Não Custa ser prudente ao dispor lodo de esgoto em solo agrícola!

 

 por Otávio Antonio de Camargo

 

O notável progresso científico que tem caracterizado este século agitou também toda a nossa estrutura sócio-econômica, a qual, em muitos aspectos, parecia já consolidada.

As constantes inovações originárias da pesquisa praticamente revolucionaram o sis-tema produtivo, ampliando e diversificando, extraordinariamente, todas as atividades tecnológicas. Ao mesmo tempo, e em decorrência de um desenvolvimento industrial explosivo, intensificaram-se os processos de origem e de expansão das grandes aglomerações humanas. A cada dia, mais e mais passaram as cidades a polarizar o interesse de largas faixas da população, justificadamente atraídas pelas perspectivas de amplas possibilidades de emprego e de acesso a melhores padrões de vida. Em conseqüência, as áreas urbanas se ampliam em progressão quase assustadora; confundem-se nos seus limites e acabam por assumir a configuração típica do gigantismo dos grandes centros populacionais, que são efeito e causa de intrincada rede de atividades industriais, comerciais e dos mais variados tipos de prestação de serviços.

 

A maior parte dos problemas próprios dos grandes centros populacionais, entre os quais se alinha, obviamente, toda a espécie de desajustes e de marginalização social, é sobejamente conhecida e sentida. Problema menos sentido em toda a sua extensão, com certeza, mas nem por isso menos grave, é o constituído pela deterioração da qualidade do ambiente e, inclusive, de condições essenciais à própria vida, causada por essas concentrações de milhões de indivíduos e dos mais diversos complexos fabris.

 


Lixo

Lodo aplicado ao solo

Usina de Açúcar e Álcool

 

As populações estão envenenando a si próprias e em escala crescente, tornando já calamitosa a situação do abastecimento de água de inúmeras cidades, como é o caso das situadas na bacia do rio Piracicaba, no Estado de São Paulo. Diariamente, imensos volumes de resíduos domiciliares e industriais altamente poluidores são continuamente produzidos. Seja por falta de recursos, seja por negligência criminosa, grande parte desses resíduos, sem ter sofrido qualquer tipo de depuração prévia, é lançada diariamente nos cursos de água que irão abastecer outras indústrias e as populações situadas a jusante dos emissários.

 

Entretanto, e deploravelmente, os resíduos domiciliares e industriais não são as únicas causas de degradação da qualidade do ambiente. Certamente, da agricultura, em sentido amplo, dependem as populações totalmente para sua alimentação e em muito também para o seu bem-estar, pois raros são os bens de consumo que não utilizam alguma matéria-prima dessa origem. Desse modo, a sustentação do crescimento populacional e a crescente demanda de bens, a cada dia mais diversificada, continuamente exercem forte pressão sobre os recursos naturais e forçam a intensificação e a sofisticação do setor primário da produção. Este por sua vez, para atingir e manter altos níveis de produtividade, não pode prescindir da intensa utilização dos chamados insumos modernos. Fertilizantes, inseticidas, fungicidas e herbicidas, quando aplicados de maneira inadequada e sem observância de outras medidas cautelosas, em maior ou menor grau podem também contribuir para a degradação da qualidade do ambiente. Some-se a isto o fato de se estar procurando usar o solo agrícola como alternativa de disposição de subprodutos de diferentes fontes e que apresentam virtudes, mas carregam muitas vezes um espectro de adversidades perigosas para o ambiente. Contribuem, ainda, e de maneira drástica para a poluição dos cursos de água, os complexos agroindustriais situados na zona rural e em muitos casos já nos limites urbanos, como as indústrias de celulose e papel e as usinas e os engenhos produtores de açúcar e álcool e fábricas de alimentos e sucos.

