Consorciação de
culturas com o abacaxizeiro
Getúlio Augusto Pinto da Cunha Domingo Haroldo Reinhardt
Aspectos gerais
Ainda que existam grandes plantios de abacaxi no mundo, utilizando tecnologia avançada, essa cultura é explorada, na maioria dos casos, por pequenos e médios agricultores. Esse fato, de certo modo, dificulta a introdução e adoção de novas técnicas de cultivo desenvolvidas pela pesquisa, sobretudo naquelas regiões onde a abacaxicultura não tem o devido amparo da assistência técnica e creditícia, nem a garantia de comercialização. Por isso mesmo, o agricultor enfrenta um maior risco no seu empreendimento e investimento, o que torna a consorciação de culturas altamente recomendável.
A cultura do abacaxi apresenta alta rentabilidade econômica, apesar de requerer tratos culturais intensivos, o que encarece o custo de produção, além de que os mercados de destino desse fruto exigem produtos de alta qualidade. Assim, para se alcançar um rendimento satisfatório, são necessários altos investimentos, o que os abacaxicultores em geral não podem fazer, a não ser que sejam assistidos por cooperativas ou associações de classe.
Por esses motivos, em várias regiões produtoras de abacaxi do mundo, os agricultores têm procurado minimizar os riscos decorrentes da sua exploração, adotando o cultivo consorciado, especialmente com culturas alimentares de ciclo curto. Acredita-se que tal sistema de cultivo, além de não causar maiores problemas às culturas consorciadas, é altamente benéfico do ponto de vista sócio-econômico para o agricultor, que tem sua renda aumentada e qualidade de vida melhorada. Tipos de consorciação em uso e Recomendações
No Brasil, o consórcio de abacaxi com outras culturas, sobretudo aquelas de subsistência (feijões Phaseolus e Vigna, mandioca, milho, arroz, amendoim) é praticado por pequenos agricultores de várias regiões. Em outros países, são exploradas, ainda, quiabo, pimenta, pimentão, tomate, repolho, couve, batata-doce, girassol e outras. Em geral, as culturas consorciadas são colhidas apenas uma vez e abrangem a fase inicial do ciclo da cultura do abacaxi, à exceção da mandioca, cujo ciclo é mais longo. Todas essas culturas são plantadas nas entrelinhas do abacaxizeiro – em espaçamentos compatíveis com os da cultura principal, e na mesma época ou até 30 dias após. Dessa forma evita-se a competição que certamente ocorrerá após cinco a seis meses do plantio, decorrente da expansão do sistema radicular, aumento da massa foliar e crescimento mais rápido da planta consorciada. Nesses casos, há uma melhoria na relação custo/benefício, com redução do custo de produção, em função do uso comum de alguns insumos, e o abacaxizeiro ainda pode proteger as culturas consorciadas contra o vento, chuvas fortes e radiação solar.
Além da consorciação com as culturas alimentares mencionadas, onde o abacaxizeiro é a cultura principal, esse tipo de exploração é também possível com outras plantas – arbustivas e arbóreas, de ciclo longo ou perenes –, quando o abacaxi passa a ser a cultura secundária. Como exemplos dessas culturas citam-se: abacate, caju, citros, coco, manga, mamão e pinha. Nesse caso, ambas as culturas devem ser plantadas na mesma época, deixando-se uma distância de 1,0 m a 1,5 m entre as filas do abacaxizeiro e as da planta principal. Poder-se-á, assim, obter até três safras de abacaxi na mesma área, o que contribui para reduzir e cobrir os custos de implantação da cultura principal, ou ainda permitir a obtenção de uma renda extra.
Antes de se adotar plantios consorciados, que têm se mostrado mais apropriados para os agricultores familiares e pequenos, deve-se fazer uma avaliação sobre os ganhos econômicos que o sistema pode proporcionar para esses produtores. Além disso, alguns aspectos devem ser levados em conta quando da escolha das culturas consorciadas, pois pode ocorrer alguma combinação não recomendável, sobretudo do ponto de vista fitossanitário. A cultura do milho, por exemplo, é hospedeira do fungo Fusarium subglutinans – causador da fusariose e de nematóides. Por esse fato seu consórcio é recomendado com restrições, devendo-se adotar algumas medidas que diminuam os riscos de infecção e perdas, como o plantio em linhas alternadas, o que reduz a densidade da referida cultura na área. Em alguns locais sugere-se o plantio de uma fila de milho para cinco ou seis de abacaxi. Ademais, algumas plantas podem ter um efeito depressivo no crescimento, nutrição e rendimento do abacaxizeiro, principalmente se o ciclo das mesmas alcançar a fase de diferenciação floral, em função da competição por fatores de produção. Nesse caso, uma das alternativas é plantar uma fila da cultura consorciada para duas de abacaxi, conforme recomendado para feijão, amendoim e girassol.
