Adaptabilidade e bem-estar em animais de produção

ADAPTABILIDADE E BEM-ESTAR EM ANIMAIS DE PRODUÇÃO

por Bonifácio Benicio de Souza
 

1. Introdução

As preocupações com vistas ao suprimento de alimentos e produtos de origem animal em quantidade e qualidade, suficientes para atender a demanda da população humana, sempre em crescimento, tem provocado os diversos setores no sentido de aumentar a produtividade animal. Seja através da seleção de raças mais produtivas, sistemas de produção que permitam uma maior produção por área, melhoria nutricional e de ambiência, visando exclusivamente o aumento da produtividade, muitas vezes sem a preocupação com o bem-estar dos animais. Atualmente dois aspectos importantes estão em discussão a nível mundial: o aquecimento global, que como conseqüências está provocando mudanças acentuadas nos climas das diferentes regiões do planeta, assim exigindo um melhor conhecimento das espécies e raças que apresentem potencial genético com maior capacidade de adaptabilidade, sendo capazes de sobreviver, produzir e reproduzir-se em condições adversas de clima, principalmente nos ambientes tropicais e intertropicais; outro, diz respeito ao bem estar-animal. Determinadas práticas utilizadas no sentido de aumentar a produtividade animal, mas que não correspondem à manutenção do bem-estar para os animais vêm sendo combatidas, principalmente nos países europeus. É necessário que sejam atendidas as exigências previstas nos direitos dos animais, como a liberdade psicológica (de não estar exposto a medo, ansiedade ou estresse), liberdade comportamental (de expressar seu comportamento normal), liberdade fisiológica (de não sentir fome ou sede), liberdade sanitária (de não estar exposto a doenças, injúrias ou dor) e liberdade ambiental (de viver em ambientes adequados, com conforto) (NÄÄS, 2004).

 A produção animal nos trópicos é limitada principalmente pelo o estresse calórico e há o agravante de que as raças selecionadas para maior produção, no geral, são provenientes de países de clima temperado, o que não permite a estas expressar o máximo da sua capacidade produtiva. Desta forma, torna-se imprescindível o conhecimento da capacidade de adaptação das espécies e raças exploradas no Brasil, bem como a determinação dos sistemas de criação e práticas de manejo que permitam a produção pecuária de forma sustentável, sem prejudicar o bem-estar dos animais.

Este texto procura discutir os aspectos da adaptabilidade e bem-estar dos animais de produção, levando em consideração a importância que estes temas representam na atualidade, para escolha, seleção e preservação de espécies e raças que apresentem maior capacidade genética de adaptabilidade a ambientes de temperatura elevada e outras adversidades climáticas, que poderão surgir com o evidente aquecimento global.

2. Adaptabilidade dos animais de produção ao clima tropical

A adaptabilidade pode ser medida ou avaliada pela habilidade que tem o animal em se ajustar às condições médias ambientais de climas adversos, com mínima perda no desempenho e conservando alta taxa reprodutiva, resistência às doenças e baixo índice de mortalidade (HAFEZ, 1973).

           De acordo com Baeta & Souza (1997) o conceito de adaptação a um determinado ambiente está relacionado com mudanças estruturais, funcionais ou comportamentais observadas no animal, objetivando a sobrevivência, reprodução e produção em condições extremas ou adversas e classificam  da seguinte forma:

-Adaptação biológica: refere-se às características morfológicas, anatômicas, fisiológicas, bioquímicas e de comportamento do animal, que permitem o bem-estar e a sobrevivência em um ambiente específico.

-Adaptação genética: refere-se às características hereditárias do animal, que favorecem a sua sobrevivência em um ambiente específico e podem promover mudanças por muitas gerações (seleção natural) ou favorecer a aquisição de características genéticas específicas (seleção artificial).

-Adaptação fisiológica: é o processo de ajustamento do próprio animal a outro ambiente.

 -Aclimatização: refere-se a mudanças adaptativas (normalmente produzidas em câmaras climáticas) em resposta a uma única variável climática.