 

A conclusão inevitável, quando se consideram todas essas fontes de poluição e principalmente em projeção futura, é de que a humanidade já se defronta com o seu decisivo e, por isso mesmo dramático, desafio. A sua escala evolutiva, no sentido mais amplo que deva ter o desenvolvimento, não pode prescindir do progresso tecnológico e da sua intensificação. Mas estes já estão levando a concentração de resíduos a níveis insuportáveis, que se forem atingidos provocarão, sem dúvida, um desequilíbrio de todo o ecossistema, tornando inviável a vida do próprio homem e não apenas a dos seres que o rodeiam, como já está acontecendo.

 

A crescente demanda da sociedade pela manutenção e melhoria das condições ambientais tem exigido das autoridades e das empresas públicas e privadas atividades capazes de compatibilizar o desenvolvimento às limitações da exploração dos recursos naturais. Dentre os recursos, os hídricos, que até a geração passada eram considerados fartos, tornaram-se limitantes e comprometidos, em virtude da alta poluição em algumas regiões, necessitando portanto de rápida recuperação. Nessas condições, há que se tratar os esgotos urbanos que são os principais poluidores dos mananciais hídricos.

O tratamento dos esgotos, que com certeza irá despoluir os rios, resulta na produção de um lodo rico em matéria orgânica e nutrientes, denominado lodo de esgoto ou biossólido, havendo necessidade de uma adequada disposição final desse “resíduo”. Entretanto, diversos projetos de tratamento de esgotos não contemplam o destino final do lodo produzido e com isso anulam-se parcialmente os benefícios da coleta e do tratamento dos efluentes. Assim, a comunidade precisa encarar com muita seriedade este problema e, com auxílio das pesquisas científicas e tecnológicas, desenvolver alternativas seguras e factíveis para que esse produto não se transforme num novo problema ambiental, mas sim tirar vantagens ambientais de sua disposição.

 

A disposição final adequada do lodo é uma etapa problemática no processo operacional de uma estação de tratamento de esgoto, pois seu planejamento tem sido negligenciado e apresenta um custo que pode alcançar até 50% do orçamento operacional do sistema de tratamento.

 

As alternativas mais usuais para o aproveitamento ou disposição final do lodo de esgoto ou biossólidos são: disposição em aterro sanitário (aterro exclusivo e co-disposição com resíduos sólidos urbanos); reuso industrial (produção de agregado leve, fabricação de tijolos e cerâmica e produção de cimento); incineração (incineração exclusiva e co-incineração com resíduos sólidos urbanos); conversão em óleo combustível; disposição oceânica; recuperação de solos (recuperação de áreas degradadas e de mineração); “landfarming” e uso agrícola e florestal (aplicação direta no solo, compostagem, fertilizante e solo sintético). Entre as diversas alternativas existentes para a disposição final do lodo de esgoto ou biossólido, aquela para fins agrícola e flores-tal apresenta-se como uma das mais convenientes, pois, como o lodo é rico em matéria orgânica e em macro e micronutrientes para as plantas, é amplamente recomendada sua aplicação como condicionador de solo e ou fertilizante. Entretanto, o lodo de esgoto apresenta em sua composição diversos poluentes como, metais pesados e organismos patogênicos ao homem, dois atributos que devem ser olhados com muito cuidado.

 

A disposição de esgotos na agricultura é uma prática antiga. As informações mais conhecidas são as originárias da China. No ocidente, sabe-se que na Prússia a irrigação com efluentes de esgotos era praticada desde 1560. Na Inglaterra, por volta da 1800, foram desenvolvidos muitos projetos para a utilização agrícola dos efluentes de esgoto, especialmente em razão do combate à epidemia do cólera. A adoção da prática de uso do solo como meio de disposição do esgoto ou do lodo tem sido freqüente em muitos países.

 


Reciclagem

 

No Brasil, não é difundida a prática de incorporar resíduos de esgoto – lodo e efluente – aos solos, porque ainda são poucas as cidades dotadas de estações de tratamento de esgotos (ETE). O Ministério do Meio Ambiente estima que menos de 10% do esgoto urbano produzido são tratados antes de serem lançados nos rios.

