Fabricação de “Queijo Branco” visando ao melhor aproveitamento do leite ácido

Ariene Gimenes Fernandes Van Dender
Ihiel Schwartz Schneider

Introdução

Coagulação do leite para fabricação de queijos

O queijo é um dos melhores alimentos do homem, não só pelo seu alto valor nutritivo (proteínas, matéria graxa, cálcio e fósforo), como também pela grande variedade de tipos existentes. Os queijos representam uma forma de conservação dos componentes insolúveis do leite, sendo obtidos pela coagulação deste seguida de dessoragem, que consiste em separar o lacto-soro da coalha formada. Este soro contém a maior parte da água de constituição e dos compostos solúveis do leite, ao passo que a coalhada retém apenas uma pequena parte destes componentes.

O método de coagulação pode influir nas características físicas, químicas e organolépticas do coágulo obtido, interferindo também na composição do lacto-soro. Assim é que o tipo de coagulação empregado no processamento de queijos constitui um dos parâmetros passíveis de serem controlados visando à obtenção de diferentes características no produto final.

A coagulação do leite pode ocorrer, principalmente, de três maneiras distintas:

- Coagulação enzímica utilizando normalmente renina, e que origina um gel de fosfoparacaseinato;

- Acidificação do leite até o ponto isoelétrico da caseína (pH 4,6), obtida por meio de fermentação láctica, adição de ácidos ao leite ou hidrólise de lactídeos ou de lactonas;

- Precipitação por acidificação direta do leite aquecido a 80-90ºC. Segundo ALAIS, os efeitos da acidez e do calor sobre as proteínas se somam, ocorrendo um aumento do ponto isoelétrico das caseínas com a elevação da temperatura do leite, resultando em um valor denominado ponto isoelétrico aparente. Isso ocorre, presumivelmente, devido à associação das caseínas com as proteínas do soro com o aquecimento. Deste modo, quando o leite é tratado com ácido e calor, as caseínas e as proteínas do soro precipitam e o produto se denomina co-precipitado. Como as proteínas do soro são ricas em cistina (1,9 a 6,5%), a deficiência das caseínas neste aminoácido é corrigida com o fenômeno da co-precipitação (1, 2). Assim é que a acidificação do leite aquecido, processo utilizado na elaboração do “Queijo Branco”, resulta num precipitado de caseínas e proteínas desnaturadas do soro. Isto constitui uma vantagem, não só do ponto de vista de nutrição (incorporação de cistina), como também econômico, já que as proteínas do soro correspondem a cerca de 0,6% do leite ou quase 20% do total de suas proteínas.

Devem-se salientar, todavia, os efeitos práticos dos três processos de coagulação sobre o coágulo formado. Assim é que o coágulo produzido pela renina apresenta considerável elasticidade, contrai-se eliminando o soro presente e a retração da massa aumenta com o desenvolvimento da acidez. Já o coágulo formado somente pela ação do ácido não é tão elástico, apresentando-se ainda gelatinoso e frágil, tendendo a se fragmentar mais e a contrair menos do que o enzímico. Por outro lado, a co-precipitação por meio de acidificação direta do leite aquecido, ocorre com formação de flocos ou grãos, ao invés do gel homogêneo por fermentação láctica ou pela ação da renina.

Caracterização do “Queijo Branco Latino-americano”

De modo geral, os queijos elaborados a partir de leite de vaca não são realmente brancos, devido à presença de B-caroteno que os tornam ligeiramente amarelados. Apesar disto, vários tipos são tradicionalmente conhecidos como queijos brancos, tendo-se, como exemplos, os queijos “Cottage”, “Quarg”, “Bakers”, “Israel” e “latino-americano”.

