MANEJO E PREPARO DE SOLO NA HORTICULTURA

por Afonso Peche Filho

INTRODUÇÃO

Um ponto fundamental na horticultura é o entendimento sobre as diferenças entre ações para o manejo de solo e ações de preparo do solo.

Manejar o solo hortícola significa "construir um perfil cultural", onde as plantas encontram um ambiente ajustado para o pleno desenvolvimento vegetativo e uma harmonia entre as propriedades físicas, químicas e biológicas. Ações de manejo são estratégicas, e compõem um conjunto de diretrizes e procedimentos sustentados pela filosofia de "construir" um solo cujas características positivas superam em muito as negativas, estabelecendo um balanço "positivo" permitindo a perenidade produtiva. A gestão das atividades de manejo são tipicamente gerenciais e preocupadas com o enfoque sistêmico da qualidade operacional, rotação econômica das culturas e dos impactos ambientais.

Preparar o solo hortícola significa "construir um leito" para o desenvolvimento fisiológico das plantas cultivadas, levando-se em conta os recursos tecnológicos, humanos e ambientais. Ações de preparo são operacionais e sujeitais as condições impostas no momento da execução. A gestão das atividades operacionais é tipicamente de momento e ligadas a capacitação do executor sendo influenciadas pelo seu senso de: raciocínio, consciência , responsabilidade, habilidade e senso de equipe.

 

Quadro 1 - Principais indicadores para nortear o manejo e preparo adequado na horticultura

1. Propriedades Químicas:

- pH

- saturação de bases

- teor de fósforo

- teor de potássio

- matéria orgânica

2. Propriedades físicas

- textura

- cor do solo

- resistência à penetração

- capacidade de retenção de umidade

- densidade

- porosidade

3. Propriedades biológicas

- enraizamento no perfil

- nematóides de solo

- fungos de solo

- pragas de solo

- plantas infestantes

 

2- A ANÁLISE QUÍMICA DO SOLO COMO INSTRUMENTO REFERENCIAL DE MANEJO E PREPARO.

A análise química do solo é reconhecidamente o mais popular instrumento utilizado pelos horticultores para obter informações sobre as condições do solo e tomada de decisões referentes as ações de manejo e preparo. Normalmente as informações são obtidas de coletas de solo realizadas em duas profundidades, uma de zero a vinte centímetros e a outra de vinte a quarenta. Os resultados da condição de fertilidade química do perfil de zero a vinte centímetros, influenciam nas decisões referentes a incorporação superficial principalmente as relacionadas com a calagem, fosfatagem, potassagem, adubação verde, adubação mineral, adubação orgânica, adubação complementares de cobertura.

Com relação a calagem em lavouras de grãos, recomenda-se que as operações sejam realizadas de 60 a 90 dias antes do plantio. Mas em horticultura a dinâmica de plantio é diferente e sugerimos, então, que haja uma concentração dessas atividades no período de outono, ou seja, de março a junho, esperando que as chuvas torrenciais estejam escassas e a mobilização profunda não fragilize as terras favorecendo a ocorrência de processos erosivos.

No outono, o solo normalmente apresenta uma quantidade de água que favorece o trabalho de mobilização sem prejudicar sua qualidade estrutural. O solo esta "friável", ou seja, apresenta uma característica em que as suas condições físicas permitem a mobilização utilizando rotativas, arados, grades e outros implementos em profundidade sem produzir compactação nem destruição dos agregados do solo.

Para que haja uma boa incorporação, o calcário devera ser aplicado em duas etapas, a primeira utiliza-se a metade da dose recomendada antes da aração e na segunda etapa aplica-se a segunda dose imediatamente após a passagem do arado, sendo incorporado pela gradagem niveladora.

Não se recomenda a realização da calagem muito próxima do plantio. A aplicação a lanço é sempre desejável desde que bem feita, buscando regularidade de vazão e de distribuição, possibilitando a elevação de teores de Ca e Mg e a elevação na saturação de bases para ficar entre 60 e 80%.

A fosfatagem é a aplicação de fosfato natural ou termofosfato a lanço e incorporada ao solo por implemento com a capacidade de misturar uniformemente o produto o mais profundamente possível. A preocupação com a qualidade da incorporação do fosfato é de fundamental importância para o enraizamento adequado das plantas, a distribuição uniforme permite um contato íntimo entre as partículas finas do fosfato e os componentes do solo promovendo a sua solubilização e disponibilização para as plantas e conseqüentemente promove uma ocupação adequada das raízes no perfil do solo. É sempre bom lembrar que a fosfatagem tem como objetivo elevar os teores de fósforo no solo empobrecido a níveis onde permita a redução de perdas de nutrientes solúveis oriundos das adubações de plantio e cobertura, um outro ponto importante é que a fosfatagem deve ser repetida em intervalos de três a cinco anos de preferência nos anos em que não se realiza a calagem pois a elevação do ph prejudica a solubilização fosfato. Os implementos rotativos são os mais indicados para realizar a mistura fosfato/solo adequadamente.