 

O lodo de esgoto apresenta uma composição muito variável, pois depende da origem e do processo de tratamento do esgoto. Um lodo de esgoto típico apresenta em torno de 40% de matéria orgânica, 4% de nitrogênio, 2% de fósforo e os demais macro e micronutrientes.

 

Benefícios do uso agrícola do lodo de esgoto

 

A utilização do lodo de esgoto em solos agrícolas tem como principais benefícios a incorporação dos macronutrientes nitrogênio e fósforo, e dos micronutrientes zinco, cobre, ferro, manganês e molibdênio. Como os lodos são pobres em potássio, cerca de 0,1%, há necessidade de se adicionar esse elemento ao solo. Pode-se dizer que, normalmente, o lodo de esgoto fornece ao solo os nutrientes para as culturas, no entanto, há que se ter conhecimento da sua composição, a fim de se calcularem as quantidades adequadas a serem incorporadas, sem correr o risco de toxicidade às plantas e em certas situações aos animais e ao homem e também sem poluir o ambiente.

 

Quanto à melhoria das condições físicas do solo, o lodo de esgoto, de maneira semelhante à matéria orgânica, aumenta a retenção de umidade pelos solos arenosos e melhora a permeabilidade e infiltração nos solos argilosos e, por determinado tempo, mantém uma boa estrutura e estabilidade dos agregados na superfície. Por outro lado, a capacidade de troca de cátions do solo, o teor em sais solúveis e de matéria orgânica podem ser aumentados, o que é extremamente benéfico para a maioria de nossos solos agrícolas que geralmente são pobres e têm baixa capacidade de troca de cátions.

 

Embora não tenham sido feitas ainda em quantidade desejável, várias pesquisas conduzidas no país já mostraram que o lodo é um produto que tem uma perspectiva muito animadora no que diz respeito ao seu uso no solo para produção de plantas. Para a cultura do milho no cerrado brasileiro, Silva et al. (2000) demonstraram que o lodo de esgoto, gerado pela CAESB em Brasília, DF, apresenta potencial para substituição dos fertilizantes minerais. Mello & Marques (2000) apresentaram informações sobre o fornecimento de nutrientes pelo lodo de esgoto para as seguintes culturas: cana-de-açúcar, milho, sorgo e azevém. Entretanto, existem informações do aproveitamento do lodo de esgoto para arroz, aveia, trigo, pastagens, feijão, soja, girassol, café e pêssego entre outras culturas (Bettiol & Camargo, 2000). Também em espécies florestais o lodo vem sendo utilizado com sucesso. Gonçalves et al. (2000) apresentaram informações sobre o potencial do uso do lodo de esgoto, gerado na ETE de Barueri, SP, para o cultivo de eucalipto.

 


Estação de Tratamento de Esgoto

 

Consideração sobre os componentes potencialmente poluentes do lodo de esgoto

 

Apesar de todas as vantagens, o lodo de esgoto pode apresentar em sua composição elementos tóxicos e patógenos ao homem. Dessa forma, há necessidade de se conhecerem seus efeitos no solo quando utilizado na agricultura. Muitas questões ainda não foram respondidas pela pesquisa científica e esse é um fator ponderável a ser levado em consideração relativo ao seu uso na agricultura.

 

Uma questão fundamental é a que diz respeito à presença e concentração de elementos potencialmente tóxicos. O lodo contém normalmente um nível desses elementos maior que o solo, mesmo que seja, eminentemente doméstico. Assim, a sua incorporação nos solos agrícolas deve ser adequadamente controlada e monitorada. Além do zinco, cobre, manganês, ferro e molibdênio que são nutrientes essenciais para as plantas, mas que em altas concentrações podem causar sérios problemas, o níquel, o cádmio e o chumbo geralmente aparecem em quantidades apreciáveis, especialmente se os lodos provêm de regiões industrializadas. Nesse caso, há que se controlar e monitorar a aplicação porque zinco, cobre e níquel, em especial, se presentes em teores elevados podem ser fitotóxicos, podendo, no caso do cádmio, não apresentar fitotoxicidade, ser absorvido em grande quantidade e ser altamente prejudicial para os animais que se alimentem das plantas.

