Suinocultura industrial e meio ambiente: considerações sobre a experiência de educação ambiental no âmbito do Termo de Ajustamento de Condutas da suinocultura da Associação dos Municípios do Alto Uruguai Catarinense*

Cláudio Rocha de Miranda
Elcio Oliveira da Silva
Gentil Bonez

1 Introdução

A região do Alto Uruguai Catarinense é formada por pequenos produtores familiares que, principalmente através do processo de integração com as grandes agroindústrias de processamento da carne (Sadia, Seara, Perdigão, Coopercentral  e outras), construíram um território que é reconhecido internacionalmente, especialmente, por produzir suínos e aves que são comercializados em todo o Brasil e  no mercado internacional.
 

Este processo inicialmente possibilitou o envolvimento de um expressivo contingente de produtores familiares ao mercado, mas com o passar do tempo, principalmente devido ao acirramento da competição em âmbito global que exige escalas de produção cada vez maiores, provocou a exclusão de milhares de suinocultores e trouxe conseqüências ambientais negativas através da grande quantidade de dejetos que são gerados e que não conseguem ser adequadamente manejados. Este problema é hoje considerado como um dos principais problemas ambientais do meio rural catarinense.
 

Diversos programas e ações visando a redução da poluição ambiental da suinocultura têm se desenvolvido na região, mas os resultados obtidos podem ser considerados limitados. Entre as possíveis causas para esse “insucesso” pode-se apontar as seguintes: ausência de uma relação mais estreita entre os aspectos socio-econômicos da agricultura familiar e as questões ambientais; adoção de uma visão tecnicista da problemática ambiental da suinocultura; ausência de uma abordagem de educação ambiental adequada.
 

A gravidade da situação ambiental existente nessa região fez com que o Ministério Público do Estado de Santa Catarina firmasse um Termo de Ajustamento de Condutas da Suinocultura (TAC) envolvendo cerca de 3.000 produtores de suínos, agroindústrias, associações de produtores e o estado em seus diferentes níveis.
 

Através desse Termo foi criado o  Comitê do Desenvolvimento Regional da Suinocultura, que é constituído por duas comissões: Comissão Técnica Operacional e Comissão de Educação Ambiental e Comunicação.
 

A comissão de Educação Ambiental e Comunicação constituída por representantes das Prefeituras municipais, escolas, entidade de pesquisa e ensino, extensão rural e agroindústrias está desenvolvendo, há aproximadamente três anos, um trabalho educativo que está apresentando resultados muito interessantes e que serão a seguir  apresentados em suas linhas mais gerais.

 

2 Metodologia de atuação

 

A Câmara de Educação Ambiental e Comunicação do TAC, preocupada em evitar que o Termo se transformasse apenas num conjunto de medidas técnicas e administrativas relacionadas aos aspectos mais aparentes do problema, adiantou-se e propôs uma estratégia mais ampla para tratar dessa questão.
 

Por isso, uma das primeiras providências foi a de procurar assegurar a participação dos diferentes signatários do Termo na Câmara, ou seja, agroindústrias, suinocultores, governos municipais, extensão rural, pesquisa e ensino foram convidados para fazerem parte de sua constituição.
 

Após assegurada essa representatividade da Câmara, tratou-se de estabelecer uma definição dos seus objetivos, haja vista que na redação do Termo as questões relacionadas a dimensão educativa estavam redigidas de forma genérica, definindo apenas que os signatários deveriam desenvolver “programas de educação ambiental para os produtores e comunidade em geral através da  realização de eventos, tantos quantos necessários, para orientar os produtores de suínos sobre o contido no TAC; e, elaboração e divulgação de material educativo para o entendimento da problemática ambiental”. (SANTA CATARINA, 2004).
 

Além disso, a Câmara preocupou-se em estabelecer um clima de diálogo e cooperação entre os diferentes signatários, haja vista que no período de discussão das cláusulas do Termo explicitaram-se alguns conflitos, onde o mais evidente envolveu suinocultores e agroindústrias em torno da repartição dos custos das adequações ambientais das propriedades integradas e que, por muito pouco, não impediu a própria viabilização do Termo. Assim, o re-estabelecimento do clima de diálogo era um aspecto fundamental para que se pudesse avançar nessa nova etapa.
 

Nesse contexto, a estratégia básica de atuação do Câmara foi a de realizar encontros diretamente com os produtores suinícolas, grupo nuclear da problemática, com o propósito de que se explicitassem as suas dúvidas e questionamentos em relação a questão ambiental e os diferentes aspectos do Termo. Nesses encontros, além dos suinocultores, participam técnicos das agroindústrias e empresas de extensão rural, pesquisadores, representantes do poder executivo e legislativo municipal e outros interessados no tema.