A potassagem é a aplicação de potássio a lanço e incorporação imediatamente após, através de uma mobilização superficial realizada normalmente por gradagem niveladora. O objetivo dessa operação é também corretiva principalmente indicada para solos arenosos, originalmente pobres neste nutriente que é o mais extraído pelas oleráceas.

A incorporação de adubos verdes ou de palhas, tem como objetivo melhorar as propriedades do solo, quimicamente a matéria orgânica mineralizada interfere na CTC (capacidade de troca catiônica) fornece nutrientes e retem grande quantidade de ar e água.

3 - A ANÁLISE FÍSICA DO SOLO COMO INSTRUMENTO REFERENCIAL DE MANEJO E PREPARO.

As questões relacionadas com a física do solo são ainda pouco discutidas pelos horticultores, na prática as tratativas recaem empiricamente sobre compactação e processos erosivos. Na verdade essas tratativas tem fundamento pois as condições físicas do solo afetam prioritariamente os fenômenos ligados a aeração e a movimentação de água no perfil. Algumas determinações físicas são de especial interesse na tomada de decisões relacionadas com métodos de preparo e sistemas de manejo.

A análise granulométrica que determina as proporções em que se apresentam as frações inorgânicas, areias, silte e argila proporciona o conhecimento da textura que na prática leva o agricultor a classificar o solo em pesados, médios e leves, essa classificação permite inferir algumas regras quanto a forma e método de mobilização. Em solos pesados é imperioso que toda mobilização primária (aração, subsolagem, escarificação, rotovação) seja realizada de forma que imediatamente após a passagem do implemento seja realizada uma gradagem destorroadora com a finalidade de aproveitar a umidade do solo para facilitar a ação das peças ativas (disco, dentes, enchadinhas) na uniformização de tamanho e distribuição dos torrões, em solo pesado vale a regra: "se a terra arada tomar sol e vento o preparo produz torrões grandes e duros como pedras"; na verdade essa regra vale também para solos médios, mas gradagens niveladoras sucessivas podem provocar compactação e desestruturação de agregados. Em solos leves a mobilização pode provocar perda de água e nutrientes por volatização ou por lixiviação. A textura influi também na escolha de práticas conservacionistas, altura de canteiros, incorporação de adubos verdes e fertilizantes, além da escolha do implemento e regulagens.

Um outro exame prático e interessante é a resistência do solo á penetração, que é uma medida ponderal e dimensional que pode ser realizada por aparelhos denominados penetrômetros ou penetrógrafos que exprimem o estado de resistência mecânica (em kgf/cm2) de uma ponteira e haste ao longo do perfil, de uma maneira geral esses aparelhos auxiliam na determinação de camadas compactadas ou não e conseqüentemente influenciam no tipo de implemento e forma de uso.

         Um outro parâmetro físico importante, mas pouco divulgado, é a MOL do solo, ou seja, a matéria orgânica livre, que é o material orgânico presente no solo mas que ainda não entrou em processo acelerado de decomposição, como os pedaços de raízes, fragmentos de caule, restos de colheita etc. Esse material, distribuído no perfil cultural do solo, tem o papel de prevenção contra a compactação, pois aumenta a compressibilidade, propiciando aeração e diminuindo o efeito do rearranjamento das partículas do solo causado pelo tráfego de máquinas agrícolas. A MOL do solo pode ser determinada em laboratórios mas, no campo, é avaliada visualmente pela constatação em torrões de solo retirados em profundidade. A presença abundante de MOL no perfil cultural previne as áreas dos efeitos da compactação provocada pelas máquinas alem de facilitar enormemente o enraizamento e a tuberização de culturas como a batata, mandiocas, nabos, rabanetes, etc... .

A estrutura do solo também é uma característica física muito importante e pouco conhecida pelos horticultores. Entende-se por estrutura a de um solo a maneira como se arranjam e se agregam as suas partículas. Enquanto a textura é uma propriedade dependente quase unicamente de agentes naturais a estrutura depende especialmente de fatores de manejo para sua formação, sendo influenciada pelo conteúdo de matéria orgânica, drenagem, trabalho mecânico, rotação de culturas entre outros facilmente controlados pelo agricultor.

A estrutura pode ser analisada de acordo com o tipo dos agregados que podem ter formatos e tamanhos diversos, tais como: granular, angular ou subangular, laminar, prismática ou colunar. O grau de arredondamento das partículas determinam também a maneira que se agrupam formando o tipo de estrutura, na figura 1 podemos analisar as diferentes formas que os agregados se apresentam de acordo com o tipo de manejo, quanto mais arredondado mais solto e porosa tenderá ser a estrutura. Uma boa estrutura é aquela em que haja poros e espaços lacunares bastantes volumosos para permitir um perfeito arejamento, uma fácil infiltração das águas de chuva e um bom desenvolvimento do sistema radicular das plantas, apresentando ao mesmo tempo, agregados maiores, bastante densos e coesos para permitir uma boa capacidade de retenção da umidade. Não podemos considerar ideal a estrutura de solos muito arenosos, em que as partículas se apresentam inteiramente soltas, com poucos poros muito grandes para retenção de umidade, nem tampouco, é ideal a estrutura dos solos muito argilosos, em que as partículas se apresentam inteiramente aglutinada, com poros muitos pequenos, para permitir a fácil infiltração das águas de chuva e o bom arejamento.