 

A mobilidade dos metais pesados no solo depende em grande parte da sua reação, ou seja, se ele é mais ou menos ácido e, de maneira geral, aconselha-se que o pH dos solos nos quais se faz incorporação de lodo, deva ser mantido acima de 5,5 para evitar que os metais pesados, potencialmente tóxicos, possam ser absorvidos pelas plantas em quantidades que apresentem perigo. À medida que aumenta o tempo de contato do lodo com o solo, diminui o perigo das plantas absorverem os metais pesados em excesso porque estes são fortemente retidos pelos colóides do solo, embora essa afirmativa nem sempre possa ser generalizada.

 

O nitrogênio é um elemento essencial para o crescimento vegetal e para os seres vivos do solo. O uso adequado do lodo deve visar a eficiente utilização do nitrogênio, com um mínimo de perdas por percolação, volatilização, desnitrificação e arraste superficial. Com a decomposição do lodo adicionado ao solo, o nitrogênio orgânico é convertido em amônio ou nitrato. Os colóides do solo podem reter o amônio, mas o nitrato será normalmente lixiviado para fora da zona radicular porque a capacidade dos solos em retê-lo é baixa. Outrossim, em condições redutoras, pode ocorrer a desnitrificação, processo pelo qual o nitrogênio do nitrato é transformado em nitrogênio gasoso. Outra questão básica é o balanço desse nitrogênio. A matéria orgânica do lodo aplicado ao solo sofre mineralização, liberando nitrogênio nas formas amoniacal e nítrica que não são somadas às existentes antes da aplicação. Assim, a quantidade de lodo aplicada deve ser tal que a quantidade de nitrato ou amônio presentes não exceda aquela que a planta vai usar, pois o excesso ficaria em forma facilmente lixiviável que poderia alcançar e contaminar corpos de água subterrâneos. Talvez esse elemento seja um dos mais importantes para o monitoramento nas áreas onde o lodo de esgoto é utilizado.

 

É praticamente nulo o risco que o excesso de fósforo possa apresentar para as plantas porque dificilmente é constatada sua fitotoxicidade. Além disso, nossos solos, além de deficientes em fósforo, o retém com grande energia. Assim, a contaminação das águas subterrâneas por esse elemento é muito difícil. Entretanto há que se ter precaução pois o arraste do material sólido superficial por erosão levará consigo fósforo retido que em certas situações poderá ser liberado nos corpos de água superficiais para onde o material escorreu.

 

A decomposição do lodo de esgoto pode provocar a elevação da condutividade elétrica da solução do solo acima dos níveis aceitáveis para as plantas, em especial em regiões de baixa pluviosidade. Nas regiões de alta pluviosidade, os perigos são momentâneos, apenas enquanto as chuvas não arrastem os sais para fora da zona radicular. Dentre os sais provenientes da decomposição do lodo, os de sódio podem causar problemas, pois este elemento pode substituir o cálcio e o magnésio do complexo de troca, dispersando a argila, destruindo os agregados e a estrutura dos solos e reduzindo a permeabilidade e a infiltração da água.

 

Os lodos de esgotos contêm patógenos humanos como coliformes fecais, salmonela e helmintos, que são passíveis de serem eliminados durante o processamento. Entretanto é muito importante seu monitoramento, tanto no lodo a ser utilizado na agricultura, como no solo onde ele foi aplicado. Já existe uma razoável discussão sobre os riscos de contaminação do agroecossistema com parasitos pelo uso do lodo de esgoto.

