PREPARO DA CALDA E SUA INTERFERÊNCIA NA EFICÁCIA DE AGROTÓXICOS Hamilton Humberto Ramos Demétrius de Araújo Nos dois últimos Dias de Campo de Feijão, ocorridos em 2004 e 2005 e cujos Anais foram publicados pelo Instituto Agronômico, nas palestras relativas a Tecnologia de Aplicação de Produtos Fitossanitários, discorre-se sobre a forma correta de se selecionar, regular e calibrar um pulverizador além dos fatores a serem observados na adequada seleção das pontas de pulverização a serem utilizadas. Entretanto, um conceito ainda precisa ser discutido e tem sido alvo de muitas discussões no campo, que é o preparo da calda e a qualidade da água utilizada na sua elaboração. Muita verdade e muito mito tem sido ditos a respeito deste tema, muito mais mitos que verdades diga-se de passagem, que precisam ser esclarecidos para que o produtor possa buscar a máxima eficácia no controle fitossanitário do feijoeiro. Dessa forma, alguns conceitos relacionados a interação entre produtos e a qualidade da água utilizada na elaboração da calda de agrotóxicos serão a base deste artigo. Qualidade da águaMuito se tem discutido atualmente sobre a qualidade da água utilizada nas pulverizações, principalmente com relação ao pH. Aliás, em algumas regiões, pH virou sinônimo de qualidade da água e, quando um produto não funciona como deveria, um técnico com um Phmetro, encontrando um pH 8 por exemplo na água utilizada, se julga capaz de identificar exatamente o que aconteceu sem nem mesmo observar as condições do pulverizador ou a técnica utilizada na aplicação, o que deve ser considerado um erro grave para com o produtor. Qualidade da água é importante e deve ser encarada de uma forma mais completa e não tão simplista que induza a erros na interpretação de resultados e muitas vezes a perpetuação de falhas na aplicação. Quando se pensa qualidade da água um fator muito importante a ser considerado é a qualidade física da mesma, ou seja, a quantidade de sedimentos em suspensão. Sedimentos como argila e matéria orgânica, além de obstruírem filtros e pontas, reduzindo a capacidade operacional dos pulverizadores, reduzirem a vida útil de bombas, pontas e componentes do pulverizador, podem se associar aos produtos químicos adicionados ao tanque, inativando-os ou reduzindo sua eficácia. Entretanto, quando se pensa nesta inativação, nem sempre as conclusões podem ser baseadas diretamente em trabalhos de pesquisa desenvolvidos no exterior. Um exemplo clássico disso é a inativação do glifosate pela argila, no solo ou na solução de aplicação. Já em 1974, Rieck et al mostraram que a adição de 1% de argila montmorilonita, bastante reativa e encontrada basicamente em países de clima frio, à solução de aplicação reduz a fitotoxicidade do glifosate em 80 a 90% mas que esta fitotoxicidade não é influenciada pela adição de 1% de argila caolinita, menos reativa e encontrada em países de clima tropical. Ramos & Durigan (1998), no Brasil, encontraram que soluções construídas com até 10 g.l-1 de um solo da região de Jaboticabal – SP contendo 56% de argila e 3% de matéria orgânica não interferiram na eficácia de diferentes herbicidas, entre eles o glifosate, quando aplicados em pós-emergência das plantas daninhas (40 a 60 cm de altura) utilizando-se 300 l.ha-1 de calda. Assim, a análise de tais interferências deve adquirir um caráter até mesmo regional, uma vez que a utilização de águas captadas em reservatórios abertos, onde a quantidade de sólidos em suspensão é dependente de fatores como chuvas por exemplo, pode ser possível sem que haja necessariamente uma interferência negativa sobre o produto utilizado, ampliando o período útil de pulverizações.