Em geral, quando o abacaxizeiro é a cultura principal, o consórcio deve restringir-se aos primeiros seis meses do ciclo da cultura, e não se deve empregar plantas que sombreiem demasiadamente o abacaxizeiro, nem herbicidas para o controle de plantas infestantes. Entretanto, em regiões onde o abacaxi apresenta um crescimento vegetativo mais lento e, portanto, um ciclo mais longo, algumas culturas consorciadas podem ser cultivadas mais de uma vez, a exemplo dos feijões.
As vantagens da consorciação de culturas com relação ao monocultivo são indiscutíveis, no tocante ao melhor uso dos fatores de produção, maior produção total por área, uso de mão-de-obra familiar, controle da erosão, diversificação da dieta alimentar e da fonte de renda, bem como à redução dos riscos inerentes à atividade agrícola.
Controle de plantas daninhas
Manter a lavoura livre de plantas daninhas, sobretudo durante os primeiros seis meses após o plantio. 0 controle do mato pode ser feito por meio de capinas manuais (enxada), cultivos à tração animal (salvo em solos virgens, de primeiro plantio, para evitar prejudicar a sua estrutura), uso de cobertura morta ("malche”) e de herbicidas. Atualmente, está se recomendando também apenas a roçagem do mato, para evitar a erosão e melhorar a conservação do solo.
A depender da intensidade de infestação por plantas daninhas, são necessárias de seis a 12 capinas manuais durante o primeiro ciclo da cultura. Cultivos à tração animal nas entrelinhas podem ser feitos durante os primeiros meses após o plantio do abacaxi, sendo complementados por capinas manuais nas linhas de plantio. Durante as capinas manuais, e logo após as adubações, deve‑se chegar terra às plantas (amontoa) – prática indispensável para a região do semi-árido, evitando‑se, porém, que caia terra no centro da roseta foliar ou ‘olho’ da planta. Após a frutificação pode-se reduzir a freqüência das capinas, que muitas vezes podem ser substituídas por roçagens para o raleamento do mato.
Desde que esteja disponível na propriedade ou na região, a palha seca de diversos produtos (milho, feijão, etc.), ou os restos culturais (folhas) do próprio abacaxizeiro podem ser distribuídos de modo uniforme sobre a superfície do solo, sobretudo nas entrelinhas de plantio. Esta cobertura morta, além de reduzir o aparecimento de plantas daninhas, limita a erosão, diminui a perda de nutrientes por lixiviação, aumenta o teor de matéria orgânica e conserva a umidade do solo e, portanto, o próprio solo.
0 uso de herbicidas permite a redução do uso de mão‑de‑obra e é um método de controle do mato mais eficiente que a capina manual, em especial durante os períodos chuvosos, quando o mato cresce muito rápido. Em geral, os herbicidas são mais usados pelos produtores que exploram áreas maiores (acima de três hectares). Os herbicidas disponíveis para a cultura do abacaxi são, na maioria, do tipo pré-emergente (em relação ao mato), cujas substâncias ativas são triazinas e diuron, e pertencem à classe toxicológica III. Eles devem ser aplicados sobre o solo úmido, sendo, portanto, de uso restrito a períodos chuvosos. Nas áreas cobertas com estes herbicidas não se pode cultivar feijão e outras culturas sensíveis, o que se constitui numa das limitações para o uso destes produtos pelos pequenos produtores. Se o produtor optar pelo uso de herbicidas para controlar o mato, ele deve procurar orientação técnica adequada, pois aplicações inapropriadas podem resultar em danos às plantas cultivadas e ao solo. Além do mais, só devem ser usados produtos registrados no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento para a cultura do abacaxi.
Gramocil deve ser aplicado em pós-emergência com jato dirigido ao mato, enquanto os demais herbicidas são aplicados em pré‑emergência do mato, isso é, em solo limpo, sempre em pulverização uniforme sobre o solo úmido, ou, no mais tardar, em pós‑emergência precoce ou fase inicial de crescimento do mato, utilizando‑se de 300 a 600 litros de água por hectare. Usar bicos em leque (por exemplo, Teejet 80.02 a 80.04), mantidos a 30‑50 cm acima do solo. Recomenda‑se adicionar um espalhante adesivo (10 mililitros por litro de água) na pulverização em pós-emergência. Atualmente, está se recomendando também diminuir ao máximo o uso de herbicidas pré-emergentes.
