Desafios do século XXI para o
Brasil: barreiras sanitárias e ambientais, espécies invasoras exóticas e
biopoluição
As mudanças nos hábitos humanos nas últimas décadas vêm sendo provocadas
por múltiplos fatores. A mídia televisiva ao abrir as portas do mundo
começou a mostrar fatos corriqueiros de lugares exóticos. Atualmente, a
internet
e o telefone sem fio estão aproximando de forma ainda mais rápida as
pessoas e os lugares em diferentes pontos do planeta.
Associados a essas novas informações, descobertas e facilidades, passaram
também a fazer parte do dia-a-dia dos consumidores como os alimentos
exóticos, plantados, preparados e comercializados em diferentes regiões da
Terra.
Esse caminho sem retorno da sociedade humana pode ficar ameaçado se, ao
mesmo tempo em que se busca uma melhor qualidade de vida, não for elaborada
uma grande conscientização nacional e internacional para a proteção dos
recursos naturais e das áreas cultivadas.
Os efeitos das perdas de pequenas frações de qualquer um desses segmentos
serão devastadores por causa do aumento crescente da população humana.
Exemplos de perdas e danos têm sido fornecidos pela mídia a todo o momento e
em qualquer área do planeta. E ainda assim, numa visão simplista, acha-se
que tudo está infinitamente à disposição do ser humano.
A 8a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade
Biológica (COP 8) chamou a atenção para os problemas das espécies invasoras
exóticas e os impactos que elas causam no meio ambiente e na economia dos
países. A organização não-governamental, The Nature Conservancy,
mostra dados alarmantes sobre os custos de erradicação e controle de
organismos como vírus, insetos, ácaros, nematóides, bactérias, fungos,
pequenos e grandes vertebrados, plantas infestantes, anfíbios, peixes,
moluscos, plantas ornamentais, etc., que giram em torno de US$ 1,4 trilhão.
Vários exemplos podem ser dados sobre os efeitos das bioinvasões e as
conseqüentes biopoluições provocadas pela introdução desses organismos em
áreas onde antes não ocorriam, especialmente no Brasil, onde se encontra a
mais importante biodiversidade do planeta. O país ainda possui abundância de
água doce e de terras agriculturáveis e a mais importante agricultura
tropical do mundo.
A mosca-da-carambola, Bactrocera carambolae, é um dos exemplos a
ser dado de invasão com alto potencial econômico, social e ambiental.
Ela foi introduzida no Amapá por volta de 1996. Ela é proveniente do
Suriname, onde por sua vez foi introduzida no final da década de Felizmente, a mosca-da-carambola continua contida no estado do Amapá devido à ação do Programa de Erradicação da Mosca-da-carambola, sob coordenação do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA). Entretanto, deve-se estar atento para as pesquisas científicas que continuam a serem desenvolvidas em países onde a praga ocorre, incluindo estudos sobre as espécies que compõem o complexo de espécies de moscas-das-frutas de Bactrocera dorsalis, do qual a mosca-da-carambola pertence. Devido à confusão relativa à identificação morfológica do complexo de espécies de B. dorsalis e os respectivos hábitos de cada uma das espécies que compõem esse grupo, a lista de hospedeiros poderá ser alterada no futuro próximo bem como a expressão econômica que esse complexo de moscas-das-frutas apresenta. Isto pode ser exemplificado por B. carambolae que é uma praga muito séria de carambola atacando os frutos nos primeiros estágios de formação. Esse hábito está fora do padrão do complexo de espécies de Bactrocera spp. porque o ataque geralmente ocorre quando as frutas estão maduras ou muito maduras. Ainda assim, B. carambolae ataca frutas nos estágios iniciais, de forma que o controle mecânico por meio de ensacamento torna-se ineficaz depois de introduzida em um pomar. Além disso, no Brasil, os resultados da pesquisa científica realizada por meio da avaliação de frutos hospedeiros da praga apontam que no estado do Amapá, a goiaba é o hospedeiro preferencial quando se compara com a carambola, tornando ainda mais sério o problema já que a goiabeira pode ser encontrada em fundos de quintais nas cidades brasileiras. De acordo com estudos de pesquisadores brasileiros, além das perdas no campo, a interrupção das exportações de frutas frescas causadas pela presença da mosca pode levar o Brasil a ter prejuízos da ordem de US$ 60 milhões apenas no primeiro ano de dispersão da praga, caso ela venha a se estabelecer em áreas de produção de goiaba, carambola, manga, acerola, citros, banana, etc.
