Nichos e oportunidades para novos insumos agrícolas

por Clenio Nailto Pillon
 

          A crescente demanda por alimentos, fibras e biocombustíveis reforça a importância da agricultura para os mercados locais e mundiais. Alguns fatores têm atuado como barreira ao aumento da produção agrícola mundial. Primeiro, a inexistência de novas áreas de fronteiras agrícolas nos países do hemisfério norte (região de clima temperado) e a pressão ambiental contrária à ocupação de novas áreas em ecossistemas frágeis, como Amazônia e Cerrado; segundo, a degradação da qualidade das terras, produto de um modelo de agricultura baseado na movimentação intensiva do solo, intenso uso de produtos químicos e monocultura; terceiro, o atingimento de tetos de produtividade para algumas culturas; e, quarto, a baixa disponibilidade de nutrientes essenciais ao crescimento das plantas em agroecossistemas de baixa fertilidade natural, especialmente devido ao seu elevado custo.

          O Brasil possui localização estratégica, já que nossas terras agrícolas concentram-se na região tropical e subtropical, com grande disponibilidade de luz durante a maior parte do ano, diferentemente dos países de clima temperado. Entretanto, nossos solos são antigos, altamente intemperizados, com predomínio de óxidos de ferro, alumínio e de caulinita, minerais cuja contribuição para a fertilidade natural do solo é extremamente baixa, como por exemplo os solos do Cerrado brasileiro. Estes solos necessitam de adições importantes de nutrientes e de resíduos orgânicos para uma produção sustentável. Como uma das últimas fronteiras agrícola mundiais, a região do Cerrado tem despertado interesses internacionais por apresentar, dentre outras, relevo plano, alta luminosidade, disponibilidade hídrica e, pela resposta em produtividade biológica a programas de adubação, manejo e conservação do solo e água. Neste ambiente, como em todo Brasil, os programas de adubação e de recomposição da fertilidade têm sido baseados em fontes minerais de alta solubilidade, importados, de elevado custo e cujas reservas são finitas.

          A dependência da agropecuária brasileira aos insumos químicos importados representa riscos à sustentabilidade do país. Segundo estatísticas do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), em 2003, foram entregues ao consumidor final 22.796 toneladas de fertilizantes processados, dos quais grande parte das matérias-primas são importadas. Novas rotas para os insumos e novos insumos precisam ser desenvolvidos, especialmente para a agricultura de base agroecológica e para os programas de produção integrada. A crescente demanda da sociedade por formatos tecnológicos de produção que garantam a segurança alimentar, ambiental, a quantidade e a qualidade dos alimentos e que ainda estabeleçam e fortaleçam um “mercado local e justo” representa uma tendência dos consumidores. A área de produção orgânica, por exemplo, tem aumentado significativamente em diversos países europeus e também no Brasil. No entanto, a oferta de insumos que atendam as exigências e normativas para a produção e certificação, especialmente de fertilizantes e fitoprotetores está muito aquém da demanda e, por vezes,  funciona como uma barreira técnica à expansão destes sistemas de produção.

          O Sistema de Produção Integrada de Frutas (PIF), coordenado pelo MAPA, visa ampliar os padrões de qualidade e competitividade de produtos agrícolas, com ênfase a mercados internos mais exigentes e no mercado externo. A racionalização, substituição e redução do uso de insumos poluentes, em adição à aplicação de instrumentos adequados de monitoramento dos procedimentos e a rastreabilidade de todo processo constituem-se os principais pilares do sistema. Além da PIF, estão já aprovados ou em fase de articulação e implementação, outros projetos específicos para espécies animais e vegetais, como olerícolas (tomate, batata), grãos e oleaginosas (café, arroz irrigado, soja e amendoim), flores, tubérculos, raízes, pimenta do reino, plantas medicinais, bovinocultura de corte e de leite, dentre outras. A dimensão deste mercado para novos insumos é grande e promissora. Por exemplo, a PIF já atingiu 17 espécies frutíferas, abrangendo 80% da produção nacional de maçã, com expressivas reduções no uso de inseticidas, fungicidas, fertilizantes e agrotóxicos, garantindo qualidade ambiental aos produtos consumidos.