 

Existe uma crescente demanda na última década para disposição do lodo de esgoto nos solos agrícolas e a comunidade científica e técnica já vem debatendo o assunto com certa intensidade. Entretanto, há que se refletir sobre o assunto de maneira ampla e envolvendo toda a sociedade de maneira especial no que diz respeito a uma possível agressão ambiental e a matéria deve ser tratada não como um inimigo a ser eliminado, mas um desafio a ser vencido.

 

O uso inadequado do solo é fonte muito importante de poluição. O descuido do homem em controlar a erosão, por exemplo, faz do solo uma fonte potencial de contaminação das correntezas, represas e lagos. O manejo inapropriado de defensivos, de águas de irrigação de baixa qualidade, a disposição indiscriminada de resíduos industriais e domésticos podem redundar no acúmulo de substâncias no sistema que podem ser tóxicas às plantas e, ao entrar na cadeia alimentar, serem letais aos animais e ao homem. Em virtude destas relações e dada sua importância no ecossistema o solo ocupa um papel fundamental no controle da qualidade do ambiente. Se este controle vai ser de boa qualidade ou não dependerá muito da maneira como serão manejadas as reservas edáficas.

 

Junto com o ar e a água, o solo é geralmente considerado como o mais importante componente ambiental. Além de prover uma plataforma para as atividades animais, inclusive para a sociedade humana, ele tem como função primacial sustentar diversas formas de vida, sendo o cultivo de plantas um exemplo fundamental.

 

O solo é um sistema tridimensional ou seja, tem uma superfície e uma profundidade. É formado por uma parte sólida e uma parte porosa ocupada pelo ar e pela água. A maneira como a parte sólida está estruturada determina o espaço poroso e a sua distribuição é muito importante no deslocamento da água e do material que está nela dissolvido. A natureza das superfícies da partículas sólidas coloidais (orgânicas ou minerais) também é um componente importante que regula o destino dos diversos elementos e substâncias pois é nessas superfícies que se processam grande parte das reações no solo. Não se pode esquecer também que o sistema é constituído de uma parte viva, biologicamente ativa, responsável pelo metabolismo de diversas substâncias que venham nele parar.

 

Dadas essas características, o solo pode funcionar com um grande reservatório para resíduos de diferentes tipos. Em condições naturais possui um alto poder tampão, ou seja, apresenta elevada resistência às mudanças provocadas por ações externas, reagindo às excitações do meio ambiente de maneira a manter as condições originais (seria mais adequado dizer “condições primevas”). Assim, pode-se dizer que o solo é um sistema difícil de poluir, mas é muito difícil de despoluir. Essa condição leva ao âmago do problema da poluição do solo: o uso inadequado desta reserva natural pode levar a situações onde esta capacidade tampão é excedida e a reversibilidade das reações fica significativamente prejudicada.

 

Em vista destes comentários convido-os a fazer uma reflexão sobre alguns ângulos que o cenário merece que, como figura de retórica, chamo-os de os dez pês do lodo, numa alusão aos dez pecados capitais, que são eles: paradigmas, prudência, permissividade, prognóstico, pesquisas abrangentes, planejamento, precipitação, participação, pecado capital e ponto final.

 

O homem nos últimos quinhentos anos, já na era científica, se depara com a mudança de alguns paradigmas que influenciam de maneira significativa seu comportamento e coloca-o no seu devido lugar perante à natureza. Primeiro surgem as idéias de Nicolau Copérnico que o tira do centro do universo e o reduz a um importante, mas ínfimo objeto, não o humilhando, porém fazendo-o lembrar que é um componente de um sistema maior e maravilhoso. Em seguida Charles Darwin apresenta-o ao seu primo macaco que, se a princípio o assusta, arremete-o ao devaneio de participar da evolução de algo magnífico que é a vida. E, nas últimas décadas ele percebe que habita a Terra e estarrecido acorda do seu sono e sente que nessa nave não há passageiros, mas apenas tripulantes. A problemática do meio ambiente nos afeta a todos.