Os chamamos “queijos brancos latino-americanos”, muito importantes em diversos países da América Central e do Sul, são normalmente do tipo “frescal”, de textura macia, sendo conhecidos por diferentes nomes de acordo com sua origem, em face das pequenas variações apresentadas em sua elaboração. Em sua maioria, esses queijos são fabricados em fazendas e pequenas fábricas de lacticínios, visando ao aproveitamento do leite não consumido “in natura”. Sabe-se, todavia, que atualmente estes queijos também têm sido fabricados em lacticínios de médio e grande porte.

A tecnologia empregada na fabricação desse tipo de queijo varia segundo o país ou região em que é produzido, sendo que as principais diferenças referem-se à matéria-prima utilizada, tipo de coagulação e tempo de maturação do produto final. Sendo assim, tais queijos recebem denominações diferentes (Queso “fresco”, “de Puna”, “de Maracay”, “Huloso”, etc.), de acordo com a tecnologia utilizada, ou com o país ou região onde são fabricados, ainda que o processo de fabricação seja idêntico.

Dentre todos os “Queijos Brancos Latino-americanos”, o mais difundido, portanto o de maior expressão econômica, é mais freqüentemente denominado “Queso Del País”, “Queso de la Tierra ” ou “Queso de Prensa”, sendo popular na Venezuela e em Porto Rico. Esse queijo é branco, cremoso, fortemente salgado, de sabor ácido (pH 5,3) e com textura e corpo semelhantes ao “Cheddar” de alto teor de umidade ou à mozarela, sendo fabricado a partir de leite contendo geralmente 3% de gordura. Trata-se de um queijo prensado, semiduro, com textura fechada, de boas propriedades de corte e que não se funde por aquecimento a temperaturas elevadas. É normalmente consumido fresco, com doces de frutas, podendo, às vezes, ser maturado e, neste caso, apresenta-se duro e ligeiramente picante.

A composição do “Queijo Branco” varia com a quantidade de ácido acético e as temperaturas utilizadas na sua precipitação e com as propriedades físicas e químicas do leite, tais como pH, % de gordura, teor protéico, sólidos totais e balanço de sais.

O Quadro I indica a composição típica do “Queijo Branco”.

Quadro I. Composição típica do “Queijo Branco”, segundo KOSIKOWSKI.

Determinações
(%)

“Queijo Branco” comercial, leite com 2,2% de gordura
(Porto Rico)

“Queijo Branco” experimental, leite com 3% de gordura
(Doméstico)

Gordura

15,0

19,2

Água

51,0

49,8

NaCl

3,9

2,0

Lactose

1,8

2,0

Proteína

22,9

25,3


O fluxograma da Figura I ilustra o processamento básico do “Queijo Branco Latino-americano”, segundo KOSIKOWSKI.

O “Queijo Branco” é obtido por precipitação ácida em temperaturas altas e não utiliza ênzimos ou culturas lácticas. Portanto, parece ser adequado para ser introduzido em países em desenvolvimento e de escassos recursos tecnológicos, porque, além de prescindir o uso de ênzimos ou de culturas lácticas, é produto de excelente qualidade nutricional, sendo obtido por meio de um processamento mais simples e com maior rendimento, quando comparado a outros tipos de queijos. Além disso, torna-se viável mecanizar a sua produção que se resumiria em uma simples precipitação dos componentes do leite sob ação do calor e de ácido.

Devido à comprovada importância nutritiva e econômica deste produto, diversos autores têm salientado a necessidade da realização de pesquisas para o aperfeiçoamento de sua tecnologia de fabricação, visando a melhorar, principalmente, o rendimento, o sabor, a textura e o tempo de conservação. Entretanto, existem poucos trabalhos na literatura internacional considerando-se a importância do “Queijo Branco”.

Aproveitamento industrial do leite ácido

As causas da acidificação do leite, as possíveis soluções para este problema e o aproveitamento do leite ácido têm sido objetos de estudo de diversos pesquisadores.