          Diversas empresas nacionais e multinacionais estão apostando nestas lacunas de produtos e nestes mercados potenciais. Por exemplo, a Embrapa Clima Temperado (Pelotas, RS) em parceria com a Petrobras, através da sua Unidade de Industrialização do Xisto, localizada em São Mateus do Sul, PR, está desenvolvendo ações de pesquisa e desenvolvimento visando a obtenção de novos insumos para a agricultura, usando os subprodutos do processamento do xisto como matéria-prima, adotando como principal nicho de mercado sistemas de produção integrada de frutas e grãos e a agricultura orgânica. A caracterização ambiental das áreas de mineração e das áreas experimentais, com ênfase na identificação de bioindicadores de qualidade ambiental; a caracterização química, mineralógica e espectroscópica dos subprodutos do processamento do xisto; a formulação de novos produtos e processos à base de xisto; a avaliação da eficiência agronômica, da segurança ambiental e alimentar do uso destes novos insumos na agropecuária brasileira; a análise de viabilidade econômica e social e a difusão e transferência de tecnologias ao público-alvo constituem-se os principais eixos temáticos deste programa de pesquisa inovador. Para ambas instituições, o Projeto Xisto Agrícola representa o marco inicial para um novo negócio e a possibilidade de identificar novas rotas tecnológicas para a produção de insumos para a agricultura brasileira.

          O programa de pesquisa foi concebido visualizando-se três fases. A fase I teve início em dezembro de 2004 e tinha como principais objetivos efetuar a caracterização ambiental das áreas de mineração e das áreas experimentais, a caracterização química quali e quantitativa dos subprodutos do processamento do xisto, a avaliação e análise de risco à segurança ambiental e alimentar do uso agrícola dos subprodutos do xisto, o início da formulação de novos produtos e o início da avaliação agronômica destes novos insumos para uso em diferentes culturas, solos e regiões do País. Em relação às análises de risco, além de revelarem a composição química dos subprodutos do xisto, conhecimento que é base para a proposição e formulação de novos insumos para serem avaliados quanto à sua eficiência agronômica, também representam uma segurança adicional à condução de experimentos a campo com novos produtos sem riscos a qualidade ambiental e a segurança alimentar. A fase II iniciou em janeiro de 2006, com duração prevista de dois anos, sendo que as atividades serão concentradas na proposição e desenvolvimento de novos produtos fertilizantes e biofertilizantes sólidos e líquidos e fitoprotetores e na avaliação da eficiência agronômica, da segurança ambiental e alimentar, tanto em experimentos em condição controlada quanto a campo. A fase III contempla o registro de produtos e a comercialização dos novos insumos.

          A elevada disponibilidade de xisto no Brasil e em diversos países importantes, como a China, as novas exigências do mercado por produtos mais limpos com qualidade e quantidade e a composição química do xisto podem representar um novo marco para a competitividade e sustentabilidade da agropecuária brasileira.

          Os impactos econômicos e sociais da identificação de novos insumos para a agricultura brasileira contribuirão para a sustentabilidade da agropecuária regional e nacional, especialmente da produção orgânica e integrada, garantindo soberania nacional na produção de insumos, alimentos, fibras e combustíveis.

*Artigo encaminhado ao Infobibos por Ana Luiza B. Viegas, da Área de Comunicação Empresarial da Embrapa Clima Temperado - Pelotas, RS.


Clenio Nailto Pillon possui graduação em agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (1990), mestrado em Agronomia pela Universidade Federal de Santa Maria (1994) e doutorado em Ciências do Solo pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2000). Atualmente é Pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária - Embrapa Clima Temperado, Pelotas-RS. Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Ciência do Solo. Atuando principalmente nos seguintes temas: Matéria orgânica, sistemas de cultura, manejo do solo, RMN 13C CP/MAS, EPR.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
Foto:
por Ana Luiza B. Viegas
 Contato: pillon@cpact.embrapa.br


 

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Dados para citação bibliográfica(ABNT):

PILLON, C.N. Nichos e oportunidades para novos insumos agrícolas. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_3/nichos/index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 25/10/2006