A correção da estrutura excessivamente solta e granular dos solos arenosos pode ser feita com a incorporação de matéria orgânica oriunda de material com alto teores de lignina e celulose; a decomposição desse tipo de matéria orgânica resulta numa espécie de "cimento" que aglutinará as partículas aumentando a capacidade de retenção da umidade.

A correção de estrutura excessivamente adensada e compacta dos solos argilosos, pode ser conseguida com práticas variadas de manejo como é o caso de preparo de solo imediatamente antes do plantio incorporando material orgânico em profundidade, drenagem e irrigação alternadas, as quais pela ação mecânica de contrações e expansões produzem trincas e desagregações, a rotação contemplando culturas de sistema radicular vigoroso e agressivo com boa capacidade de desagregação mecânica. A incorporação de matéria orgânica amplia a macro porosidade do solo facilitando a penetração de ar e água, também o húmus resultante da decomposição misturando-se com cimentos naturais que aglutinam as partículas do solo diminuindo a sua coesão, facilitando a formação de grânulos. A calagem em quantidades adequadas promove a incorporação do cálcio e conseqüentemente flocula a argila promovendo a formação de grânulos.

Figura 1 – Graus de arredondamento. Do topo para a base: angular, subangular, subarredondado, arredondado, bem arredondado.

 

4 - A ANÁLISE DO PERFIL DO SOLO COMO INSTRUMENTO REFERENCIAL DE MANEJO E PREPARO.

Os parâmetros relacionados com a qualidade produtiva do solo podem ser elencados com base nas condições em que se encontram o "perfil cultural" ou seja, a camada de solo em que ocorrem as reações químicas, físicas e biológicas e o enraizamento. Para tanto, o agricultor deverá fazer uma trincheira com 1 m de comprimento, 0,50 m de largura e 0,60 m de profundidade, que irá servir para averiguar e coletar dados referentes às propriedades físicas, químicas e biológicas do solo. Com relação às propriedades físicas do solo, o exame em uma das laterais da trincheira deve revelar a presença ou ausência de camada compactada em subsuperfície. Em caso positivo deve-se determinar a posição correta, bem como a espessura da camada compactada. Em casos graves a compactação condena a área, que necessitará de escarificação, subsolagem ou mesmo aração profunda. Em resumo, a compactação severa do solo condena a horticultura a baixas produtividades. 

         A espessura da camada humificada, aquela camada superficial do solo que tem cor mais escura em função da decomposição dos restos de cultura, também deve ser examinada. Embora esse parâmetro seja pouco estudado, considera-se que à medida que essa espessura aumenta, melhor são as condições para a planta produzir. Em resumo, a horticultura deve, ano a ano, aumentar a espessura da camada humificada.

 5 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

          O solo deve ser preparado com o mínimo de movimentação. O preparo primário do solo (aração, escarificação ou gradagem pesada) deve atingir uma profundidade suficiente para romper a camada superficial compactada e permitir a infiltração de água. A escarificação, como alternativa de preparo, substitui com vantagem a aração e a gradagem pesada, desde que se reduza o número de gradagens niveladoras. Além disso, possibilita a permanência no máximo possível de resíduos culturais na superfície, que, na maioria das vezes, é desejável.

O preparo secundário do solo (gradagens niveladoras), se necessário, deve ser feito com o mínimo de operações e próximo da época de semeadura. Quando o preparo é efetuado com o solo muito úmido, pode haver formação de camada subsuperficial compactada, além de haver possibilidade do solo aderir, com muita força, aos implementos (em solos argilosos), até o ponto de impossibilitar a operação desejada. Por outro lado, deve-se também evitar o preparo do solo muito seco, pois será necessário maior número de gradagens para obter suficiente destorroamento que permita efetuar a operação de semeadura. A condição ideal de umidade para o preparo do solo pode ser detectada facilmente a campo: um torrão de solo, coletado na profundidade média de trabalho e submetido a uma leve pressão entre os dedos polegar e indicador, deve desagregar-se sem oferecer resistência. Recomenda-se também alternar o tipo de implemento e a profundidade de trabalho, para evitar a formação de uma camada compactada.


Afonso Peche Filho, possui graduação em Agronomia (1983), Mestrado (1998) em Engenharia de Água e Solo e Doutorando  em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas. É Pesquisador Científico, nível VI, do Instituto Agronômico de Campinas, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão agroambiental, Preparo e manejo do solo, Qualidade em sistemas operacionais de produção.
Contato: peche@iac.sp.gov.br



Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

PECHE FILHO, A. Manejo e preparo de solo na horticultura. 2007. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2007_2/manejosolo/Index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 22/04/2007