CONSIDERAÇÕES SOBRE NUTRIÇÃO DE PORCAS NA FASE DE GESTAÇÃO E LACTAÇÃO* por Fábio Enrique Lemos Budiño 1. Introdução O ciclo reprodutivo de uma porca é caracterizado por ganho de peso durante a gestação, distribuído entre fetos, tecidos reprodutivos e de reserva, seguido por uma acentuada mobilização de tecido adiposo durante a lactação (Whittemore et al. ,1980) conforme pode ser visto na Figura 1.
Teoricamente a maneira mais eficiente de utilização da energia da dieta é através de um ganho de peso limitado durante a gestação, e sem prejuízos ao número e desenvolvimento dos fetos, seguido de máxima conservação de peso durante a lactação. Assim, limitar a quantidade de alimento, fornecido às porcas durante a gestação tem sido prática adotada pelos produtores de suínos para minimizar os custos de produção (Lima, 1991). A alimentação das porcas no decorrer desses últimos 20 anos mudou bastante, a seleção genética tem melhorado a prolificidade, e a produção de leite, com uma pressão de seleção muito forte sobre a diminuição da gordura das carcaças, e do consumo de ração na tentativa de melhorar as conversões alimentares (Freitas, 2000). Este artigo tem como objetivo estudar os efeitos do consumo energético de porcas em gestação e lactação sobre o seu desempenho reprodutivo e longevidade. 2. Nutrição e Gestação A exigência de energia das porcas em gestação depende do peso corporal, do ganho de peso esperado durante o período e de parâmetros de manejo e ambiente. O consumo de energia durante a gestação é normalmente limitado para controlar o ganho de peso e manter uma condição corporal (escore) apropriada da porca (Penz e Viola, 1998), conforme pode ser visto na Figura 2. As porcas devem ser manejadas e alimentadas visando obter um ganho de peso líquido de 25 kg durante o período de gestação, por pelo menos as três ou quatro primeiras parições. O ganho de peso resultante da placenta e dos produtos de concepção é de aproximadamente 20 kg, para um ganho de peso total de 45 kg durante a gestação (NRC,1998).
Quando a quantidade de nutrientes fornecida durante a gestação está abaixo das necessidades de manutenção, o peso ao nascer decresce mas o número de leitões nascidos não é afetado a não ser que seja imposta às fêmeas uma restrição severa de nutrientes (Lima, 1991). Hoppe et al (1990) realizaram um estudo onde porcas primíparas receberam dietas com 6 ou 9 Mcal EM/dia durante a gestação por quatro partos consecutivos. As porcas que consumiram dieta com 9 Mcal EM/dia ganharam mais peso durante a gestação, mas perderam mais peso durante a lactação, resultando em similares pesos à desmama. A espessura de toucinho foi maior para as fêmeas com mais energia na dieta aos 110 dias de lactação. As porcas alimentadas com 6 Mcal EM/dia durante a gestação consumiram em média 22 kg a mais de ração durante a lactação do que o outro grupo. O desempenho da leitegada (número de nascidos e peso) não foram afetados pelos tratamentos (Tabela 1).
Aumentando-se o consumo energético durante a
gestação, há um aumento lógico no ganho de peso das porcas até o parto,
conforme descrito por vários autores. Porém, tem sido observado que os
animais que ganham peso na gestação são os que apresentam maior perda de
peso durante a lactação (Lima, 1991). Efeito semelhante foi descrito por Xue
et al (1997) que estudou porcas em gestação alimentadas com dietas contendo
11 Mcal EM/dia (alta energia) ou 6,5 Mcal EM/dia (energia normal). As fêmeas
com acesso à dieta com alta energia apresentaram maior ganho de peso e
espessura de toucinho durante a gestação, e menor consumo de ração e maior
perda de peso durante a lactação (Figuras 3, 4 e 5). Efeito este que ainda
não foi totalmente explicado pelas pesquisas mais recentes.