A contaminação do leite devida aos microrganismos provenientes das usuais condições de ordenha e de transporte, provoca a sua acidificação por intermédio do fermentação láctica, podendo mesmo ocorrer a coagulação da caseína se esta atingir níveis elevados. Assim é que se convencionou denominar de “normal” ao leite cuja acidificação ocorreu em função do elevado número de bactérias, do longo tempo decorrido desde a ordenha até sua pesagem no posto de recepção, bem como da inadequada temperatura em que foi manipulado. “Anormal” seria o leite ácido proveniente de animais doentes, contendo colostro ou leite de retenção, adulterado ou então obtido sem a mínima higiene, portanto apresentando detritos e impurezas. Alguns autores chegam ao exagero de afirmar que cerca de 90% do leite classificado como ácido, portanto rejeitado pela recepção das indústrias, se enquadrariam na classificação “leite ácido normal”.

Segundo BEHMER, o aproveitamento de leite ácido não “anormal”, ou seja, daquele acidificado naturalmente, favorecia sobremaneira a economia da exploração leiteira, já que do ponto de vista tecnológico não há inconveniente em se aproveitar esse leite.

Diante da necessidade de dar solução a este problema, realizou-se o estudo que aqui se segue, objetivando, se não solucionar, ao menos levantar o assunto que desta forma talvez venha a merecer estudo mais pormenorizado por outros pesquisadores.

Figura I. Fluxograma do processamento básico do “Queijo Branco”, segundo KOSIKOWSKI.

Material e Métodos

Material

Leite tipo C apresentando as seguintes características físicas e químicas médias:

Densidade 1,030
Gordura 3,0%
pH 6,4
Acidez 17,0ºD
Extrato seco total 11,23%
Proteína 3,70%

Leite acidificado por cerca de 20 horas em câmara a 15ºC e proveniente de um único fornecedor.

Leite que já chegava ácido à plataforma da Usina, com acidez entre 20 e 30ºD

Acidulante: ácido acético.

Cloreto de cálcio: solução a 50%.

Cloreto de sódio: sal moído industrial.

Métodos

Determinações analíticas

Amostragem

As amostras de leite e de soro eram retiradas diretamente do tanque de queijo, após ligeira homogeneização, enquanto para os queijos seguiu-se a recomendação das Normas Britânicas.

pH

Foi determinado potenciometricamente, em potenciômetro Radio Meter (pH – Meter 26). 

Acidez

A acidez foi determinada em graus Dornic para o leite e em % de ácido láctico para o coágulo na precipitação e para os queijos.

Densidade do leite

Foi determinada a 15ºC, por meio de termolactodensímetro de Quevene.Gordura

Utilizou-se do aparelho Milko-Tester MK-III para o leite e soro e do método volumétrico Gerber-van Gulik para os queijos.

Umidade

O teor de água dos queijos foi determinado em estufa a 100-110ºC, segundo o método de secagem até peso constante.

Extrato seco total

O resíduo seco total do leite foi calculado por meio do disco de Ackermann, enquanto para os queijos utilizou-se do método de diferença.

Gordura na matéria seca

A gordura no extrato seco (GES) dos queijos foi calculada segundo recomendações de FURTADO.

Proteína

Empregou-se o método de Kjeldahi com fator de correção igual a 6,38.

Cloreto de sódio

A percentagem de sal no queijo foi obtida titulando-se o excesso de nitrato de prata adicionado, com tiocianato de potássio, seguindo-se uma modificação do método de Volhard.

Peroxídase

A presença de peroxídase no leite, imediatamente antes da coagulação, foi determinada pelo guaiacol incolor a 1% e água oxigenada de 10 a 20 volumes.

Trabalhos práticos

O trabalho foi realizado basicamente em quatro etapas:

- Ensaios preliminares, a nível de laboratório;

- Ensaios a nível de usina-piloto:

- Fabricação do “Queijo Branco” com leite normal (até 19ºD);

- Fabricação do “Queijo Branco” com leite acidificado em condições controladas;

- Fabricação do “Queijo Branco” com leite recebido na plataforma já ácido (naturalmente ácido). 