  Para Abi Saab e Sleiman (1995), os critérios de tolerância e adaptação dos animais são determinados pelas medidas fisiológicas da respiração, batimento cardíaco e temperatura corporal. A adaptação fisiológica, dada principalmente por meio das alterações do equilíbrio térmico, e a adaptabilidade de um rendimento, que descreve as modificações desse rendimento quando o animal é submetido à altas temperaturas, são para MacDowell (1989), as duas classes principais de avaliação da adequação a ambientes quentes.

A temperatura retal e a freqüência respiratória são para Bianca e Kunz (1978), as melhores referências fisiológicas para estimar a tolerância dos animais ao calor. Hopkins et al. (1978) afirmam que valores de temperatura retal próximos à temperatura normal da espécie podem ser tomados como índice de adaptabilidade. Animais que apresentam menor aumento na temperatura retal e menor freqüência respiratória são considerados mais tolerantes ao calor (BACCARI JR, 1986). De acordo com Siqueira et al. (1993), a temperatura retal, a freqüência respiratória e o nível de sudação cumprem um importante papel na termorregulação dos ovinos. 

Segundo Baccari Jr. (1990) a maior parte das avaliações de adaptabilidade dos animais aos ambientes quentes estão incluídas em duas classes: (adaptabilidade fisiológica) que descreve a tolerância do animal em um ambiente quente mediante, principalmente modificações no seu equilíbrio térmico, e (adaptabilidade de rendimento) que descreve as modificações da produtividade animal experimentadas em um ambiente quente.

De acordo McDowell (1989) a adaptação fisiológica é determinada principalmente por alterações do equilíbrio térmico e da adaptabilidade que descreve determinadas modificações no desempenho quando o animal é submetido a altas temperaturas. Mesmo considerando as espécies mais tolerantes ao calor, como é o caso dos caprinos que é tida como menos susceptível ao estresse ambiental, em temperaturas críticas reduzem a sua eficiência bioenergética prejudicando o resultado de sua produtividade (LU, 1989). Por isso, o conhecimento prévio do desempenho de raças exóticas introduzidas em ambientes diferentes ao de sua origem torna-se indispensável.

Neiva et al., (2004) ao avaliarem o efeito do estresse climático sobre os parâmetros produtivos e fisiológicos de ovinos Santa Inês, mantidos em confinamento em ambiente de sombra e sol, com diferentes níveis de volumoso e concentrado na dieta, observaram que o consumo de matéria seca foi superior para os animais mantidos à sombra independente da quantidade de concentrado, os quais apresentaram maior ganho de peso. Com relação aos parâmetros fisiológicos foi observado que a elevação da temperatura ambiente no turno da tarde exerceu influência sobre a temperatura retal e freqüência respiratória. Portanto, mesmo no caso de animais de regiões tropicais as interações entre o tipo de alimento, o consumo, o ambiente e parâmetros fisiológicos devem ser determinados a fim de que o desempenho dos animais não seja prejudicado.

Santos et al., (2005) observaram que independente da raça (exótica ou nativa) o turno influenciou sobre os parâmetros fisiológicos. Com relação à temperatura retal não houve diferença significativa entre as raças Moxotó e Boer. Para a freqüência respiratória a raça Boer apresentou maior valor quando comparada com as raças Anglo-Nubiana, Moxotó e Pardo-Sertaneja. Com base nos dados fisiológicos os autores concluíram que os animais da raça Boer e Anglo-Nubiana demonstraram um alto grau de adaptabilidade às condições semi-áridas quando confinados, assemelhando-se as raças naturalizadas (Moxotó e Pardo-Sertaneja), contudo, não quer dizer que estas raças estão adaptadas em todos os aspectos da região, necessitando de mais pesquisas, envolvendo o desempenho e reprodução por um período de tempo maior.

A temperatura corporal de animais homeotérmicos é mantida dentro de limites estreitos por uma série de mecanismos de regulação térmica, os quais incluem respostas fisiológicas e comportamentais ao ambiente. Entre o animal e o meio existe uma constante transferência de calor dividida em calor sensível e calor insensível. A perda de calor sensível envolve trocas diretas de calor com o ambiente por condução, convecção ou radiação e dependem da existência de um gradiente térmico entre o corpo do animal e o ambiente (HABEEB et al., 1992). A perda de calor insensível consiste na evaporação da água na superfície da pele ou através do trato respiratório, usando o calor para mudar a entalpia da água em evaporação (INGRAM & MOUNT, 1975). Quanto maior o gradiente térmico entre a superfície do animal e o meio, maior é a capacidade de dissipação de calor do animal, a medida que diminui esse gradiente ocorre uma redução na perda de calor da forma sensível e aumenta através dos mecanismos de perda de calor insensível, como a sudorese e ou freqüência respiratória (SOUZA et al., 2003).

