QUALIDADE DAS SEMENTES DE FEIJÃO NO BRASIL*

José Otávio Machado Menten
 Maria Heloisa Duarte de Moraes
Ana Dionisia da Luz Coelho Novembre
Márcio Akira Ito

1. INTRODUÇÃO

          O maior problema de sementes de feijão (Phaseolus vulgaris L.) no Brasil é sua baixa taxa de utilização. Dos 4,2 milhões de ha cultivados em 2003/2004, 3,96 milhões (92%) utilizaram, como material de propagação, sementes próprias, “salvas”, “piratas” ou grãos. Apenas 8% da área (340 mil ha) foi cultivada com sementes legais. Esta, provavelmente, é uma das principais razões do baixo rendimento médio do feijoeiro no Brasil. Este tem sido de cerca de 750 kg.ha-1, sendo que o potencial genético (rendimento possível) para a espécie é de 5000 kg.ha-1.

          Infelizmente não existem trabalhos indicativos dos danos (redução do rendimento) causados pela utilização de sementes ilegais de feijoeiro. Uma contribuição importante seria a quantificação deste valor, validado e aceito por toda a cadeia produtiva e área técnico-científica. Esta informação embasaria esforços no sentido de aumentar a utilização de sementes legais e, conseqüentemente, o rendimento na produção de grãos.

2. DISPONIBILIDADE E NECESSIDADE DE SEMENTES LEGAIS DE FEIJÃO NO BRASIL

          Entende-se por sementes legais os materiais produzidos de acordo com as normas técnicas, seguindo a regulamentação em vigência no Brasil (Sistema Nacional de Sementes e Mudas, Lei 10.711, 05 de agosto de 2003).

          A produção é, predominantemente, nas regiões Centro-Oeste (GO e MS), Sudeste (SP, MG), Sul (PR, SC, RS) e Nordeste (BA). Considerando a quantidade de sementes produzidas, nas safras 02/03 e 03/04, os estados de Goiás e Minas Gerais ocuparam os 1o e 2o lugares, São Paulo o 3o e o Paraná 4o. A taxa de utilização de sementes legais varia de 3% a 25%, com média de 11,5% (Tabela1). Constata-se que seriam necessárias 117.630t de sementes (demanda potencial) para cultivar os 4,2 milhões de ha de feijão no Brasil. Entretanto, a demanda efetiva foi de apenas 13.567t; a produção de sementes legais variou de 17.191t (02/03) a 9.455t (03/04). É muito provável que, caso a demanda efetiva fosse maior, a produção de sementes legais poderia aumentar, a ponto de atender a necessidade. Existe competência disponível. Havendo garantia de mercado, os produtores de sementes poderiam investir e atender a demanda, desde que houvesse retorno financeiro estimulante.

Tabela 1. Produção, demanda e taxa de utilização de sementes “legais” de feijão (ABRASEM, 2006)

Ano 2005

Produção  Sementes
 (t)

Produção  Sementes
 (t)

Demanda de Sementes

Taxa de utilização de sementes
 (%)

Associado

03 / 04

02 / 03

Potencial (t)

Efetiva (t)

Agrosem-GO

2.607

9.243

6.780

1.559

23,0

Apasem-PR

996

1.303

25.440

2.544

10,0

Apassul-RS

347

880

6.834

205

3,0

Apps-SP

1.490

1.756

9.384

938

10,0

Aprosesc-SC

880

684

6.612

1.322

20,0

Aprossul-MS

0

200

1.146

287

25,0

Apsemg-MG

2.960

2.820

25.176

3.086

12,0

Fund. Bahia

175

305

36.258

3.626

10,0

Total

9.455

17.191

117.630

13.567

11,5

3. QUALIDADE DE SEMENTES DE FEIJÃO

          A qualidade das sementes compreende o conjunto dos atributos genéticos, físicos, fisiológicos e sanitários característicos da espécie e variedade ou incorporados ao cultivar pelo melhorista. Através do melhoramento genético são incorporadas as características agronômicas que visam à obtenção de plantas adaptadas às regiões de cultivo e às tecnologias de produção e de sementes com composição química que favoreça o desempenho fisiológico e a conservação, resistentes aos danos mecânicos, aos insetos e aos patógenos. Dessa forma, basicamente é o componente genético que estabelece a qualidade da semente. A partir da semente “melhorada” (genética), a interferência na qualidade da semente é decorrente, principalmente, dos fatores relacionados à sua produção e conservação.

