Demandas e impactos das ações da Embrapa no agronegócio de frutas e mandioca no Extremo Sul da Bahia
Arlene Maria Gomes Oliveira Carlos Estevão Leite Cardoso Jailson Lopes Cruz Jackson Lopes de Oliveira
O Extremo Sul da Bahia apresenta boas condições de cultivo para frutas tropicais e para mandioca. Além de ser a maior área produtora de mamão do Estado, a região apresenta cultivos comerciais de mandioca e de várias outras fruteiras, tais como citros, maracujá, acerola, abacaxi, banana, graviola, pinha, macadâmia, goiaba e coco. A fruticultura regional é de desenvolvimento bastante recente, carecendo de informações técnicas ajustadas às suas condições ambientais para obter um melhor desempenho. Tais informações precisam ser geradas ou adaptadas por ações de pesquisa e transferidas para os agentes das cadeias produtivas mediante eventos tais como dias de campo, palestras, cursos e simpósios, em busca de conferir uma maior competitividade às empresas agrícolas da região.
A agricultura familiar, neste contexto, merece destaque pela sua importância no cenário estadual e regional. Fiory (2005), por meio de informações obtidas junto ao INCRA, relata que na região do Extremo Sul existem 28 assentamentos rurais nos 21 municípios, com 2.139 famílias assentadas em 47.246 ha, de onde retiram a maior parte de seu sustento. No que lhe compete, a Embrapa vem desenvolvendo trabalhos com a geração e a introdução de tecnologias, proporcionando a melhoria da renda e a satisfação dos agricultores familiares. Mas algumas outras questões, que fogem à sua competência para a resolução, por vezes dificultam o alcance dos objetivos esperados. A atuação do poder público, definindo políticas públicas para o setor, é de primordial importância. Um exemplo que pode ser citado é o da Secretaria de Agricultura de Porto Seguro, que, em 2003, fez um levantamento para conhecer o perfil do pequeno produtor rural, de forma que se pôde levantar o seguinte quadro dos agricultores do município: 1) baixa renda (74% dos entrevistados tem como renda líquida mensal até um salário mínimo); 2) baixa escolaridade (29% são analfabetos, 56% com ensino fundamental incompleto, 5% com ensino fundamental completo); 3) crédito agrícola (78% nunca teve acesso); 4) documentação da propriedade (72% não possuem escritura); 5) comercialização da produção (60% para atravessadores, 27% vende na feira, 23% vende para varejistas); 6) custo do transporte (em 121 entrevistados, 85 informaram que os custos de transporte consomem 10% da renda, 14 informaram que consomem 30%, 13 informaram que consomem 20% e 9 não responderam); 7) envolvimento em outras atividades para a complementação da renda (83% são agricultores e 42% exercem outras atividades). Esse quadro se repete na maioria dos municípios do Extremo Sul da Bahia.
Da experiência obtida com o desenvolvimento de trabalhos com os agricultores familiares na região, desde o ano de 2001, pode-se acrescentar ainda outras aspectos: 1) desmotivação (baixa auto-estima); 2) alta inadimplência financeira; 3) atendimento ao produtor pela extensão rural vinculado à elaboração de projetos financeiros e disponibilidade de crédito agrícola; 4) venda da propriedade; 5) êxodo rural; 6) falta de infra-estrutura (educação, saúde, água potável, luz etc); 7) dificuldade de acesso ao mercado local. De posse desses dados, muitas ações podem ser desencadeadas para mudar o cenário da agricultura familiar regional. A criação de Grupos Gestores de Agricultura, onde os problemas e as soluções são discutidos de forma participativa, traz um comprometimento das instituições, cada uma na sua competência, visando trabalhar em conjunto com os mesmos objetivos.
Nesse contexto, a Embrapa tem levantado os principais problemas com duas culturas típicas da agricultura familiar regional, a mandioca e o abacaxi. Essas duas culturas têm mostrado produtividades muito baixas, inviabilizando um retorno econômico adequado. Além disso, a abacaxicultura apresenta como principais problemas a fusariose (doença fúngica), a produção em períodos de preços menos compensadores e a utilização de densidades de plantio inferiores às utilizadas em outras regiões. No caso da mandioca, têm sido observados elevado número de plantas com folhas amareladas, sinais de definhamento e até morte, o que está sendo atribuído à deficiência de manganês nas plantas. A mandioca é, em geral, cultivada em consórcio com milho e feijão, de uma forma desordenada, o que provoca competição entre as plantas por luz, água e nutrientes, atrasando o ciclo e diminuindo o rendimento das culturas.