 

2.1- Medidas de adaptabilidade

A adaptabilidade dos animais aos trópicos tem sido discutida por diversos autores (MCDOWELL, 1967; NUNES, 2002; BACCARI JR.,1986; SANTOS, 2004 ) e vários métodos tem sido propostos para avaliar a capacidade destes animais em se ajustarem às condições ambientais predominantes em regiões de climas quentes.

O interesse por desenvolver uma técnica de alta confiabilidade para medir a tolerância ao calor desdobra-se em dois aspectos traduzidos pela identificação de raças ou linhagens que mantêm a homeotermia quando em temperaturas elevadas, além do entendimento dos caracteres anatomofisiológicos envolvidos na termólise (BACCARI JR., 1986).

McDowell (1967) ressalta a necessidade de que uma prova de tolerância ao calor deva guardar alta correlação com a produtividade dos animais, de tal maneira que se possa prever em animais jovens, através de medidas de adaptabilidade, o desempenho destes e de seus descendentes. Para Olivier (2000) a avaliação de uma raça ou grupo genético não pode ser baseada apenas na capacidade de ganho de peso e no rendimento de carcaça, mas também na eficiência produtiva, adaptabilidade, prolificidade e taxa de sobrevivência. 

No tocante a adaptabilidade, para Abi Saab e Sleiman (1995), os critérios de tolerância e adaptação dos animais são determinados pelas medidas fisiológicas da respiração e temperatura corporal. A temperatura corporal é o resultado entre a energia térmica produzida e a energia térmica dissipada (LEGATES, 1991). 

Vários testes de tolerância ao calor foram desenvolvidos, como os de Rhoad (1944) e de Dowling (1956), tendo porém sua aplicação reduzida em função de algumas limitações. Nota-se que no teste idealizado por Rhoad (1944), conhecido como teste de Ibéria, toma-se como base de cálculo a temperatura retal de 38,3°C, tida como temperatura corporal normal, não levando em conta diversas situações fisiológicas que alteram este parâmetro. Neste teste são tomadas as temperaturas retais e as freqüências respiratórias dos animais de manhã (10:00 h) e à tarde (15:00 h), durante 3 dias, e os dados médios são aplicados à fórmula CTC = 100 -[18 (Tr -38,3)], para cálculo do coeficiente de tolerância ao calor.

 O teste de Dowling (1956) baseia-se na capacidade de dissipação do calor corporal, após os animais serem submetidos ao exercício físico, sob radiação solar direta, até que a temperatura corporal atinja 40,0°C. Quando então é marcado o tempo necessário para que a temperatura retal volte ao valor inicial. Uma crítica a este teste é que o calor adquirido nestas condições advém não só da radiação solar, mas também do trabalho muscular, que envolve outros processos fisiológicos e vias metabólicas não implicados naturalmente no mecanismo de termorregulação da espécie.

Segundo Neiva et al. (2004) a elevação dos parâmetros ambientais durante o dia exerce efeito sobre a temperatura retal dos ovinos Santa Inês, de tal forma que, na sua pesquisa, durante o período da tarde, o valor médio foi significativamente superior ao da manhã, independentemente da condição da instalação e da dieta fornecida.

O teste de adaptabilidade proposto por Baccari Jr. et al. (1986) tem como princípio a capacidade de dissipação de calor e consiste de uma primeira mensuração da temperatura retal dos animais em repouso de duas horas à sombra (TR1) e, logo após a mensuração, os animais devem ser expostos diretamente ao sol por mais uma hora, após essa exposição, os animais devem retornar a sombra por mais um hora quando a segunda mensuração da temperatura retal deve ser feita (TR2). As médias das temperaturas retais obtidas (TR1 e TR2, respectivamente), devem então ser aplicadas na fórmula do Índice de Tolerância ao Calor ITC= 10 – (TR2-TR1), a qual determina o grau de tolerância ao calor dos animais pela diferença entre as temperaturas, e consta de uma escala de 0 a 10, sendo o resultado mais próximo de 10, representado pelos animais mais tolerantes ao ambiente.