3.1. PRODUÇÃO DE SEMENTES (CAMPO)

          O clima da região de produção interfere, principalmente, nas fases inicial da produção (germinação da semente e no estabelecimento da plântula) e reprodutiva (desenvolvimento e maturação da semente). O Brasil Central, norte de São Paulo, Minas Gerais e Zonas do Nordeste brasileiro apresentam clima apropriado para a produção de sementes de feijão de alta qualidade. As condições climáticas do sul, com temperaturas mais amenas e alta umidade, exigem dos produtores de sementes a adoção de estratégia eficiente de manejo e tratamento fitossanitário, para obtenção de produtos livres de patógenos. Novas áreas, como várzeas tropicais do Tocantins, utilizando-se o método de sub-irrigação (manejo do lençol freático) durante o inverno podem ser incorporadas, pois apresentam vantagens principalmente quanto à sanidade da lavoura (menor ocorrência e severidade de antracnose, crestamento bacteriano e doenças causadas por fungos de solo)

          Para o cultivo propriamente dito, além dos fatores fitotécnicos, é fundamental a eliminação das plantas atípicas, doentes e invasoras, e o isolamento do campo de produção. Na fase de emergência da plântula, podem ser avaliados o estande, o isolamento do campo, a ocorrência de doenças, as plantas invasoras e a mistura de cultivares. Durante o desenvolvimento vegetativo, o controle de plantas invasoras, de pragas e de doenças é determinante para a preservação das qualidades física e sanitária da semente. Por outro lado, nessa fase, a eliminação das plantas de outros cultivares baseia-se nas diferenças de hábito de crescimento, de porte, do comprimento da guia das plantas, de coloração das folhas, de susceptibilidade a insetos e patógenos e de ciclo entre as plantas.

         No florescimento, a eliminação de plantas atípicas e de outros cultivares baseia-se nas diferenças de coloração das flores (branca, rosa ou roxa), no hábito de crescimento, no porte das plantas e na coloração das folhas.

         Na fase de maturação as pragas e as doenças, especialmente aquelas cujos patógenos são transmissíveis por sementes, devem estar sob controle (antracnose, crestamento bacteriano, murcha de fusarium, podridão radicular de fusarium e mofo branco). A identificação de plantas atípicas e de outros cultivares é feita, principalmente, pela coloração (verde, avermelhadas, creme e outras), a forma e a textura da superfície das vagens. As características das sementes também podem indicar as diferenças entre cultivares, como a cor, o brilho, a presença ou não de venações no tegumento da semente, a coloração do halo, a forma e o tamanho das sementes. A erradicação de plantas doentes, especialmente as com patógenos transmissíveis por sementes, é essencial para a aprovação do campo para a produção de sementes. É interessante enfatizar que a irrigação por aspersão favorece a disseminação e desenvolvimento de patógenos foliares (parte aérea); a irrigação por sulco pode transportar patógenos do solo (principalmente estruturas de resistência como esclerócios e clamidósporos).

          Para a colheita das sementes, além dos controles estabelecidos nas fases anteriores, especialmente a partir da maturação, iniciam-se os relacionados ao momento e ao método de colheita. Para o primeiro, são considerados o teor de água das sementes e as alterações morfológicas da planta, das vagens e das sementes. A manutenção da integridade física das sementes está relacionada ao tipo de colheita, como a regulagem da colhedora e/ou de outros equipamentos, e ao teor de água da semente. A limpeza de materiais, de máquinas e de equipamentos evita a mistura mecânica de sementes doentes ou de outros cultivares, durante a realização da colheita. A interferência do beneficiamento na qualidade das sementes está relacionada à  manutenção da integridade física de semente que, por sua vez, depende do teor de água da semente e da regulagem de máquinas e de equipamentos, à contaminação  com sementes doentes, de outros cultivares e até de outras espécies (limpeza) e aos tipos e à seqüência das máquinas e dos equipamentos.

          A aferição do controle dos fatores que interferem na qualidade da semente, durante a fase de produção, é realizada segundo os padrões de campo (Tabela 2), que definem os limites mínimos ou máximos e os tipos de contaminantes das sementes de um lote.

Tabela 2. Padrões de campo para a produção de sementes de feijão.
MAPA, 2005.

Parâmetros

Classes

Básica

C1

C2

S1 e S2

Rotação (ciclo agrícola)

----

----

----

----

Isolamento ou bordadura (mínimo, metros)

3

3

3

3

Plantas atípicas (no máximo)

1/2.000

1/1.000

2/1.000

3/1.000

Outras espécies

zero

zero

zero

zero

PRAGAS

Antracnose na vagem (Colletotrichum lindemuthianum) (% máxima)

0,5

1

1

3

Crestamento Bacteriano (Xanthomonas axonopodis pv. phaseoli)  (% máxima)

0,5

1

1

2

Mofo Branco (Sclerotinia sclerotiorum) (% máxima)

zero

zero

zero

zero

Número mínimo de vistorias

2

2

2

2

Área máxima da gleba para vistoria (ha)

50

50

50

100

C1 – Certificada de primeira geração;C2 – Certificada de segunda geração;S1 – de primeira geração; S2 - de segunda geração

          Com a conclusão da produção das sementes em campo, da colheita e do processamento, a semente é armazenada e a sua conservação depende das condições do ambiente de armazenamento. O ideal é a conservação das sementes de feijão com 12% ou menos de água. Durante o armazenamento o controle de insetos (carunchos, gorgulhos, traças) deve ser constante, através do expurgo (fosfeto de alumínio e de magnésio - fosfina).