Avaliação organoléptica

Foi realizada por 25 provadores, avaliando-se o queijo padrão elaborado a partir de leite de acidez normal, bem como o queijo feito a partir de leite ácido. Ambos os queijos foram classificados com Ruim, Regular, Bom ou Ótimo, considerando-se as seguintes características organolépticas: teor de sal, acidez, aroma, consistência, granulação (ao corte) e cor. 

Resultados e Discussão

Ensaios preliminares, a nível de laboratório

A primeira fase da pesquisa foi orientada no sentido de se determinar o pH ideal de coagulação do leite normal para a fabricação do “Queijo Branco”. Tal pH é definido como o que fornece maior rendimento e um produto final com propriedades físicas, químicas e organolépticas do agrado do paladar do consumidor brasileiro. Procurou-se, também, obter um queijo semelhante ao queijo tipo Minas no concernente à textura, sabor e características físicas e químicas.

Os trabalhos práticos foram realizados em duas etapas. Inicialmente, usou-se pH de coagulação entre 5,6 e 5,0, e, em função dos resultados obtidos, a faixa de variação foi diminuída para 5,6 a 5,3, na segunda etapa. O pH de 5,8 não foi utilizado para obtenção deste queijo, pois a precipitação do leite aquecido a 82ºC, inicia-se em torno de pH 5,9 e, portanto, o rendimento do processo seria muito baixo.

Na primeira etapa, verificou-se uma grande diferença na quantidade de ácido acético necessário para variar o pH de 5,6 a 5,0 (0,07 a 0,35% de ácido). No entanto, a coagulação processou-se de modo semelhante com relação ao rendimento (10-14kg de queijo/100L leite) para os diversos valores de pH. Todavia , o fator decisivo para o estudo mais detalhado da faixa de pH mais alto (5,6-5,3) na segunda etapa, foi a consistência quebradiça dos queijos obtidos em pHs mais baixos.

A análise dos resultados assim obtidos permitiu deduzir que o pH de coagulação não deveria ser maior do que 5,4. Isto porque o queijo resultante da coagulação em pH mais elevado apresentou teor de umidade demasiadamente alto, além de pH maior do que o valor recomendado na literatura (pH 5,4), influenciando, assim, na conservação do produto. Por outro lado, umidade elevada aumenta a plasticidade da massa que, deste modo, adquire características mais de requeijão de corte do que de “Queijo Branco”.

O produto que se pretendia obter deveria apresentar cerca de 50% de umidade, 2% de sal e pH final 5,3 além de boas propriedades de corte, isto é, não esfarelar ao ser cortado. Considerou-se melhor o queijo em que foram utilizados 111,4ml de ácido acético/45,5kg de leite com 3% de gordura e 2% de sal. Este queijo foi obtido com pH de coagulação igual a 5,4, apresentando textura coesa, ligeiramente granulosa ao corte e sabor agradável.

Levando-se em conta a dificuldade de se obter dados precisos e repetitivos em escala de laboratório, decidiu-se por ensaios de usina-piloto, utilizando-se, como ponto de partida, destes dados preliminares com pequenas alterações.

Ensaios a nível de usina-piloto

Fabricação do “Queijo Branco” com leite normal (até 19ºD)

Nesta fase dos trabalhos foram realizadas cinco séries de experimentos (I a V, Quadro II), introduzindo-se algumas modificações no processamento básico (Figura I), com o objetivo de definir um padrão para o queijo feito a partir de leite com acidez normal, ou seja, até 19ºD.

Quadro II. Principais características tecnológicas dos processamentos I a V.

Processamentos

Volume de ácido (ml) 45,5kg de leite

Diluição do ácido

Adição do ácido

Cloreto de cálcio (g)/50L de leite 30ºC (repouso:30min)

I

111,4

1:10

3 aplicações

-

II

111,4

1:30

Lenta e contínua

-

III

111,4

1:30

Lenta e com uso de regador

-

IV

125,0

1:10

3 aplicações com uso de regador

-

V

125,0

1:10

3 aplicações com uso de regador

15


Os resultados assim obtidos levaram à conclusão de que o processamento V seria o padrão para o “Queijo Branco” (fluxograma da Figura II). Os valores do pH no momento da precipitação foram 5,4 para o coágulo e 4,84 para o soro. O soro apresentou, ainda, acidez de 46,5ºD, teor de gordura de 0,51% e perda de proteína igual a 0,33%.