Silva et al. (2006) aplicando o teste de Baccari Jr, para caprinos observaram um elevado grau de tolerância ao calor das raças Boer e Savana assemelhando-se aos caprinos das raças Anglo Nubiana e Moxotó que são reconhecidos como bem adaptados às condições do Semi-árido. Souza et al. (2007), trabalhando com bovinos utilizando a mesmo teste verificaram elevado índice de tolerância à radiação solar direta de animais raça Sindi, que apresentaram ITC = 9,83, comprovando a elevada adaptação do Sindi às condições do Semi-árido. Contudo, considera-se que a adpatabilidade não deve ser avaliada apenas pela capacidade de tolerância ao calor, pois são vários os fatores que interferem no processo de adaptação dos animais, de forma que outros testes devem ser aplicados para se verificar com maior exatidão a adaptação dos animais nos diversos aspectos, fisiológicos, produtivos e reprodutivos.

3. Bem-estar animal

 

3.1 Conceitos e considerações gerais

Na conjuntura atual, a pecuária brasileira, embora venha crescendo de modo satisfatório e utilizando novas tecnologias nos diversos setores da produção animal, precisa atender ao mercado com produtos de origem animal em quantidade e qualidade, provenientes de criações que atendam as exigências internacionais, principalmente os países da União Européia (UE), referentes ao estado sanitário e bem-estar dos animais. É urgente a necessidade de divulgação das normas e técnicas de manejo adequadas aos sistemas de criação empregados, bem como o treinamento de pessoal, no que diz respeito ao trato com os animais, durante o período de criação, transporte e pré-abate. 

O bem-estar dos animais, juntamente com as questões ambientais e a segurança dos alimentos é considerado um dos maiores desafios da agropecuária mundial. A convicção dos consumidores de que os animais utilizados para a produção de alimentos devem ser bem tratados, ganha cada vez mais importância, principalmente junto a União Européia (UE) e frente aos países terceiros que colocam animais vivos ou produtos de origem animal nos estados membros. 

Deste modo, a legislação da UE dirigida ao bem-estar dos animais aumentou consideravelmente nos últimos anos. Essa tendência deverá ser acelerada diante ao Tratado de Amsterdã e o estabelecimento relativo às normas mínimas de proteção aos suínos (Diretiva 91/630/CEE) que consagra as ambições de todas as instituições da UE de fazer mais para melhorar os padrões de bem-estar, sendo cada vez mais reconhecido o fato de elevados padrões de bem-estar terem impacto direto e indireto na segurança dos alimentos e na qualidade final dos produtos, se fazendo necessário à adaptação dos atuais modelos de produção animal (PANDORFI, 2005). 

 O bem-estar animal pode ser considerado uma demanda para que um sistema seja defensável eticamente e aceitável socialmente. Warriss (2000) citado por Pandorfi (2005), afirma que as pessoas desejam comer carne com “qualidade ética”, isto é, carne oriunda de animais que foram criados, tratados e abatidos em sistemas que promovam o seu bem-estar, e que sejam sustentáveis e ambientalmente corretos. 

É por isso que a UE entende que há uma necessidade evidente de debater a questão do bem-estar dos animais no contexto da Organização Mundial de Comércio (OMC). As questões são reais, para produtores e consumidores, e a OMC, na sua qualidade de principal organização comercial internacional, deve estar preparada para abordar essas questões. Atendendo as relações existentes entre as medidas de bem-estar dos animais e o comércio internacional de produtos agrícolas e alimentares de origem animal, a UE considera que esta questão deve ser abordada no contexto das negociações sobre agropecuária, visando ao estabelecimento de um conjunto de normas que caracterize as exigências sobre o bem-estar na exploração de animais domésticos, caracterizando-se efetivamente as barreiras técnicas à comercialização (PANDORFI, 2005). 