Além da agricultura familiar, a região Extremo Sul da Bahia é a maior região produtora de mamão do Estado que, junto com o Norte do Espírito Santo é a maior área contígua produtora desta fruta no mundo. Gera emprego e renda o ano todo e movimenta a economia regional. Hoje, por meio de programas dos governos estadual e federal, o Brasil exporta mamão para a Europa e Estados Unidos.
Diante da importância da agricultura familiar e da expressividade do cultivo de mamão na região, a Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical vem desenvolvendo, com o apoio e parceria do MAPA, CNPq, Banco do Nordeste do Brasil, Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado da Bahia (Fapesb) e Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, sete projetos e três planos de ações, tendo como alvo as culturas da mandioca, abacaxi, mamão e banana. Estes projetos têm em sua concepção e execução as instituições locais, como EBDA, CEPLAC, ADAB, Secretarias de Agricultura dos municípios de Santa Cruz Cabrália, Guaratinga e Porto Seguro e FETAG. Embora seja recente a atuação mais próxima da Embrapa na região, já se faz sentir mudanças, tanto nos sistemas produtivos dos agricultores, como no próprio reconhecimento da empresa como geradora de tecnologia. Hoje, os produtores de mamão vêem na Embrapa uma parceira e têm participado ativamente da Produção Integrada de Mamão, por meio de cursos de capacitação, instalando experimentos em suas propriedades e seguindo as normas com o intuito de receber a certificação e ter seus produtos colocados de forma diferenciada nos mercados nacional e internacional.
No âmbito da Produção Integrada de Mamão, já foram realizados os seguintes treinamentos: (i) preenchimento de cadernetas de campo, (ii) normas técnicas específicas para a cultura do mamoeiro, (iii) regulagem e aferição de máquinas aplicadoras de insumos, (iv) operador de máquinas agrícolas, (v) aplicação de agrotóxicos/EPI/armazenamento e embalagem de agrotóxicos, (vi) manejo de pragas e doenças, (vii) formação de pragueiros, (viii) colheita e pós-colheita, (ix) boas práticas agrícolas (produção de mudas, manejo físico do solo, plantio e práticas culturais, manejo da irrigação, manejo da fertilização, controle do mato), (x) saúde, segurança no trabalho e primeiros socorros, (xi) aspectos relacionados à pré-auditoria e (xii) educação ambiental/planejamento ambiental/avaliação de riscos. Até o momento estão sendo trabalhadas oito propriedades rurais, com boas perspectivas de ampliação desse número.
Percebem-se, ainda empiricamente, os resultados das ações que têm sido desenvolvidas na região com os agricultores familiares, onde foram observadas na cultura do abacaxi a adoção de espaçamentos mais adensados, épocas de plantio mais adequadas para colheitas com preços melhores, identificação de pragas e doenças e adubações mais equilibradas. Em função dos resultados de pesquisa participativa, agricultores familiares dos projetos de assentamento da região estão adotando o espaçamento de plantio de abacaxi em fileira dupla de 0,90 x 0,40 x 0,40 cm, com uma densidade de plantio em torno de 38.000 plantas/ha, diferentemente do sistema anterior onde a densidade era de 25.000 plantas/ha. A identificação da fusariose pelos produtores permitiu nivelar os conhecimentos e ajustar o seu controle, pois a doença fúngica, em muitos casos conhecida como broca na região, era tratada com inseticidas. A variedade Imperial, resistente à fusariose, está sendo introduzida na região e será avaliada a sua adaptação e aceitação pelos produtores.