Figura II. Fluxograma do processamento padrão de “Queijo Branco”.

Os resultados médios das análises dos queijos obtidos pelo processamento padrão encontram-se no Quadro III.

 

Quadro III. Resultados médios das análises dos queijos contendo cloreto de cálcio, embalados em “cryovac” e armazenados durante 2 dias a 12ºC (3 amostras).

Determinações

Partida nº V

PH

5,42

Acidez (% de ácido láctico)

0,189

Gordura (%)

19,0

Umidade (%)

51,35

Extrato seco total (%)

48,65

Gordura no extrato seco (%)

39,05

Rendimento (kg de queijo/100L de leite)

11,76

Textura (ao corte)

Coesa


O fluxograma da Figura II explica melhor as etapas e modificações deste processamento.

Comparando, ainda, os queijos com dois dias e duas semanas de estocagem a 12ºC, observa-se que a embalagem a vácuo e o armazenamento a frio melhoraram a textura e as propriedades de corte do queijo estocado por maior período de tempo, fato que confere com os dados da literatura.

Fabricação do “Queijo Branco” com leite acidificado em condições controladas

Considerando os objetivos básicos deste trabalho, deu-se início à fase experimental visando a estudar a viabilidade do uso de leite ácido na fabricação de um produto igual ou semelhante ao obtido com leite normal.

Em linhas gerais, seguiu-se o processo definido no fluxograma da Figura II, com as seguintes alterações:

Uso de leite cru integral, de um único fornecedor, após acidificação natural (aprox. 20Hrs a 15ºC);

Variação do volume de ácido acético de acordo com a acidez do leite.

Nesta fase, foram executadas as análises no leite, soro e coágulo (Quadro IV).

Os queijos foram avaliados apenas organolepticamente, para se ter uma idéia da qualidade do produto obtido em função da acidez inicial do leite e da tecnologia aplicada.

Partidas

Acidez inicial do leite (ºD)

ml de ácido acético/45,5kg de leite

Soro

pH do coágulo após a precipitação

Rendimento (kg de queijo/100L de leite)

pH

Perda de gordura (%)

Perda de proteína (%)

1

20

120

4,9

0,1

0,32

5,55

12,3

2

20

125

4,8

0,11

0,34

5,56

11,48

3

21

110

4,9

0,62

0,36

5,4

11

4

22

110

4,79

0,35

0,45

5,6

12,88

5

22

110

4,87

0,17

0,36

5,45

12,2

6

22

110

4,9

0,18

0,38

5,4

12

7

23

110

4,7

0,45

0,35

5,5

12,12

8

24

100

4,92

0,97

0,37

5,26

11

9

24

100

4,7

0,53

0,54

5,5

11,65

10

26,5

100

4,8

0,52

0,49

5,71

12,6

11

29

100

4,9

1,26

0,44

5,4

11,9

12

32,5

88,2

4,7

1,53

0,48

5,4

11,2

13

36

84

4,6

2,2

-

5,4

6,9

14

36

84

4,7

-

-

5,4

-


Procurou-se definir a faixa de acidez inicial do leite em condições de ser utilizada, levando em conta o rendimento (kg de queijo/100L de leite) e também as perdas em gordura e proteína no soro. Outro fator estudado foi a determinação da quantidade de ácido acético necessária para cada caso. Os dados referentes a esta etapa dos trabalhos encontram-se no Quadro IV.

Os resultados obtidos indicaram a viabilidade de se aproveitar o leite ácido na fabricação de “Queijo Branco”.