O bem-estar pode ser medido por métodos científicos e deve ser independente de quaisquer considerações éticas, culturais ou religiosas. São usados vários indicadores para aferir o bem-estar de um animal, como o dano físico, a dor, o medo, o comportamento, a redução de defesas do sistema imunológico e a incidência de doenças conforme Meneses, 1999, citado por Pandorfi, (2005). 

O bem-estar é avaliado por meio de indicadores fisiológicos e comportamentais. As medidas fisiológicas associadas ao estresse têm sido usadas com base em que, se o estresse aumenta, o bem-estar diminui. Já os indicadores comportamentais são baseados especialmente na ocorrência de comportamentos anormais, e daqueles que se afastam do comportamento no ambiente natural. 

3.2 Legislação sobre bem-estar dos Suínos

Na União Européia, uma questão polêmica que se coloca com freqüência cada vez maior na suinocultura são as novas regulamentações sobre o bem-estar, podendo apresentar impacto sobre a suinocultura brasileira à medida que podem afetar as importações européias de carne suína.

A proposta da Diretiva do Conselho COM(2001) 20 – C5-0039/2001 – 2001/0021(CNS) que altera a Diretiva 91/630/CE, com base nas disposições do artigo 6º, tem os seguintes objetivos: proibir a utilização de celas individuais para as porcas e marrãs prenhes, bem como a utilização de amarras; aumentar a área livre destinada às porcas e marrãs; permitir que as porcas e marrãs tenham acesso a materiais para fuçar; elevar o nível de formação e a competência dos suinocultores e do pessoal responsável pelos animais em relação às questões relacionadas com a proteção; solicitar novos pareceres científicos sobre certas questões do domínio da suinocultura. 

As normas referentes às matrizes dependem da sua fase no ciclo reprodutivo, pode-se distinguir porcas em crescimento, secas e em gestação e porcas em preparação para o parto ou em fase de parto e cria. 

O alojamento das matrizes em crescimento, secas ou em gestação, deve ser feito em grupo, em estabulação livre, para permitir um adequado contato social. Desde a data de primeiro de janeiro de 1996 foram proibidos, através da diretiva européia, a construção ou reformas de instalações em que os animais sejam mantidos em confinamento individual, através de celas individuais, coleiras ou cintas. O alojamento individual nestas fases é apenas permitido antes da cobrição, inseminação, ou para tratamento. Foi definido um período de transição para as instalações já existentes, até 1 de janeiro de 2006. 

As matrizes em preparação para o parto, ou durante a fase de parto e cria, devem ser alojadas em maternidades que satisfaçam as necessidades da mãe e dos leitões. 

3.3 Legislação sobre bem-estar  das  Aves

A preocupação com o bem-estar em avicultura de corte ou postura é uma realidade atualmente na Europa, consequentemente todos os países produtores deverão rever e modificar as instalações, manejo e o sistema de criação, para atender a legislação do bem­estar animal.

            A União Européia (UE) através de legislação estabelece as normas mínimas relativas à proteção das aves. Para as galinhas poedeiras entre as principais mudanças propostas está a troca do sistema de criação em bateria em gaiolas, por um sistema que possibilite às aves expressar os seus comportamentos naturais, tais como: utilizar o ninho para a postura, tomar banho de areia, empoleirar ou ainda bater e esticar as asas, sendo isso uma conseqüência das mudanças e exigências de um novo tipo de consumidor cada vez mais preocupado com as regras em prol do bem-estar dos animais de produção e com a qualidade do alimento que consome (BARBOSA FILHO, 2004).

Com as exigências impostas pela legislação vigente em alguns paises europeus, em relação ao espaço nas gaiolas e a extinção destas, com vistas atender o bem-estar das aves, que na Diretiva 1999/74/CE do conselho de 19 de julho de 1999, Capítulo II,  Artigo 5.º: determina que a partir de 1 de Janeiro de 2012, seja proibida a criação em gaiolas não melhoradas. O que permite ao Brasil aumentar as exportações de ovos, considerando que o custo da produção extensiva poderá inviabilizar muitas granjas em outros paises. É crescente o número de pessoas em todo o mundo que reconhece a importância do bem-estar animal como fator determinante para a imagem e a qualidade dos produtos. Este fato torna necessário o emprego de sistemas de controle do bem-estar e dos riscos dos animais nas explorações pecuárias. A relação entre o bem-estar e a sanidade animal e, por extensão, entre o bem-estar animal e a segurança e a qualidade dos alimentos está sendo cada vez mais reconhecida (ALVES, 2007).