Usar as concentrações baixas em solos arenosos e as mais altas em solos argilosos ou com alto teor de matéria orgânica. Quando as aplicações se restringem às entrelinhas, as doses têm que ser reduzidas proporcionalmente à diminuição da área coberta pelo herbicida (em geral, cerca de 50% da área total).
Mesmo que se use o controle químico do mato, capinas manuais complementares são necessárias, com vistas a limpar o solo para as aplicações de herbicida, cobrir os adubos aplicados e fazer a amontoa (chegar terra para junto das plantas), conforme comentado anteriormente.
*Texto preparado para orientar a elaboração de matéria para Programa de Rádio destinado a produtores de abacaxi da região de Itaberaba/BA.
Getúlio Augusto Pinto da Cunha
possui graduação em Agronomia pela Universidade
Federal da Bahia (1969) , mestrado em Fruit Crops pela University of
Florida (1977) e doutorado em Agronomia (Fitotecnia) pela
Universidade Federal do Ceará (1999) . Atualmente é Pesquisador III
da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária -
Embrapa Mandioca e Fruticultura Tropical, Cruz das Almas, BA.
Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Horticultura.
Atuando principalmente nos seguintes temas: Ananas comosus,
florescimento precoce, abacaxi, massa foliar, colheita. Contato: getulio@cnpmf.embrapa.br
Domingo Haroldo Reinhardt é engenheiro agrônomo pela Universidade Federal da Bahia (1977), Mestre em Fitotecnia pela Universidade Federal do Ceará (1984), Doutor em Biologia Vegetal pela Universidade da Califórnia - Davis (1994). Foi pesquisador da EPABA (Empresa de Pesquisa Agropecuária da Bahia, hoje EBDA), de 1977 a 1979, e desde 1979, tem sido pesquisador da Embrapa Mandioca e Fruticultura, tendo atuado na gerência de pesquisa como Chefe de P & D (1985 a 1988,1997 a 2000, e desde 09/2004) e como Articulador Internacional desde 2000. A prioridade dos seus trabalhos tem sido o desenvolvimento de tecnologias para a cultura do abacaxi, cujo manejo tem sido fortemente influenciado pelo trabalho seu e dos seus colegas da Embrapa Mandioca e Fruticultura. Algumas das práticas introduzidas e/ou melhoradas tem sido as seguintes: propagação rápida e produção de mudas sadias em condições de viveiro, sistemas de plantios apropriados a diferentes ecossistemas (espaçamentos, densidades de plantio, consórcio), controle de plantas daninhas, pragas e doenças, definição de esquemas de adubação mineral, técnicas de indução floral, desbaste de mudas, controle da coloração da casca dos frutos, manejo pós-colheita de frutos destinados aos mercados interno e internacional, e manejo da soca. Estes estudos têm resultado em mais de 150 trabalhos publicados em revistas e livros técnico-científicos nacionais e internacionais. Ele tem orientado trabalhos de tese e participado de bancas de tese em diversas universidades e atuado como assessor técnico-científico de vários periódicos (Revista Brasileira de Fruticultura, Scientia Agricola, Revista Magistra, Pesquisa Agropecuária Brasileira, entre outros), tendo sido editor-chefe da Revista Brasileira de Fruticultura (1996 a 1998) e membro do Conselho Editorial da Sociedade Brasileira de Fruticultura (desde 1996). No plano internacional, ele coordena o Grupo de Trabalho de Abacaxi (Pineapple Working Group) da Sociedade Internacional de Ciências Hortícolas (ISHS). Ele tem sido agraciado com alguns prêmios pelo seu trabalho profissional, entre os quais os seguintes: Prêmio Frutal de Tecnologia 2001 e 2002, outorgado pelo Instituto Frutal e a Embrapa Agroindústria Tropical; líder mais eficiente de projeto da EMBRAPA, Programa 17 (frutas); Visitante Distinguido da cidade de Veracruz, México, durante o IV Simpósio Internacional de Abacaxi, em 2002 Contato: dharoldo@cnpmf.embrapa.br
Dados para citação bibliográfica(ABNT): CUNHA, G.A.P da; REINHARDT, D.H. Consorciação de culturas com o abacaxizeiro: Instalação da Cultura – Consorciação e Tratos Culturais – Controle de mato. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/consorcio/index.htm>. Acesso em: Publicado no Infobibos em 05/11/2007
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