É evidente que o aumento no consumo de ração e/ou energia pelas porcas no final do período de gestação promove um pequeno mas significativo aumento no número de leitões. Assim, em um estudo realizado por Cromwell et al (1989), envolvendo 1080 leitegadas, um grupo controle foi alimentado com 1,82 kg/dia de março a novembro e 2,27 kg/dia de dezembro a fevereiro durante todo o período de gestação. Enquanto isso um outro grupo de porcas recebeu 1,36 kg de ração/dia a mais do que o grupo controle a partir dos 90 dias de gestação. Durante o período de lactação todas as porcas receberam uma mesma dieta fornecida à vontade. Os resultados estão apresentados na Tabela 2. Além do incremento do número de leitões vivos (0,34 leitões/leitegada) ao nascer, também o número de leitões ao desmame foi elevado (0,29 leitões/leitegada) quando se procedeu à suplementação dietética das porcas. Da mesma forma, o peso ao nascer aumentou em cerca de 40 g acarretando aumento médio de 170g em cada leitão desmamado aos 21 dias. Em outro experimento, Coffey et al (1994) combinaram dietas de alta (7,4 Mcal/dia) e baixa (5,9 Mcal/dia) energia na gestação e dietas com ou sem adição de gordura na lactação. Os resultados obtidos demonstraram que houve um aumento do peso dos leitões ao nascimento e à desmama nas porcas alimentadas com dieta de alta energia na gestação. As fêmeas alimentadas com altos níveis energéticos durante a gestação apresentaram um menor consumo na lactação e consequentemente perderam mais peso neste período (Tabela 3).
A maioria das pesquisas realizadas com porcas em gestação consumindo dietas com diferentes níveis energéticos preocupa-se em fornecer dados à respeito do desempenho da leitegada. Poucos são os experimentos que relacionam a dieta da porca durante a gestação e sua longevidade. Frobish et al (1973) citado por Dourmad et al (1994) compararam, por três ciclos reprodutivos, a longo prazo os efeitos de 4 níveis de energia (de 12,5 a 31,4 MJ EM/dia) durante a gestação, com ração à vontade na lactação. O número de porcas completando 3 ciclos reprodutivos tendeu a ser menor para os níveis baixo e alto de energia. Neste estudo, problemas de aprumo foram o maior fator causador de porcas descartadas as quais recebiam dieta com alta energia, ao passo que falhas na concepção foi a causa predominante nas fêmeas que receberam baixa energia. Dados semelhantes foram relatados por Castaing et al (1983) citado por Dourmad et al (1994) que testaram a longo prazo 3 níveis de energia durante a gestação em 466 matrizes (Tabela 4). A proporção de porcas completando 4 ciclos foi menor com altos níveis energéticos na ração. Descarte por falha reprodutiva tendeu a ser menor para o nível médio de energia, entretanto significativamente mais porcas alimentadas com alta energia foram descartadas por problemas de aprumos. Baseado nestes resultados os autores recomendam uma dieta com 33,2 MJ ED/dia durante a gestação para leitoas inseminadas precocemente com baixas reservas corporais e 29,9 MJ ED/dia para leitoas inseminadas mais tardiamente, com maior peso corporal e maior espessura de toucinho.
3. Nutrição e Lactação A lactação é particularmente um importante estágio do ciclo reprodutivo da fêmea suína, sendo que seu principal objetivo é atender as necessidades dos leitões lactentes, minimizando a mortalidade pré-desmame e otimizando a produção de leite. Durante a lactação, uma porca produz aproximadamente 7,0 kg de leite/dia. Desta forma, ela produz mais matéria seca em três dias, do que uma porca produz em 114 dias de gestação. Como resultado disto, as exigências energéticas de uma porca em lactação são consideravelmente maiores do que uma matriz em gestação (Tabela 5) (Kirkwood & Thacker, 2001). Geralmente se recomenda que as porcas sejam submetidas à um nível moderado de consumo energético durante a gestação. Por outro lado, é essencial que o consumo alimentar seja maximizado na lactação. Mantendo-se altos níveis de consumo durante a lactação é possível:
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Reduzir as perdas de peso corporal e espessura de toucinho; As porcas produzem leite às dispensas de suas reservas corporais, principalmente depletando o tecido adiposo o que leva a uma perda de peso corporal durante a lactação. Uma perda de peso razoável fica por volta de 10 kg (Kirkwood & Thacker, 2001). A importância da manutenção de um alto consumo de ração durante a lactação tem sido claramente demonstrada.
