenvolvimento da atividade.
Utilizam-se aqui os conceitos da matriz de Avaliação de Fatores Externos (Matriz EFE). Trata-se de técnica de auxílio à avaliação de informações econômicas, sócio-culturais, demográficas, ambientais e competitivas, que permite determinar a capacidade do segmento produtivo de aproveitar as oportunidades e reduzir as ameaças, definidas anteriormente na análise de SWOT.
A cada Fator Crítico de Sucesso externo (FCS) atribui-se um peso de 0 (não importante) a 1 (muito importante), caracterizando a importância dos fatores para o sucesso do empreendimento. A soma dos pesos é igual a 1. Em seguida, pontua-se cada FCS externo, com valores entre 1 e 4, para traduzir a capacidade do segmento de responder a cada fator. Finalmente, cada peso é multiplicado pela pontuação recebida. Quanto mais alto o valor encontrado (1 a 4), maior a capacidade do segmento de contrapor-se às ameaças e aproveitar as oportunidades (Quadro 1).
A Matriz de EFE mostra que o segmento de produção de peixes (recria e engorda), tem uma capacidade regular (2,18), tendendo a boa, de aproveitar as oportunidades que o ambiente externo oferece e reduzir as ameaças existentes. Isso explica, em parte, as inúmeras dificuldades em consolidar a cadeia agroindustrial da piscicultura.
Por fim, utiliza-se a avaliação de riscos para estabelecer o impacto e a probabilidade de ocorrência das ameaças e pontos fracos identificados na análise de SWOT. A partir dessa avaliação, é possível desenvolver estratégias de tratamento dos riscos, em função de seu nível de impacto e probabilidade de ocorrência.
Os riscos de baixo impacto podem ser aceitos ou monitorados por precaução. Os de alto impacto devem ser submetidos a medidas alternativas de correção. Vale ressaltar que riscos de alto impacto no segmento produtivo e elevada probabilidade de ocorrência têm de ser vistos com extrema atenção, em razão dos prejuízos que podem causar às organizações.
Riscos de alta probabilidade de ocorrência e alto impacto: • Redução de quantidade e qualidade de água; • Licenciamento ambiental; • Acesso a linhas de financiamento; • Melhoramento genético espécies nativas; • Sazonalidade fornecimento alevinos de espécies nativas; • Reduzido número de frigoríficos; • Informalidade da pesca esportiva; • Concorrência com produtos da pesca e importados; • Sanidade de peixes; • Ausência de corporativismo e cooperação no segmento produtivo; • Falta de programação na aquisição de alevinos.
Riscos de baixa probabilidade de ocorrência e alto impacto: • Ineficácia do sistema de pesquisa; • Ineficácia da SEAP; • Descontrole genético; • Inadimplência; • Carência de normas técnicas; • Dificuldade de controle e monitoramento de peixes estocados.
Riscos de alta probabilidade de ocorrência e baixo impacto: • Ausência de estatísticas; • Deficiências no plano nutricional de algumas espécies; • Presença de atravessadores; • Instabilidade no consumo de pescado.
Riscos de baixa probabilidade de ocorrência e baixo impacto: • Centralização da pesquisa; • Inexperiência de novos pesquisadores; • Carência de algumas tecnologias específicas; • Inexperiência de profissionais recém formados.
Quando comparada a outros complexos agroindustriais como o leite, carne bovina e frango, a piscicultura mostra que tem muito a crescer. Precisa se organizar como cadeia produtiva. A produção, o processamento e a comercialização de pescado cultivado têm delicados entraves a superar, mas estes podem ser vencidos por meio do estreitamento de interesses dos segmentos que compõem a cadeia de produção da piscicultura.
BIBLIOGRAFIA AZEVEDO, M.C.; COSTA, H.G. Métodos para avaliação da postura estratégica. Cadernos de Pesquisa em ADM. São Paulo. v.08, n.2, 2001, p.1-18. MARQUES, R. Strategus: um processo de planejamento estratégico para pequenas empresas de tecnologia da informação. Dissertação de Mestrado. UFPE. Recife. 2005, 200p. MOREIRA, A.C.M. Um método para identificação e priorização de oportunidades/ameaças e pontos fortes/fracos no planejamento estratégico utilizando uma metodologia MCDA-Construtivista. Dissertação de Mestrado. UFSC. Florianópolis. 2003, 124p. TCU Análise de swot e verificação de riscos. Boletim do Tribunal de Contas da União. Brasília. TCU. n.17, 2005, 26p. FIRETTI, R., SALES, D.S. Lucro com tilápia é para profissionais. In: ANUALPEC 2007. Instituto FNP. São Paulo. 2007. p.312-315.
*Projeto SIGA/APTA NRP 2139 ** Origem AptaRegional - www.aptaregional.sp.gov.br Ricardo Firetti é pesquisador de Economia no Pólo Regional da Alta Sorocabana da APTA/SAA; Sheila Merlo Garcia é pesquisadora vinculada ao PIPE/FAPESP (Processo 04/02903-9); Dalton Skajko Sales é diretor-técnico da TECNOPEIXE;
Dados para citação bibliográfica(ABNT): FIRETTI, R.; GARCIA, S.M.; SALES, D.S. Planejamento estratégico e verificação de riscos na piscicultura. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/planejamento/index.htm>. Acesso em: Publicado no Infobibos em 07/12/2007
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