 


Perfil de solo

 

Com esta nova percepção de mundo, começa a analisar a situação e vem estabelecendo outros parâmetros na construção do seu conceito de progresso, procurando substituir os frios índices econômicos de um modelo desenvolvimentista desajustado e sujo por índices sociais que levem em consideração o desenvolvimento humano e a qualidade de vida no planeta. Dentro desta perspectiva principia a elaboração de uma nova ética alicerçada em três grandes suportes: a preservação de uma diversidade cultural, justiça social e prudência ambiental. Prudência e canja de galinha não fazem mal a ninguém. Ela é uma característica do ser moderado, cauteloso. A visão com fatos ambientais muitas vezes é míope e o alcance dos estragos a longo prazo escapa-nos tanto do racional como do intuitivo. Por isso as questões relacionadas ao ambiente têm que ser discutidas à exaustão sempre lembrando que o jogo da vida é uma brincadeira de bumerangue. Nossos pensamentos, palavras e obras retornam a nós, mais cedo ou mais tarde, com impressionante exatidão. Na natureza não existem nem prêmios nem castigos, mas conseqüências.

 

A norma 4230 da Cetesb foi estabelecida em cima de uma leitura cuidadosa, por técnicos e cientistas de diversas instituições paulistas, da USEPA Clean Water Act 503 Regulations, dos Estados Unidos. Embora este país estude intensamente a matéria há pelo menos três décadas, sabe-se que as premissas levantadas como de que o próprio lodo provê o sistema com material suficiente para diminuir a disponibilidade de muitos elementos e que apenas o pH é o atributo a ser considerado para tanto é ainda assunto de muita polêmica enquanto processos cercados de muita incerteza científica. É nesse sentido que se deve olhar a norma, ou seja do ponto de vista da permissividade que é uma característica da 503 muito criticada se comparada com os padrões de outros países. Não se pode esquecer que, embora sejamos um país de dimensões continentais e com uma enorme área de solo agricultável, os maiores problemas se concentram próximos aos grandes e médios centros urbanos que muitas vezes ou por características intrínsecas do próprio solo ou da paisagem que ele ocupa não são adequados para o destino final, nem de lodo de esgoto nem de quaisquer outros resíduos ou subprodutos que possam representar uma ameaça ao ambiente. Se se levar em consideração que o preço do trans-porte pode se tornar impeditivo, a operação de disposição pode ser sensivelmente prejudicada. Assim, há que se rever os números e boa parte da filosofia de nossa norma levando em consideração uma visão de mais longo prazo.

 

Deve-se levar também em consideração que muito material de pesquisa e de padrões que se dispõe permite apenas o diagnóstico da situação. A extensão de danos de modo abrangente só pode ser avaliada com um prognóstico. Aqui devem ser estudados os processos e a estrutura dos sistemas ou seja, as interações substâncias -solo - resíduo, substâncias-resíduos, substâncias-solo, a disponibilidade delas no bio e no geossistema e seus fluxos. Merece destaque que desastres não acontecem a todo momento e que doses pequenas, muitas vezes homeopáticas de um elemento ou substância, podem, no longo prazo, causar desequilíbrios de monta no ecossistema.

 

Para que se atinja um entendimento da relação lodo no ambiente, pesquisas abrangentes devem ser realizadas. O assunto vem sendo tratado com certa profundidade nas instituições de pesquisa agrícola do Estado de São Paulo. Dos meados da década de 90 até hoje, muita coisa se evoluiu nesse contexto como, por exemplo, a noção da necessidade de se conduzirem ensaios no campo e de longa duração. Entretanto, certos ajustes finos e a incorporação de outros ramos do conhecimento para estabelecimento de parâmetros mais sólidos no entendimento dos processos no ambiente ainda são insipientes. O relacionamento intra, inter e transdisciplinar com outros campos do conhecimento como geoquímica, sedimentologia, hidroquímica, produção de biomassa para fins energéticos, entre outros, urge e é fundamental.