Os resultados de um estudo (Eastham et al, 1988) no qual porcas foram alimentadas com 2,0 a 6,5 kg/dia são mostrados na Tabela 6. Porcas recebendo menor quantidade de ração durante a lactação perderam significativamente (P<0,05) mais peso e espessura de toucinho do que as porcas alimentadas com níveis maiores de consumo. Tais perdas corporais podem afetar o desempenho reprodutivo pós-desmama, conforme discutiremos mais adiante.
Pesquisas têm demonstrado que existe uma correlação direta entre a energia consumida durante a lactação e a quantidade de leite produzida. Quando o nível energético da dieta ou o seu consumo aumentam, altos níveis de produção láctea são alcançados, melhorando também a taxa de crescimento e a sobrevivência da leitegada. Uma melhora no desempenho dos leitões pode ser alcançada pelo aumento da energia contida no leite das porcas. Com este objetivo podemos fornecer dieta à vontade às porcas ou elevar a densidade calórica da dieta através da inclusão de gorduras. Na Tabela 7 são apresentados os resultados de um estudo onde foram fornecidas, a 69 porcas, ao longo de 3 ciclos reprodutivos consecutivos, dietas à vontade, à base de milho e farelo de soja, com e sem a adição de óleo de soja. Conforme pode ser observado, a adição de óleo de soja promoveu uma maior quantidade de energia disponível aos leitões (produção de leite x teor de gordura no leite), acarretando aumento significativo do peso das leitegadas ao desmame, embora o consumo da dieta com óleo de soja tenha sido menor em comparação ao consumo de ração das porcas que receberam a dieta controle.
Sabe-se que porcas que perdem peso excessivamente, prejudicando desta forma sua condição corporal (escore), têm uma forte tendência a um mal desempenho reprodutivo pós-desmama. Isto pode ser verificado quando porcas submetidas a baixos níveis de consumo alimentar durante a lactação apresentam freqüentemente um longo intervalo desmama-cio. Reese et al (1982) verificaram que somente 50% das porcas alimentadas com baixo nível de energia (8 Mcal EM/dia) apresentaram cio nos primeiros 7 dias após o desmame e aproximadamente 15% permaneceram em anestro, em contrapartida 94,3% das porcas que consumiram dieta com alto nível energético (16 Mcal EM/dia) já haviam ciclado nos primeiros 7 dias após o desmame e produziram leitegadas mais pesadas (Tabela 8).
Embora o intervalo desmama-cio seja afetado claramente pelo nível energético da dieta, como foi demonstrado anteriormente, a taxa de ovulação parece não ser afetada da mesma forma. Kirkwood et al (1990) trabalhando com dois níveis de consumo alimentar (3 ou 6 kg/dia) durante a lactação não obteve diferenças na taxa de ovulação após o desmame, apesar das porcas com baixo nível alimentar apresentarem maior intervalo desmama-cio (Tabela 9).