Outro fator a ser observado é a qualidade química da água, que pode
ser analisada de várias formas. Uma delas, e que tem grande
interferência sobre a eficácia dos agrotóxicos, é a “Dureza”. A
dureza da água é definida como a concentração de cátions
alcalino-terrosos (Ca+2, Mg+2, Sr+2
e Ba+2) presentes na água, expressa na forma de ppm de
CaCO3, representados normalmente por Ca+2 e Mg+2
originados de carbonatos, bicarbonatos, cloretos e sulfatos. A
dureza, que pode ser classificada de acordo com a Tabela 1, é capaz
de interferir negativamente na qualidade de calda de um agrotóxico
em função destes, nas suas formulações, utilizarem adjuvantes que
são responsáveis pela sua emulsificação (óleos) ou dispersão (pós)
na água, denominados de tensoativos. Tais adjuvantes são sensíveis a
dureza pois atuam no equilíbrio de cargas que envolvem o ingrediente
ativo, equilíbrio este que é alterado pela água dura. Um grupo
específico de tensoativos, os aniônicos, que são geralmente sais
orgânicos de Na+ e K+, reagem com os cátions
Ca+2 e Mg+2 presentes na água dura, formando
compostos insolúveis, reduzindo assim a quantidade de tensoativo na
solução e causando grande desequilíbrio de cargas, ocasionando a
floculação ou precipitação dos componentes da formulação, podendo
causar uma baixa eficácia e a obstrução de filtros e pontas de
pulverização. Felizmente as águas brasileiras, salvo algumas
exceções, são brandas ou muito brandas, não ocasionando problemas a
aplicação de agrotóxicos.
Por fim, o pH da água de aplicação deverá ser analisado na propriedade apenas como indicador de possíveis alterações nas características químicas da água. Caso apenas o pH esteja alterado, estando as demais características inalteradas, muito raramente se observará interferência na eficácia do produto aplicado. Aliás, diversos trabalhos científicos buscando-se comprovar a interferência do pH sobre formulações de agrotóxicos têm se mostrado infrutíferos. O pH importante, e que pode interferir na qualidade dos agrotóxicos, é o da calda, e via de regra está associado a incompatibilidade entre produtos, como ver-se-á mais adiante. Apesar disso, hoje é muito comum ver-se no campo tabelas contendo o pH ideal de ação para diferentes princípios ativos bem como a vida média dos produtos em diferentes pH’s. O que todas elas tem em comum é: “Ninguém sabe quem as elaborou ou a fonte de onde foram tiradas”, assim, quem atesta a confiabilidade das mesmas? Algumas até mostram os nomes de algumas universidades ou órgãos de extensão internacionais, sem no entanto apresentar qualquer referência que permita ao usuário buscar as informações originais, não se constituindo portanto em referências confiáveis. A baixa interferência do pH é até de certa forma evidente até mesmo para o próprio agricultor. Consideremos por exemplo o benomyl, ou seu nome comercial mais conhecido, o Benlate, que ficou no mercado seguramente por mais de 20 anos e saiu recentemente por razões toxicológicas e não de eficácia. Tal produto, que já estava no mercado bem antes de começar a se pensar em pH, e que foi aplicado nas mais diferentes formas e condições, tem segundo tais tabelas, uma vida média de 12 minutos a pH 7, que é o pH da água pura. É no mínimo utopia acreditar que um produto com esta vida média pudesse permanecer tanto tempo no mercado sem trazer sérias e freqüentes conseqüências à empresa que o comercializava. O que dizer também do dicofol, acaricida ainda hoje comercializado por diferentes empresas e também no mercado a mais de 20 anos, que tem uma vida média de 15 minutos neste mesmo pH? Além disso, a água possui um poder tampão, que é a capacidade de manter o pH, muito baixo. Considerando-se que as empresas gastam milhões de dólares até a colocação de um agrotóxico no mercado e que o mesmo pode ter que ser retirado rapidamente em função de uma degradação indevida em função do pH, proporcionando sérios prejuízos, qual a razão lógica para que corram tal risco no lugar de adicionar um tamponante à formulação e assim garantir a estabilidade do princípio ativo? Dessa forma, não há razão qualquer que sustente a necessidade de uma correção prévia do pH antes de se colocar o produto no tanque bem como para se acreditar que o pH da água foi o principal responsável pela ineficácia de um determinado agrotóxico. Via de regra, quem tem problemas com pH deve procurar onde está o problema. Qualquer necessidade da adição de adjuvantes à calda, seja ele um corretor de pH, um sequestrante ou mesmo um espalhante deverá ser orientado pelo representante técnico do produto a ser utilizado ou por um Engenheiro Agrônomo competente. Compatibilidade de produtos no tanque de pulverização Apesar da mistura de agrotóxicos ser proibida por lei no Brasil, tal prática é de uso bastante comum por produtores. Deve-se entender entretanto que, quando se misturam pelo menos dois produtos no tanque de pulverização, sejam eles considerados agrotóxicos ou não, três diferentes efeitos podem advir desta mistura:
Antes de se realizar qualquer mistura portanto é importante saber-se se existe algum tipo de incompatibilidade entre eles e neste ponto o pH da calda pode ser um indicativo de incompatibilidade. Ao se adicionar um produto alcalino, como um hidróxido de cobre por exemplo, elevando-se o pH da calda, e logo em seguida um produto qualquer que seja passível de sofrer hidrólise alcalina, certamente a eficácia deste segundo será prejudicada mas, como já dissemos, isso não tem nada a ver com o pH inicial da água e sim com a incompatibilidade entre produtos. Neste caso a correção do pH, desde que não interfira na eficácia de nenhum dos produtos, pode ser recomendável. Uma clara evidência da ocorrência de incompatibilidade é a formação de precipitados ou grumos dentro do tanque de pulverização, que normalmente param nos filtros ou nas pontas de pulverização, obstruindo-os (Figura 1). Caso isso ocorra, deve-se buscar meios para substituir os produtos incompatíveis ou para aplicá-los de forma isolada.