Por meio das capacitações e unidades de observação, os produtores têm conseguido melhores resultados também com o cultivo da mandioca, usando uma adubação mais equilibrada, corrigindo deficiência de micronutrientes e identificando pragas e doenças. Em áreas onde ocorre o distúrbio do amarelão, os agricultores estão incluindo nas adubações o sulfato de manganês ou a adubação com esterco, obtendo resultados positivos no controle da deficiência. Na região já foram introduzidas pela Embrapa as variedades de mandioca Cigana Preta, Crioula e Diamante e estão sendo alvos de novas introduções a Platina, a Amansa Burro e a Mestiça. Entre os aipins, foram avaliados com os produtores as variedades Saracura, Paraguai e Casca Roxa e, atualmente, foram introduzidas as variedades Eucalipto e Rosinha. Na região, a mandioca mais plantada é a Caravela, também conhecida como Milagrosa, enquanto entre os aipins a Manteiguinha é a mais popular. Porém, existe uma grande variabilidade de materiais com os agricultores, sendo que a extensão do plantio é maior ou menor dependendo da comunidade. As variedades de maior ocorrência além das anteriormente citadas são a Cachoeirinha (mandioca) e Camuquém (aipim).
Os resultados dos painéis realizados para definir os custos de produção de abacaxi e de mandioca da agricultura familiar na região já estão sendo procurados pelos técnicos responsáveis pela elaboração de projetos do PRONAF e pelos órgãos financiadores. Nos estudos do custo de produção para a cultura do abacaxi, definiram-se dois sistemas de cultivos: 1) Abacaxi adubado e 2) Abacaxi sem adubo. O sistema 1 foi caracterizado como aquele que usa mecanização no preparo do solo, usa adubo e faz indução floral. O sistema 2 foi caracterizado como aquele que não usa mecanização, usa apenas adubação orgânica no plantio e não usa nenhum outro insumo (adubo químico ou defensivo). O sistema 1 apresentou relação benefício/custo (B/C) de 2,54 e custo unitário de R$ 0,29/fruto. Simulou-se a possibilidade da produção, desse sistema, ser comercializada na propriedade, ao preço médio de R$ 0,50/fruto, nesse caso a relação B/C caiu para 2,28. O sistema 2 apresentou-se inviável (B/C igual a 0,89). O sistema de produção da mandioca solteira, considerando-se os preços dos fatores de produção e do produto vigente na região, apresentou-se inviável; a relação benefício/custo foi de 0,56. Por outro lado, o sistema de produção consorciado apresentou-se viável (relação custo/ benefício 1,06). Os sistemas de produção de aipim foram viáveis, apresentando relação benefício/custo de 2,28 e 2,52 respectivamente para os sistemas solteiro e consorciado. Nos painéis para levantamento dos custos de produção participaram agricultores dos municípios de Santa Cruz Cabrália, Porto Seguro, Eunápolis, Itabela e Guaratinga, representados pelos projetos de assentamentos e comunidades da Colônia, Produzir, Coqueiro Alto, Imbiruçu de Dentro, São Miguel, Descobrimento, Cedim, Terra Baía, Maravilha, Embaúba, Lajedo Bonito e Novo Horizonte. As ações de pesquisa e capacitação visam sempre envolver o maior número de agricultores e técnicos possíveis, com o intuito de capacitá-los nas práticas de cultivo e formar multiplicadores das tecnologias introduzidas e avaliadas.
Referências Bibliográficas:
FIORI, M. Em Semana de Manifestações pelo País, MST Comemora Assentamento com Lula na Bahia. Disponível em: <www.radiobras.gov.br/materia.phtml?materia=241545&editoria=NA. Consultado em 20/09/2006.
Secretaria do Meio Ambiente, Agricultura, Pesca e Abastecimento. Relatório de Pesquisa. Perfil do Produtor Rural de Porto Seguro. Porto Seguro – BA, julho a dezembro/2003. Arlene Maria Gomes Oliveira, Carlos Estevão Leite Cardoso e Jailson Lopes Cruz são Pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical. E-mails: arlene@cnpmf.embrapa.br; estevao@cnpmf.embrapa.br; jailson@cnpmf.embrapa.br;
Jackson Lopes de Oliveira é Analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia. E-mail: jackson@cenargen.embrapa.br;
Dados para citação bibliográfica(ABNT): OLIVEIRA, A.M.G; CARDOSO, C.E.L.; CRUZ, J.L.; OLIVEIRA, J.L. Demandas e impactos das ações da Embrapa no agronegócio de frutas e mandioca no Extremo Sul da Bahia 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/demandas/index.htm>. Acesso em: Publicado no Infobibos em 03/12/2007
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