Um aspecto especial dessa estratégia foi a escolha da Abordagem Centrada na Pessoa (ACP) para desenvolver as reuniões com os suinocultores, que graças a sua simplicidade de entendimento e aplicação, mas profundo potencial mobilizador, permite a condição necessária para que a participação e o diálogo entre os diversos atores seja facilitado (ROGER, 2002).
 

Os encontros tinham início a partir de uma breve explanação onde se enfatizava, principalmente, o papel de facilitador dos membros da Câmara de Educação Ambiental, ou seja, estes estão presentes no encontro não por possuírem algum tipo de conhecimento mais válido ou importante, mas sim para participarem de “um encontro de saberes, um diálogo democrático sobre a realidade vivida, não há saberes mais importantes, não há hierarquia de conhecimentos”.[1] Em outros termos, o grupo facilitador, constituído por membros da Câmara de  Educação Ambiental e Comunicação, apesar de saber que possui uma função e  poder diferenciado no contexto particular da realidade grupal, preocupa-se em desenvolver um diálogo a partir das distintas leituras da realidade vivenciada.
 

Além disso, apresentava-se as condições facilitadoras da abordagem ACP para que o processo de comunicação pudesse acontecer da forma mais plena possível. Condições estas que são o acolhimento de quem fala, ou seja, o ouvir com o objetivo de compreender; a autenticidade na comunicação, que é  o exercício de uma expressão congruente com o que se está pensando ou sentindo no momento em que se fala; e, quando as duas condições anteriores são estabelecidas, o grupo pode desenvolver-se numa relação empática entre seu componentes, ou seja, como um sistema comunicativo livre e desobstruído, propício ao desenvolvimento de um relacionamento humano no seu mais pleno sentido.
 

Em resumo, com o emprego da abordagem ACP visava-se estabelecer uma forma de comunicação mais autêntica entre as pessoas, abrindo-se espaço à livre expressão de sentimentos e idéias, como forma de alcançar o auto-conhecimento e a solidariedade interpessoal.

 

3 Síntese dos assuntos tratados nos encontros de educação ambiental

 

A Câmara de Educação e Comunicação realizou no período compreendido entre dezembro de 2004 e dezembro de 2006 um total de 16 encontros envolvendo os suinocultores dos dezenove  municípios abrangidos pelo TAC. Esses encontros envolveram um público superior a 2.000 pessoas, os quais em sua maioria eram agricultores produtores de suínos.
 

Durante os encontros, que tinham início, com  a seguinte pergunta: como me sinto em relação ao TAC? Emergiu uma rica e diversificada variedade de assuntos. Todavia, os  principais aspectos que foram apresentadas como dificuldades para o equacionamento da questão ambiental, desde o ponto de vista dos agricultores produtores de suínos, foram os seguintes:
 

·    Severidade das leis ambientais para as suas condições específicas de produtores com pequenas áreas de terra, especialmente naquilo que diz respeito as  distâncias que devem ser obedecidas em relação entre as instalações e depósitos de dejetos  e as fontes de água, divisas da propriedade, residências e estradas.

·    Aplicação discriminatória das leis ambientais,  pois os moradores das cidades poluem com os seus esgotos e ninguém toma providências a este respeito, ao contrário do meio rural onde as cobranças estão sendo constantes;

·    Excesso de leis que regulam o produtor e que são impossíveis de serem cumpridas na íntegra;

·    Responsabilidade dos técnicos que no passado não levaram em consideração a legislação ambiental por ocasião da implantação  das instalações;

·    Responsabilidade da agroindústrias em relação aos problema ambiental, pois são estas que definem a escala mínima dos plantéis, concentram a produção e estabelecem margens de remuneração que são consideradas insuficientes para que os produtores possam arcar com a totalidade dos custos necessários para um adequado manejo dos dejetos.

·    Pequena renda  da atividade dificulta implementação das melhorias ambientais necessárias.

·    Crítica ao órgão ambiental que prefere adotar medidas punitivas às ações de orientar o produtor;

·    Dúvidas em relação ao que irá ocorrer após o prazo de vigência do TAC;

·    Dúvidas quanto ao futuro da atividade agropecuária, pois acreditam que seus filhos não irão se sujeitar à  condições tão adversas de trabalho e margens tão pequenas de remuneração como as que acontecem atualmente no meio rural.
 