             O Bem estar-animal não será atendido apenas com o maior espaço disponível, pois são vários os fatores que podem prejudicar o bem-estar animal, dentre eles os fatores nutricionais, sanitários e os elementos do clima que têm efeitos direto como: a temperatura e a umidade relativa do ar, velocidade do vento e a radiação. De acordo com a intensidade desses fatores e sua inter-relação o ambiente pode apresentar-se desconfortável para aves, prejudicando o seu bem-estar e ao mesmo tempo reduzindo os lucros dos criadores, em função da redução do consumo de alimento, diminuição na taxa de crescimento, queda na produção de ovos, piora na conversão alimentar e maior incidência na produção de ovos com casca mole. 

Com relação a criação de frangos de corte, Barbosa Filho e Silva (2004), relatam de acordo com as normas de bem-estar que: "Os animais devem ser alimentados com uma dieta apropriada a sua idade e espécie, e que esta alimentação seja em quantidade adequada para manter a saúde do animal, satisfazer suas necessidades nutricionais e proporcionar um estado de bem-estar". Quanto aos equipamentos de alimentação e bebedouros as normas pregam que: "Os equipamentos de fornecimento de ração e água aos animais devem ser projetados, construídos e colocados em locais de modo a minimizar os riscos de contaminação dos alimentos e da água e os efeitos lesivos que podem resultar de uma luta entre os animais para o acesso aos mesmos". Quanto a possíveis substâncias ou compostos promotores de crescimento que possam estar presentes na ração das aves a norma é clara e diz que: "Não devem ser administradas aos animais quaisquer outras substâncias, com exceção das necessárias para efeitos terapêuticos ou profiláticos ou destinados ao tratamento zootécnico definido pelo artigo 1 da directiva 96/22/CE, a menos que estudos científicos de bem-estar animal ou experiências constantes tenham demonstrado que o efeito dessas e de outras substâncias não são lesivos a saúde e ao bem-estar animal".

Nos aspectos relacionados à ambiência ou ao bem-estar térmico das aves as normativas dizem respeito aos aspectos construtivos dos galpões e ao sistema de ventilação de forma que garanta a qualidade do ar. 

Um ponto que também é muito focado quanto aos princípios de bem-estar, é o direito dos animais à liberdade de movimento, segundo as normas de bem-estar o direito ao movimento e à liberdade de expressão das características e hábitos naturais é considerado um direito de todos os animais, e os animais confinados deverão ter um espaço apropriado para que suas necessidades fisiológicas e etológicas sejam satisfeitas, assim a legislação cita que a densidade máxima de confinamento para frangos de corte deve ser de 34 Kg/m2. 

A captura e manuseio das aves deverá ser feita sem causar injuria ou algum tipo de stress aos animais e o abate das aves deve ser o mais humanitário possível, ou seja, devem ser evitados dores e sofrimentos desnecessários durante os processos de abate.

4. Importância do sombreamento sobre a produtividade e bem-estar animal nos trópicos.

O Brasil possui grande maioria do seu território, cerca de dois terços, situado na faixa tropical do planeta, onde predominam altas temperaturas do ar, consequüência da elevada radiação solar incidente (PIRES et al. 2000).   

Segundo Ayoade (1991), trópico é a área situada entre os Trópicos de Câncer e de Capricórnio, onde não há estação fria, baixa amplitude térmica ao longo do ano, temperatura média ao nível do mar no mês mais frio nunca inferior a 18ºC e temperatura máxima nas horas mais quentes do dia acima de 30 ºC, chegando muitas vezes a uma faixa de 35 – 38ºC. Sendo assim imprescindível o provimento de condições ambientais favoráveis a atenuação dos efeitos diretos da radiação solar direta, através de instalações adequadas ao sistema de criação.