Conclusão Uma vez observadas todas estas características a calda poderá então ser elaborada, observando-se os demais parâmetros técnicos previstos pela tecnologia de aplicação de produtos fitossanitários para esta operação e já discutidos nos artigos anteriores. Feito isso o agrotóxico poderá posteriormente ser aplicado dentro de uma certeza de que se estará proporcionando ao mesmo todas as condições para que expresse a sua máxima eficácia, que será observada através do controle adequado da praga ou doença. Minimizar o fator qualidade da aplicação a um ou outro parâmetro, induz invariavelmente a erros que se refletem na elevação do custo do tratamento fitossanitário, quer pela utilização de produtos desnecessários, pela ineficácia dos tratamentos ou pela necessidade de maiores volumes de calda. Neste contexto, informação também é parte importante da qualidade, e deve ser buscada através de técnicos responsáveis ou de publicações idôneas nas diferentes áreas para que seja isenta e possa refletir eficientemente na qualidade da produção, na segurança do aplicador e do ambiente e na qualidade de vida do agricultor. BibliografiaANDRADE, T.L.C. Ação acaricida do hexythiazox, dicofol e óxido de fenbutatin, em três níveis de pH da calda, no controle do ácaro Brevipalpus phoenicis Geijskes, em condições de laboratório. Jaboticabal, 1997. 71 p. Dissertação (Mestrado em Agronomia, Área de Concentração em Entomologia Agrícola) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias, Universidade Estadual Paulista. CONCEIÇÃO, M.Z. Defesa vegetal: legislação, Normas e produtos fitossanitários. In: ZAMBOLIM, L.; CONCEIÇÃO, M.Z.; SANTIAGO, T. O que Engenheiros Agrônomos devem saber para orientar o uso de produtos fitossanitários, 2a. Viçosa: UFV/ANDEF, 2003. p. 1-68. RAMOS, H.H.; DURIGAN, J.C. Efeitos da qualidade da água de pulverização sobre a eficácia de herbicidas aplicados em pós-emergência. Bragantia, Campinas, v.57, n.2, p.313-324, 1998. RAMOS. H.H.; BASSANEZI, R.B. Avaliação do efeito de condições operacionais de turbopulverizadores no controle do ácaro da leprose em citros. Relatório parcial de pesquisa Fundecitrus, 2003. 26 p. RIECK, C.E.; WRIGHT, T.H.; HARGER, T.R. Fate of glyphosate in soil. Abstracts, Weed Sci. Soc. Of America, 1974. p. 119-120. * Palestra proferida no VI Seminário sobre Pragas, Doenças e Plantas Daninhas do Feijoeiro, realizado no Instituto Agronômico, Campinas-SP, de 14 a 16 de junho de 2006.
Hamilton Humberto Ramos
possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista
Júlio de Mesquita Filho (1984), mestrado em Agronomia (Produção
Vegetal) pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(1995) e doutorado em Agronomia (Produção Vegetal) pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2000). Atualmente é
pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas,
professor-tutor da Associação Brasileira de Educação Agrícola
Superior e professor convidado da Faculdade de Agronomia Dr.
Francisco Maeda. Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em
Tecnologia de Aplicação de Produtos Fitossanitários, atuando
principalmente nos seguintes temas: agrotóxicos, pulverização,
tecnologia de aplicação, pulverizador e tecnologia de aplicação de
produtos fitossanitários.
Demétrius de Araújo:
possui graduação em Agronomia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, na Faculdade de Ciências
Agronômicas/Botucatu-SP (2003). Cursando o curso de pós-graduação/mestrado, pela
mesma Universidade, na área de Proteção de Plantas. Tem experiência na área de
Agronomia, com ênfase em Defesa Fitossanitária, atuando principalmente nos
seguintes temas: tecnologia de aplicação de agrotóxicos, adjuvantes e controle
de pinta preta em frutos cítricos.
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