Além dessa espécie invasora exótica introduzida no país, um outro exemplo a
ser dado de bioinvasão refere-se a Achatina fulica, vulgarmente
conhecida como o caramujo gigante africano, considerada como uma das
espécies de caramujos terrestres mais nocivas do mundo e que está se
dispersando de forma rápida em várias regiões do planeta. Esse caramujo se
alimenta de, pelo menos, 500 tipos de plantas como a fruta-pão, mandioca,
cacau, mamão, amendoim, seringueira, feijão, ervilha, pepino, melão,
abóbora, repolho, alface, batata, cebola, girassol, eucalipto e citros,
plantas ornamentais, entre vários outras.
O caramujo africano pode sobreviver em condições climáticas de baixas
temperaturas, incluindo neve, período no qual ele hiberna e até em
temperaturas tropicais e regiões áridas. Cada fêmea é capaz de colocar até
1.200 ovos por ano, sendo que o adulto tem uma vida média de 6 a 9 anos.
Relatos do Serviço de Inspeção e Sanidade Animal e Vegetal (APHIS) do
Departamento de Agricultura dos Estados Unidos mostram que, em 1966, três
caramujos africanos, trazidos clandestinamente por um garoto, do Havaí,
foram liberados em um jardim em Miami, na Flórida. Em um período de sete
anos, esses três organismos reproduziram 18.000 indivíduos, o que levou
aquele estado a implementar um programa de erradicação no valor de US$ 1
milhão.
O caramujo africano provoca impacto no meio ambiente, agropecuária e saúde
humana. Ele é vetor das parasitoses, Angiostrongylus cantonensis e
A. costaricensis. Esses parasitas são encontrados tanto interna como
externamente (muco) no caramujo e podem ser adquiridos pelo ser humano ao se
alimentarem de carnes mal cozidas ou pelo simples contato superficial ou
ainda pela ingestão de verduras contaminadas pelo muco do caramujo.
Indivíduos infectados já foram detectados fora da África, em ilhas
indopacíficas, Japão e Tailândia. Interceptações de caramujos infectados têm
sido feitas nos Estados Unidos, Cuba e Porto Rico. De acordo com informações do Ministério da Saúde, a parasitose A. costaricensis não ocorre no Brasil. Esse parasita causa a meningoencefalite no homem. Apesar do caramujo africano já estar presente no país, indivíduo(s) infectado(s) com essa parasitose, provenientes de regiões infestadas, podem ainda ser introduzido(s) causando problemas sérios para a população brasileira.
O APHIS intercepta esses caramujos, freqüentemente, em aeroportos junto a
passageiros que tentam introduzi-los no país para comercializá-los como
animais de estimação ou serem consumidos como carnes ou ainda como remédios
caseiros alternativos. Um problema freqüente é quanto à entrada de pequenas
quantidades de carnes do caramujo trazidos por parentes em viagens à África
ou Ásia “como forma de diminuir a saudade de casa”.
Além de uma cuidadosa orientação aos passageiros aéreos para não trazerem
esses organismos ao país, uma inspeção acurada em cargas de navios ou de
aeroportos, produtos vegetais, maquinários e motores de veículos,
provenientes de locais onde ocorrem o caramujo africano deve ser realizada
pelas autoridades sanitárias brasileiras. Ovos e conchas podem ficar fora do
alcance da vista e passar despercebidos. Caramujos hibernantes podem parecer
mortos e serem levados por colecionadores de conchas. As vantagens de uma
inspeção cuidadosa podem ser expressas na ausência do caramujo infectado
pela parasitose, A. costaricensis.
Os exemplos dados acima e outras pragas e enfermidades foram responsáveis
por um aumento na biopoluição e as conseqüências advindas dessas introduções
e dispersões no território brasileiro. De acordo com dados publicados por
pesquisadores internacionais os impactos das bioinvasões no Brasil atingiram
US$ 42,6 bilhões, nas últimas décadas. Ao invés de gastos para a erradicação ou contenção ou controle destes organismos, esses recursos poderiam ter sido investidos em educação, saúde e inovação tecnológica para a população brasileira. É importante que a sociedade brasileira fique atenta a esses fatos e tome consciência da importância em diminuir as bioinvasões, exigindo dos governos federal, estadual e municipal, ações mais rápidas, coerentes e integradas para o combate de organismos que entram no país e depois se dispersam para regiões socioeconômica e ambientalmente importantes. Essas bioinvasões provocam perdas de empregos, de qualidade de vida, de propriedades, dos recursos naturais e de áreas produtivas. Num futuro bem próximo poderemos deixar de ser o tão propagado “celeiro do mundo”. Afinal quem paga e pagará a conta das bioinvasões e suas conseqüentes poluições é o próprio cidadão brasileiro.
Reprodução autorizada desde que citada a autoria e a fonte Dados para citação bibliográfica(ABNT):
VILARINHO, M.R.
Desafios do século XXI para o Brasil:
barreiras sanitárias e ambientais, espécies invasoras exóticas e
biopoluição Publicado no Infobibos em 27/11/2006 |