Todavia, a utilização de leites com acidez superior a 30ºD foi considerada inadequada, pois a precipitação inicia-se bem antes da temperatura desejada (cerca de 65ºC), o que, além de diminuir o rendimento do processo, causa alterações no sabor e na consistência do produto final.

Desta maneira, a faixa de acidez inicial do leite de 20 a 30ºD foi considerada a mais adequada, não apenas do ponto de vista tecnológico como também quanto à qualidade do produto obtido.

A faixa de acidez entre 20 e 30ºD tornou-se satisfatória, pois, na prática, leite ácido recebido na plataforma das indústrias normalmente apresenta acidez abaixo de 30ºD, o que coincide com este achado tecnológico.

Pode-se notar, ainda, que a quantidade de ácido para cada grau de acidez não precisa ser calculada com precisão, já que o pH do soro e os demais parâmetros não apresentaram variação sensível com os diferentes volumes de ácido utilizados.

Fabricação de “Queijo Branco” com leite recebido na plataforma já ácido (naturalmente ácido)

Esta etapa final foi conduzida em função dos resultados obtidos na fase anterior desta pesquisa. Foram elaboradas 14 partidas de queijo com leite cru integral, com acidez de 20 a 30ºD, e uma partida considerada padrão, utilizando leite de acidez igual a 17ºD, todas pelo processamento definido no fluxograma da Figura II. No entanto, A quantidade de ácido acético foi calculada em percentagem relativamente ao volume de leite (0,25 a 0,16%), o que permitiu simplificar o cálculo. Esta percentagem foi definida com base no pH do soro após a coagulação e na técnica desenvolvida para leite normal e para aquele acidificado em condições controladas.

Por outro lado, a ausência do ênzimo peroxídase no leite, imediatamente antes da adição do ácido acético,, comprovou o acerto do tratamento térmico a que foi submetido tal leite (82ºC).

A principal diferença observada entre os diversos processamentos foi quanto ao tipo de coagulação do leite. Em alguns casos, a coagulação não foi normal, já que, além da precipitação, houve também flotação quando a acidez era de apenas 17ºD (padrão). Constatou-se, todavia, que a flotação ocorreu sempre que o teor de gordura do leite era superior a 3,5%. Além disso, houve um aumento na flotação e na fragilidade da massa com o aumento da percentagem de gordura, dificultando a dessora e a prensagem, e o queijo apresentava-se muito úmido e de consistência muito mole.

Por meio de experimentos complementares, observou-se, entretanto, que os queijos fabricados com leites com menos de 2,5% de gordura apresentavam textura prejudicada, tornando-se duros, secos e com acentuado sabor de caseína. Este fato sugere, portanto, que o leite deve ter de 2,5% a 3,5% de gordura, sendo a media de 3,0% adequada para evitar problemas durante a fabricação e obter-se o queijo característico, o que confere com os dados da literatura.

Por outro lado, observou-se, também, que leites com acidez inicial elevada produziram coágulos com tendência de filagem. Este fenômeno pode ser contornado pela diminuição do tempo de permanência do coágulo no soro ou pela diluição do leite ácido com pequena percentagem de leite desnatado.

Uma visão panorâmica quanto ao emprego de leite ácido na elaboração do “Queijo Branco”, pode ser apreciada pelo exame do Quadro V, onde se comparam os resultados das 15 partidas de queijo armazenados durante duas semanas a 6ºC. Constata-se uma grande variação da matéria-prima empregada, notadamente quanto ao teor de gordura (2,56 a 4,73%). Não obstante, e a despeito das dificuldades apontadas, o produto resultante mostrou características aceitáveis de cor, sabor e consistência, provando a possibilidade de aproveitamento de leites ácidos para a fabricação do “Queijo Branco”. 

Avaliação organoléptica

O objetivo principal da avaliação organoléptica foi o de avaliar a aceitação do novo produto pelo consumidor brasileiro, procurando-se, também, obter dados sobre as possíveis diferenças existentes entre o queijo-padrão e o queijo feito com leite ácido.