Em síntese, as afirmações acima demonstram que os suinocultores sentem-se pressionados pela legislação ambiental, a qual é considerada inadequada para a realidade da agricultura regional, haja vista o tamanho reduzido das propriedades e a topografia montanhosa da região. Argumentam que caso se respeite todas os aspectos da legislação ambiental referentes à localização das instalações em relação a fontes de água, divisas e manutenção das áreas de preservação permanente (APPs), restaria pouca área para ser cultivada, inviabilizando dessa forma a reprodução econômicas dos pequenos estabelecimentos da região.
 

Constata-se em suas falas uma sensação de injustiça na aplicação da lei, uma vez que acreditam que a legislação está sendo aplicada de forma mais rigorosa nas atividades agropecuárias do que em relação as atividades urbanas e industriais.
 

Reclamam de que as agroindústrias deveriam assumir uma responsabilidade maior, principalmente econômica, na resolução desse problema, haja vista a pequena remuneração que a  atividade normalmente proporciona.
 

Finalmente, mencionam que este conjunto de adversidades faz com que o meio rural se torne um lugar pouco atrativo para os jovens e que isso, fatalmente, irá num futuro próximo inviabilizar a continuidade da atividade agrícola e, especialmente, da suinocultura na região.

 

4 Alguns resultados

 

Como quase todos os encontros levantaram questionamentos bastante complexos e muito além da capacidade de esclarecimento e/ou resolução da Câmara de Educação Ambiental, julgou-se oportuno que estes fossem aprofundadas em seminários regionais. Assim, estabeleceu-se que anualmente, próximo ao final do ano, seriam realizados seminários de avaliação do TAC, oportunidade na qual, além de se avaliar e esclarecer questões pendentes, far-se-ia uma prestação de contas à sociedade sobre o andamento e os resultados, tendo até o momento acontecido os Seminários correspondentes aos anos de 2005 e 2006.
 

Além disso, as principais dúvidas levantadas nos encontros municipais relacionadas a legislação ambiental e/ou as cláusulas do TAC, foram parcialmente atendidas através da elaboração de uma cartilha ilustrada, apresentada na forma de perguntas e respostas, que busca esclarecer as inúmeras dúvidas existentes em relação a esse tema, e que está sendo distribuída pelas agroindústrias, secretarias municipais de agricultura, e serviço de extensão rural.
 

Outro aspecto que sofreu um encaminhamento específico foi aquele relacionado a necessidade de possuir uma avaliação mais criteriosa sobre os resultados proporcionados pelo TAC em termos de melhoria da qualidade ambiental, principalmente em relação aos recurso s hídricos. Para tanto foi elaborado e aprovado, no âmbito dos Macroprogram 3 da Embrapa, um projeto de pesquisa destinado especificamente a fazer uma avaliação dos impactos ambientais, sociais e econômicos do Termo. O Projeto adota uma metodologia que envolve  técnicas quantitativas e adota uma estratégia metodológica que pode ser conceituada como pesquisa-ação, haja vista que envolve os interessados em diversas etapas da pesquisa.

 

5 Considerações finais

 

A estratégia eleita, de atuar nos encontros diretamente com os produtores suinícolas - grupo nuclear da problemática - mostrou-se produtiva, considerando-se a intenção básica aqui referida. Tanto sob o aspecto quantitativo (mais de 2000 suinocultores participaram dos 16 encontros realizados no período-2005-2006) quanto em termos qualitativos, os resultados foram muito satisfatórios.
 

A diversidade de formação técnica, assegurada na composição do grupo facilitador dos encontros, foi decisiva para esse sucesso, pois permitiu que o produtor pudesse esclarecer-se, tanto do ponto de vista estritamente técnico-informativo, quanto sob o ângulo atitudinal, equacionando as suas incertezas, angústias e desconfiança, tanto quanto suas apostas no bom desenvolvimento das ações do TAC.
 

De outra parte, foi possível constatar o acerto da Câmara de Educação Ambiental na escolha da Abordagem Centrada na Pessoa como estratégia de fundo para o modo de relacionamento estabelecido nos encontros. Graças à aplicação de seus princípios foi possível estabelecer – em graus variáveis, para cada grupo – o clima favorável à explicitação dos principais aspectos que determinam o estado atual da questão ambiental ligada à suinocultura.
 