 

Para que a disposição de lodo no solo agrícola seja bem sucedida e de forma sustentável o planejamento ocupa lugar de destaque. Se a pesquisa só fornece subsídios limitados ao campo essencialmente agrícola não é possível planejar para o ambiente. Além do mais, acoplar-se o conhecimento da produtividade das culturas apenas à produção de alimentos e fibra é muito pouco. A reconstrução da natureza e a criação de sistemas integrados que contemplem também a produção de energia é muito importante. É só com uma base sólida fornecida pela pesquisa integrada que se gerará o conhecimento necessário à construção do saber que oferecerá o alicerce adequado a um planejamento sustentável.

 

Entretanto, deve ser destacado que nossas pesquisas, embora os grupos envolvidos sejam competentes, ainda não são suficientes para construir cenários ambientais seguros. Assim, a precipitação ao usar os seus resultados, pode ser arriscada. Muita cautela, bom senso e discussão ainda são necessários na elaboração de projetos que conduzam a uma evolução sustentável dos agroecossistemas.

 

Aplicação de lodo

 

 

A participação é atribuição tanto do Estado como da sociedade. A degradação ambiental não é conseqüência do desenvolvimento, mas de uma modalidade particular dele, fazendo-se assim necessária e urgente uma correção significativa de rota. A solução não está em desacelerar o desenvolvimento, mas mudar qualitativa e quantitativamente o modelo, mantendo como alvo primacial o melhoramento da qualidade de vida, porém nem sempre pensando em crescimento apenas como aumento da produção. Para tanto não se pode ter um Estado pequeno, fragmentado e frágil, como tem acontecido em muitas partes do mundo, e em especial no nosso País, mas um Estado que, se pequeno, seja sadio e robusto. O definhamento de instituições de ensino, pesquisa, fiscalização e supervisão ligadas ao Estado e, portanto neutras e reais protetoras dos interesses da sociedade, é um perigo à possível entrada de capitais imorais e atravessadores inescrupulosos das questões ambientais. A sociedade, principalmente no nível municipal, tem que participar da problemática ambiental por meio de conselhos comunitários que não sejam consultivos, mas sim deliberativos, traçando os rumos da demanda necessária de pesquisa e opinando na sua elaboração mostrando a sua visão de usuário e participante do sistema.

 

Finalmente deve ser lembrado um pecado capital. Não existe dono da Natureza, ela é per se. Ela estabelece as leis. Ela pode estabelecer terremotos, furacões, até erosão. O Pinatubo pode liberar em algumas horas 800 t de mercúrio na atmosfera. Nós não. Não podemos estabelecer nossos limites nivelando-os à Natureza. Nossos limitem têm que ser estabelecidos de forma sustentável. Isso quer dizer “satisfazer as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de satisfazer às suas próprias necessidades “.

 

Ponto final: todo cuidado é pouco, não temos o direito de emporcalhar a casa que nos foi gentilmente (apenas) cedida.


Origem: Instituto Agronômico - www.iac.sp.gov.br


Otávio Antonio de Camargo, formado em engenharia agronômica (1967) e mestre em Agricultura (1972) pela Esalq-USP e PhD pela Universidade da Califórnia (1978).
É pesquisador do IAC desde 1969 (atualmente nível VI), professor colaborador da Esalq-USP desde 1990 e bolsista de produtividade do CNPq desde 1970. Já foi do Comitê externo de avaliação de diversos Centros e de programas da Embrapa e do CNPq. Tem diversos livros, capítulos de livros e boletins editados e é autor de aproximadamente uma centena de artigos científicos em revistas nacionais e internacionais. É editor associado da Revista Brasileira de Ciência do Solo desde 1979, revisor de diversas revistas nacionais e internacionais e assessor científico da FAPESP e do CNPq, entre outras agências financeiras, desde 1980.
Contato: Otávio Camargo

 

 



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

CAMARGO, O.A. Não Custa ser prudente ao dispor lodo de esgoto em solo agrícola! 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/LodoEsgoto/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 19/11/2007

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