Os resultados obtidos indicaram que o “Queijo Branco” tem boas chances de ser aceito, considerando-se que a maior percentagem dos provadores classificou-o entre regular e bom, para todas as características organolépticas analisadas (83,48% para o padrão e 79,7% para o queijo de leite ácido). Além disso, obteve-se uma classificação global entre bom e ótimo de 68,1% para o padrão e 53,61% para o queijo de leite ácido, o que constitui um resultado significativo, tendo em vista tratar-se de um tipo desconhecido de queijo.

Quadro V. Resultados das análises dos queijos elaborados com leite naturalmente ácido (2 a 15) e com leite de acidez normal (1) e armazenados durante duas semanas a 60ºC.
Determinações

Partidas

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

Acidez do leite (ºD)

17

23

24

24

25

26

26

27

27

27

27

27

28

28

30

Quantidade de ácido acético (%)

0,16

0,25

0,16

0,16

0,16

0,16

0,16

0,16

0,16

0,16

0,25

0,25

0,25

0,16

0,25

Ph

5,55

5,25

5,7

5,4

5,5

5,75

5,55

5,65

5,6

5,4

5,2

5,6

5,6

5,3

5,3

Acidez (% ácido láctico)

0,63

0,774

0,432

0,576

0,702

0,468

0,54

0,594

0,45

0,774

0,702

0,468

0,504

0,63

0,72

Gordura (%)

23

18,5

26

33

20

29,5

30

28

24,5

32

15,5

14,5

19,5

21

15,5

Umidade (%)

48,4

55,61

47

46,68

47,8

46,8

53,05

45,6

47,4

44,8

56,6

54,02

55,24

51,13

54,46

Proteína total (%)

23,61

18,2

15,5

20,37

24,15

15,86

21,81

21,99

21,63

15,14

21,63

23,37

15,5

22,17

21,09

Teor de sal (%)

1,2

1,92

1,96

1,46

1,92

1,47

2,88

2,16

2,1

1,77

2,07

1,8

1,92

1,74

1,8

Extrato seco total (%)

51,6

44,39

53

53,32

52,2

53,2

46,95

54,4

52,6

55,2

43,94

45,98

44,76

48,87

45,54

Gordura no extrato seco (%)

44,57

41,67

49,05

61,89

38,31

55,45

63,89

51,47

46,57

57,97

35,27

31,53

43,56

42,97

34,03

Rendimento em kg de queijo/100L de leite

12,8

10,6

10,8

13

10

12,1

10,4

9,8

-

11,4

11,7

10,62

10,6

11,8

9,8


Por outro lado, detectou-se ligeira preferência pelo queijo padrão, considerado superior ao queijo de leite ácido.

Conclui-se que o aproveitamento de leite ácido na fabricação de “Queijo Branco” é viável desde que não apresente sabores e/ou odores estranhos passíveis de serem transferidos ao queijo, prejudicando suas características organolépticas.

Acresce, ainda, que os provadores consideraram o “Queijo Branco” muito adequado para ser consumido com doces ou compotas de frutas, o que o torna, até certo ponto, comparável ao queijo tipo Minas.

Conclusões

Leite ácido com 20 a 30ºD, que não apresente sabores e odores estranhos devidos a degradações microbiológicas acentuadas, presta-se, sem maiores inconvenientes, à fabricação de “Queijo Branco”;

O melhor “Queijo Branco” foi o elaborado com leite tipo C normal com até 19ºD de acidez, 3% de gordura e adicionado de 0,27% de ácido acético e 0,03% de cloreto de cálcio;

O uso de leite com acidez situada na faixa de 20 a 30ºD permite a elaboração de “Queijo Branco” em tudo similar ao produzido com leite de acidez normal;

Leite com acidez inicial acima de 30ºD é praticamente inviável para a fabricação de “Queijo Branco”;