4. Considerações Finais No período final da gestação e durante a lactação, principalmente na primeira semana, as fêmeas suínas estão numa fase de elevada demanda energética. Para uma adequada avaliação do plano nutricional é importante a verificação conjunta da perda de peso, da diminuição da espessura de toucinho ,do escore corporal e da genética do animal. 5. Referências Bibliográficas Coffey, M.T., Diggs, B.G., Handlin, D.L. Effects of Dietary Energy During Gestation and Lactation on Reproductive Performance of Sows: A Cooperative Study. J. Anim. Sci., v.72, p. 4-9, 1994. Cromwell, G.L., Hall, D.D., Clawson, A.J. et al. Effects of Additional Feed During Late Gestation on Reproductive Performance of Sows: A Cooperative Study. J. Anim. Sci., v.67, p. 3-14, 1989. Dourmad, J.Y., Etienne, M., Prunier, A. et al. The Effect of Energy and Protein Intake of Sows on Their Longevity: A Review. Livest. Prod. Sci., v.40, p.87-97, 1994. Eastham, P.R., Smith, W.C., Whittmore, C.T. Responses of Lactating Sows to Food Level. Anim. Prod., v.46, p.71-77, 1988. Freitas, R.M. Manejo de Alimentação das Porcas na Fase de Gestação e Lactação. In: I Seminário Nutron de Suinocultura do Centro-Oeste, Caldas Novas/GO. Anais..., p. 34-47, 2000. Hoppe, M.K., Libal, G.W., Wahlstrom, R.C. Influence of Gestation Energy Level on the Production of Large White x Landrace Sows. J. Anim. Sci., v.68, p.2235-2242, 1990. Kirkwood, R.N., Baidoo, S.K., Aherne, F.X. The Influence of Feeding Level During Lactation and Gestation on the Endocrine Status and Reproductive Performance of Second Parity Sows. Can. J. Anim. Sci., v.70, p.1119-1126, 1990. Kirkwood, R.N., Thacker, P.A. Feeding and Management of The Sow During Lactation. Saskatchewan – Agriculture and Food. Internet: http://www.agr.gov.sk.ca/DOCS/livestock/pork/production_information/. Capturado em 04/11/2001. Lima, G.J.M.M. Manejo e Nutrição da Porca Gestante e Lactante. In: V Congresso Brasileiro de Veterinários Especialistas em Suínos, Anais..., p. 35-41, 1991. NRC – National Research Council. Nutrient Requirements of Swine. National Academic Press, 10th ed., 189p., 1998. Penz Jr., A.M., Viola, E.S. Suinocultura Intensiva: produção, manejo e saúde do rebanho, EMBRAPA – CNPSA, Concórdia, p. 47-63, 1998. Reese, D.E., Moser, B.D., Peo Jr., E.R. Influence of Energy Intake During Lactation on Subsequent Gestation, Lactation and Postweaning Performance of Sows. J. Anim.Sci., v. 55, n.4, p.867-872, 1982. Whittemore, C.T.; Franklin, M.F.; Pearce, B.S. Fat changes in breeding sows. Anim. Prod., v.31, n.2, p.183-190, 1980. Xue, J.L., Koketsu, Y., Dial, G.D. et al. Glucose Tolerance, Luteinizing Hormone Release, and Reproductive Performance of First-Litter Sows Fed Two Levels of Energy During Gestation. J. Anim. Sci., v.75, p.1845-1852, 1997. * Artigo originalmente publicado pelo Instituto de Zootencia - www.iz.sp.gov.br, em PDF (Portable Document Format). Fábio Enrique Lemos
Budiño possui graduação em Zootecnia
Botucatu pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho
(1994), mestrado em Zootecnia pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (1999) e doutorado em Zootecnia pela Universidade
Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (2004). Atualmente é
Pesquisador Científico do Instituto de Zootecnia, Revisor de
periódico da Revista Brasileira de Zootecnia-Brazilian Journal of
Animal Science e Membro de corpo editorial da Boletim da Indústria
Animal. Tem experiência na área de Zootecnia , com ênfase em
Nutrição e Alimentação Animal. Atuando principalmente nos seguintes
temas: Suíno, Simbiótico, Desempenho, Microscopia, coliformes e
vilosidade.
Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT): BUDIÑO, F.E.L. Considerações sobre nutrição de porcas nas fases de gestação e lactação. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_3/Suinos/index.htm>. Acesso em:Publicado no Infobibos em 07/11/2006 |