Os sistemas agrossilvipastoris que combinam árvores, animais e culturas agrícolas, têm despertado o interesse de alguns pesquisadores, pois além de aumentar a eficiência de utilização dos recursos naturais, apresentam também fundamentos agroecológicos e equilíbrio do ecossistema (MAGALHÃES et al., 2001).  

De acordo com Silva (1988) a melhor sombra é proporcionada pelas árvores, isoladas ou em grupos, porém na ausência dessas, as sombras artificiais, do tipo móvel ou permanente, apresentam-se como alternativa. A sombra móvel, como a tela (polietileno), em conjunto com estruturas simples de metal ou madeira, pode prover de 30 a 90% de sombra, de acordo com a malha. Já a permanente utiliza material como telha de cerâmica, de chapa galvanizada ou de alumínio.

Segundo Head (1995) a construção da estrutura permanente apresenta-se com custo mais elevado, comparado à móvel e que esta por sua vez, possui durabilidade de 5 a 10 anos. Para Baêta e Souza (1997) a natureza da cobertura é o principal fator de ação nas trocas de radiação solar entre o ambiente e o animal, e influenciam diretamente o ganho de calor pelos animais. 

De acordo com Johnson (1987) a utilização de sombras para animais em pastejo é de fundamental importância, sendo procurada pelos ovinos durante o verão, estejam eles tosquiados ou não. Para Leme et al. (2005) a procura dos animais por ambientes sombreados durante o verão, mostra a necessidade da provisão de sombra, especialmente usando-se espécies arbóreas com copas globosas e densas, para que os animais possam viver em um ambiente mais favorável. Martello et al. (2004) trabalhando com diferentes tipos de instalações para bovinos: telha de cimento e amianto (ICO), proveniente da sombra do comedouro com 37,2 m2, instalação climatizada, utilizando ventiladores e instalação com tela, com 60 m2, composta de tela preta de polietileno com malha para 80% de sombra, concluíram que dentre as instalações avaliadas, tanto a instalação climatizada (ICL) como a instalação com tela (IT) apresentaram resultados satisfatórios para proporcionar conforto aos animais.

Andrade et al. (2005) verificaram que os cordeiros Santa Inês procuram mais vezes a sombra natural, mas, ao final do dia de pastejo o tempo que os animais permanecem na sombra independe do tipo de sombreamento, indicando a possibilidade de sombreamento artificial para melhorar o conforto térmico dos animais. Para Couto (2005) nas condições de semi-árido, o uso de sombras tanto natural como artificial, contribuem de forma favorável aos animais em confinamento, uma vez que minimiza os efeitos climáticos e melhora a eficiência da produção. 

Damasceno et al. (1998) avaliando o efeito da disponibilidade de sombra sobre as respostas fisiológicas e produtivas de vacas holandesas, concluíram que a proteção da área de descanso dos animais contra a radiação solar direta resultou em redução na freqüência respiratória e temperatura retal, aumento de 8,1% na produção de leite e melhora na eficiência alimentar.

Andrade et al. (2007) trabalhando com ovinos da raça Santa Inês, com peso vivo médio de 21,5 kg e 120 dias idade, distribuídos em três ambientes: sem sombra (SS); ombra natural (SN), proveniente de um cajueiro; sombra artificial (SA), constituída por uma tela de polietileno com 80% de retenção (sombrite), e níveis crescentes de suplementação concentrada (0, 1,0 e 1,5% do peso vivo PV ), concluíram que o provimento de sombras natural ou artificial auxilia os ovinos a manterem a homeotermia com menor esforço do aparelho termorregulatório.

Experimentos realizados em regiões de clima quente relacionando o sombreamento com a produção de leite têm demonstrado que vacas que dispõem de acesso à sombra no verão podem produzir, em geral 25% a mais de leite que suas companheiras mantidas ao sol durante as horas mais quentes do dia. A sombra pode reduzir em 30% ou mais a carga de calor radiante sobre os animais (BACCARI, Jr. 1998).