Leites com acidez inicial elevada produziram coágulo com tendência de filagem. Esta fenômeno pode ser contornado pela diminuição do tempo de permanência do coágulo no soro ou pela diluição do leite ácido com pequena percentagem de leite desnatado;

Para evitar o fenômeno de flotação do coágulo, o leite para fabricação de “Queijo Branco” não deve conter mais de 3,5% de gordura;

“Queijos Brancos” elaborados com leites com teores de gordura inferiores a 2,5% são menos cotados devido à sua textura endurecida e ao sabor de caseína;

O pH do leite, no momento da coagulação, não deve ser superior a 5,4, a fim de não prejudicar o produto final devido ao excesso de umidade e dificuldades de conservação;

79,7% da equipe de provadores julgaram o “Queijo Branco” elaborado com leite ácido como produto passível de ser bem aceito pelo público consumidor, contra 83,48% para o mesmo tipo de queijo elaborado com leite de acidez normal;

A embalagem a vácuo e o armazenamento a frio (6 a 12ºC) durante aproximadamente duas semanas, melhoram a textura e as propriedades de corte do “Queijo Branco”.

 

Resumo

“queijo Branco” é um produto conhecido em diversos países da América Latina, sendo produzido por acidificação direta do leite e uma temperatura de aproximadamente 82ºC, usando-se, geralmente, como acidificante, o ácido acético glacial.

Considerando que grande volume de leite ácido chega às plataformas das indústrias de laticínios do país, o presente trabalho teve como principal objetivo pesquisar o aproveitamento desse leite na fabricação de “Queijo Branco”.

Em uma fase preliminar, executou-se uma série de experimentos visando a definir a tecnologia do “Queijo Branco”, uma vez que as informações tecnológicas encontradas na literatura são incompletas e nada existe em relação ao problema no Brasil. Os resultados dessa fase mostraram que o produto obtido pelo emprego de leite normal lembrava o queijo tipo Minas. Submetido a uma equipe de provadores, o “Queijo Branco” elaborado com leite de acidez normal foi bem cotado.

Na fase seguinte pesquisou-se o aproveitamento de leite ácido na faixa de 20-30ºD e os resultados foram satisfatórios, sendo que o “Queijo Branco” assim obtido, apesar de apresentar uma qualidade ligeiramente inferior ao obtido com leite normal, foi igualmente bem aceito pela mesma equipe de provadores.

A fabricação do “Queijo Branco” utilizando leite ácido revelou-se promissora e de valor econômico relevante, tendo em vista que 5 a 10% dos leites chegaram às usinas com acidez acima de 20ºD, mormente nos meses de verão.

 

Origem: Instituto de Tecnologia de Alimentos - ITAL  www.ital.sp.gov.br


Ariene Gimenes Fernandes Van Dender possui graduação em Faculdade de Engenharia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (1975), especialização em Curso de Utilização de Tecnologia de Membranas pela Institut National de La Recherche Agronomique (1986), especialização em Queijos de massa lavada- fermentos de inoc.direta pela Rijkszuivelstation (1981), especialização em Uso de Ultrafiltração na Fabricação de Produtos Lácteos pelo Instituto de Laticínios Candido Tostes (1985), mestrado em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (1980) e doutorado em Tecnologia de Alimentos pela Universidade Estadual de Campinas (1995). Atualmente é Pesquisador científico VI do Instituto de Tecnologia de Alimentos. Tem experiência na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos , com ênfase em Tecnologia de Alimentos. Atuando principalmente nos seguintes temas: ultrafiltração, queijo Minas frescal, diafiltração, método MMV, DELACTOSAGEM e PROTEÓLISE DURANTE ESTOCAGEM. É Bolsista de Produtividade Desen. Tec. e Extensão Inovadora do CNPq - Nível 2
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Contato:
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Dados para citação bibliográfica(ABNT):

Van DENDER, A.G.F.; SCHNEIDER, I.S. Fabricação de “Queijo Branco” visando ao melhor aproveitamento do leite ácido. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_2/QueijoBranco/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 29/06/2007 

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