O “feedback” dado pelos produtores – e também por aqueles que atuaram como facilitadores – (que incluiu os membros da Câmara de Educação) foi, geralmente, muito positivo, em relação à eficácia da Abordagem na concretização desse “clima” favorecedor da livre expressão e da discussão desobstruída dos problemas. Este efeito possibilitou que fossem quebradas algumas barreiras e preconceitos existentes em nosso meio e que tendem a considerar o produtor rural como alguém que “não fala” e tem “pouco conhecimento” dos problemas, dentre estes, especialmente aqueles considerados de natureza estritamente “técnica”. O que se revelou nos encontros, em função do estabelecimento de um clima propício à manifestação de todas as vozes, foi que o agricultor tem uma visão “sócio-técnica” que se mostra muito coerente e significativa, quando se lhe possibilita um canal de expressão adequado.
 

A aprendizagem oportunizada a todos os que participaram desse processo trouxe também a perspectiva de que o fenômeno sobre o ambiental é mais complexo do que a princípio se supunha, envolvendo algo que extrapola a resolução simplista de “problemas técnicos”, apontando para nuances do contexto social em que eles se inserem e que, normalmente, são desconsiderados, como conseqüência de uma visão parcial da complexidade que caracteriza qualquer problema social contemporâneo.
 

As diversas reuniões realizadas também permitiram uma auto-crítica do papel convencional que os técnicos e outros especialistas ocupam em relação aos leigos, permitindo que nesse processo de diálogo se vislumbrasse o potencial da configuração de  novas estratégias para se coletar informações, formar opiniões, legitimar pontos de vista e que ,além disso, implicam na redefinições das relações de poder.
 

Também o grupo facilitador foi fortalecido, à medida que o processo se desenvolvia. A convivência pacífica das diferentes visões e sua elaboração, nos sucessivos encontros e reuniões da própria Câmara, ajudaram a que se consolidasse um grupo unido e solidário, sempre presente, em sua quase totalidade, em todos os momentos educativos.
 

Além disso, fruto dos inúmeros questionamentos e dúvidas que emergiram nesses encontros de educação ambiental, foi redigida pela Câmara de Educação Ambiental e Comunicação uma cartilha, na forma de perguntas e repostas, que se preocupou em trazer algumas respostas para essas questões.
 

A oportunidade de que  diversos pontos de vista emergissem dos encontros possibilitou, também, que a própria Câmara de Educação Ambiental e Comunicação desenvolvesse uma perspectiva da questão ambiental da suinocultura que se mostra hoje mais ampla e clara, sob diversos aspectos. Isso, por sua vez, tem feito com que o planejamento das novas ações seja mais eficiente e congruente com as metas inicialmente vislumbradas.

 

Referências:

ROGERS, Carl R. – Grupos de Encontro. Martins Fontes. São Paulo 2002.

 

SANTA CATARINA. Ministério Público Estadual. Temo de Ajustamento de Condutas: programa AMAUC- Consórcio Lambari. 2004. Disponível em: < http://www.accs.org.br/> Acesso em: 5 mai. 2006.

 

[1] Fonte: http://www.mma.gov.br/port/sdi/ea/fea/index.htm

 

* Este texto é resultado parcial da pesquisa "Avaliação do Termo de Ajustamento de Conduta da Suinocultura AMAUC/Consórcio Lambari através de indicadores sociais, econômicos e ambientais.,conduzido na âmbito do Macroprogrma 3 da Embrapa.

 


Cláudio Rocha de Miranda é Engenheiro Agrônomo, Dr. em Engenharia Ambiental. Pesquisador da Embrapa Suínos e Aves.
Contato: (miranda@cnpsa.embrapa.br) Concórdia.SC.Brasil Caixa Postal 21 CEP: 89700-000. Fone: 49.3441.0400.
 

Elcio Oliveira da Silva é Biólogo. Ms em Educação. Professor da Escola Agrotécnica Federal de Concórdia
Contato: (elcio@eafc.edu.br). SC 283 - km 08 - Vila Fragosos. Concórdia. SC. 89700-000.
 

Gentil Bonez é Biológo – Secretário do Comitê Regional da Suinocultura da AMAUC - Membro da Câmara de Educação e Comunicação do TAC.
Contato: (comitesuinocultura@accs.org.br). Concórdia. SC. 89700-000.



Reprodução autorizada desde que citados os autores e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

MIRANDA, C.R. de; SILVA, E.O. da; BONEZ, G. Suinocultura industrial e meio ambiente: considerações sobre a experiência de educação ambiental no âmbito do Termo de Ajustamento de Condutas da suinocultura da Associação dos Municípios do Alto Uruguai Catarinense. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_3/suinocultura/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 03/09/2007

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