Valtorta et al. (1996) trabalhando com vacas sob pastejo na Argentina encontraram produções 12% maiores, redução na gordura e acréscimo na proteína do leite, em vacas com acesso à sombra,

 Granzin (2004), na Austrália trabalhou com 45 vacas, em início de lactação, distribuídas em três tratamentos, um com sombra de árvores, um com sombra artificial mais aspersão, e o terceiro com sombra mais aspersão mais suplementação com feno. Os resultados mostraram que o uso de aspersores não aumentou a produção de leite quando comparado à sombra, embora tenha reduzido a temperatura retal. A melhor resposta foi obtida quando aliou suplementação com sombra mais aspersão.

No Brasil Damasceno et al. (1998) estudando sombra em animais estabulados encontraram um aumento de 8% na produção de leite para os animais na sombra completa quando comparados à sombra parcial.

Conclusões

Para aumentar a produtividade dos animais domésticos nas regiões tropicais, é necessário a escolha correta de raças ou tipos raciais com características favoráveis a adaptação aos rigores do clima destas regiões, através da aplicação de testes bioclimáticos práticos realizáveis em nível de campo.

Deve-se devem aumento da produtividade animal, com vistas ao provimento de proteínas e outros produtos de origem animal, para atender a demanda crescente da população humana, respeitando os princípios de bem-estar dos animais. 

A disponibilidade de sombra para os animais criados nas regiões de climas quentes devem ser priorizadas, para favorecer o bem-estar e a produtividade dos mesmos.

Referências

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Resumo

Objetiva-se com este texto, apresentar os aspectos relevantes da adaptação e do bem-estar dos animais de produção em ambientes quentes. São tratados com maior ênfase a adaptabilidade de espécies e raças, respostas fisiológicas e os testes de avaliação da habilidade dos animais em tolerar os rigores do clima tropical, levando em consideração as mudanças climáticas e a introdução recente de novas raças no Brasil. Com relação ao bem­estar animal, são apresentados: conceitos, aspectos éticos, direito dos animais, legislação específica para suínos e aves, alternativas para melhoria do conforto térmico para os ruminantes. Esta matéria deverá auxiliar a todos que buscam o aumento da produtividade animal nas regiões tropicais com vistas ao provimento de proteínas e outros produtos de origem animal, para atender a demanda crescente da população humana, respeitando os princípios de bem-estar dos animais.
Termos para indexação: Bioclimatologia, adaptação, ambiente, tolerância ao calor.

 

Abstract

Adaptability and welfare of livestock

This text aims to put in discussion the main aspects of the adaptation and welfare in animals of production in hot environments. The emphasis is turned to the adaptation of species and breeds, physiological answers and the exams used to determine the animal’s ability to handle the extremes of tropical climate, considering the climate changes and the recent introduction of new breeds in Brazil. About animal welfare are showed: concepts, ethic aspects, animal straights, specific legislation for pigs and poultry and alternatives to improve the thermal comfort to the ruminants. This topic will help the persons involved in the search to improve the animal productivity in tropical areas to provide the animal protein and others products to the crescent human population, respecting the principles of the animal welfare.
INDEX TERMS: Bioclimatology, adaptation, environment, tolerance to heat.


Bonifácio Benicio de Souza possui graduação em Zootecnia pela Universidade Federal da Paraíba (1982), mestrado em Produção Animal pela Universidade Federal da Paraíba (1994) e doutorado em Zootecnia pela Universidade Federal de Lavras (2000). Atualmente é professor Adjunto IV, da Universidade Federal de Campina Grande. Tem experiência na área de Zootecnia, com ênfase em produção animal atuando principalmente nos seguintes temas: bioclimatologia, adaptabilidade de raças de bovinos, caprinos e ovinos ao semi-árido. É Professor permanente dos Programas de Pós-Graduação em Zootecnia e de Medicina Veterinária em Pequenos Ruminantes, da UFCG, Campus de Patos PB, é coordenador de Pesquisa e Extensão da Unidade Acadêmica de Medicina Veterinária, Conselheiro titular co Conselho Universitário da UFCG, Coordenador de grupo de pesquisa da CPA da UFCG.
Contato:
bonif@cstr.ufcg.edu.br

 


Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

SOUZA, B.B. de Adaptabilidade e bem-estar em animais de produção. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_4/Adaptabilidade/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 28/10/2007

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