 3.2 AVALIAÇÃO DA QUALIDADE DAS SEMENTES (LABORATÓRIO)

          A complementação da avaliação das sementes é feita com análises de laboratório que estabelecem as qualidades física, fisiológica e sanitária das sementes. As análises de pureza física, da determinação de outras sementes e de sementes de outros cultivares, da germinação, do teor de água, de sementes infestadas e das pragas são obrigatórias para a comercialização das sementes (Tabela 3). Quanto aos padrões de sanidade de sementes, o GTPSS (Grupo Técnico Permanente em Sanidade de Sementes), do MAPA, propôs tolerância ZERO para Colletotrichum lindemuthianum, Fusarium oxysporum f.sp. phaseoli, F. solani f.sp. phaseoli, Sclerotinia sclerotiorum e Xanthomonas axonopodis pv. phaseoli. Foi considerado que, para estes patógenos, o uso de sementes sadias ou adequadamente tratadas é a principal medida de controle para o manejo integrado de doenças. Dados do Laboratório de Patologia de Sementes da ESALQ/USP mostram que de 299 amostras de sementes de feijão, analisadas de 2000 a 2005, 12,0% eram portadoras de Colletotrichum lindemuthianum (incidência média=1,3%; máxima=10,0%), 4,0% de Fusarium oxysporum f.sp. phaseoli (média=0,2%; máxima=0,5%), 1,7% de F. solani f.sp. phaseoli (média= 0,2%; máxima= 0,2%), 3,7% de Sclerotinia sclerotiorum (média=0,2%; máxima=0,2%) e 34,8% de Xanthomonas axonopodis pv. phaseoli  (média= 0,8%; máxima=16,1%).

Tabela 3. Padrões de laboratório para a produção de sementes de feijão.
MAPA, 2005.

Parâmetros

Classes

Básica

C1

C2

S1 e S2

PUREZA

 

 

 

 

Semente pura (% mínima)

98,0

98,0

98,0

98,0

Outras sementes (% máxima)

zero

0,1

0,1

0,1

Determinação de outras sementes por número (n° máximo)

 

 

 

 

Sementes outra espécie cultivada

zero

zero

1

1

Semente silvestre

zero

1

1

1

Semente nociva tolerada

zero

1

1

1

Semente nociva proibida

zero

zero

zero

zero

Determinação de sementes de outros cultivares por número (n° máximo)

 

 

 

 

Grupo de cor diferente

2

4

6

8

Germinação (% mínima)

70

80

80

80

Sementes infestadas (% máxima)

3

3

3

3

PRAGAS

Padrões Específicos / em aprovação

 

 

 

Para o controle interno de qualidade, os produtores de sementes de feijão avaliam, ainda, os danos mecânicos e o vigor (testes de envelhecimento acelerado e de condutividade elétrica). A avaliação da emergência da plântula em campo é, também, rotina no controle de qualidade das sementes produzidas.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

         O planejamento das etapas de produção das sementes, a capacitação técnica do produtor de sementes e a adequação das condições para a produção em campo, para a colheita, para o beneficiamento e para a conservação das sementes são fundamentais para a manutenção da qualidade sob controle. A despeito de baixa taxa de utilização de sementes legais no Brasil, o incremento do rendimento de grãos, produzidos por agricultores tecnicamente capacitados, tem destacado a importância da utilização da semente legal.

5. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

ABRASEM - http://www.abrasem.com.br/estatisticas/index.asp

EMBRAPA. Produção de sementes sadias de feijão comum em várzeas tropicais. Disponível em:http://sistemasdeproducao.cnptia.embrapa.br/FontesHTML/Feijao/Feijao Varzea Tropical/ind...Acesso em 4/04/2006.

ITO, M.F.; MENTEN, J.O.M.; CASTRO, J.L.; MORAES, M.H.D. Importância do uso de sementes sadias de feijão e ou tratadas quimicamente. DIA DE CAMPO DE FEIJÃO, 19., 2003, Capão Bonito. Anais... Campinas: IAC, 2003. p. 37-49.

MENTEN, J.O.M.; FRARE, V.C.; RABALHO, A.A.; LIMA, L.C.S.F.; ZUPPI, M. Produtos fitossanitários para o feijoeiro no Brasil. In: DIA DE CAMPO DE FEIJÃO, 21., 2005, Capão Bonito. Anais... Campinas: IAC, 2005. p. 59-91.

MENTEN, J.O.M.; LIMA, L.C.S.F; FRARE, V.C.; RABALHO, A.A. Evolução dos produtos fitossanitários para tratamento de sementes no Brasil. In: ZAMBOLIN, L. (Ed.). Sementes: Qualidade Fitossanitária. Viçosa: UFV, 2005. p. 333-374.

VIEIRA, E.H.; RAVA, C.A. Produção de Sementes. disponível em: http://www.agencia.cnptia.embrapa.br/Agencia4/AGO1/arvore/AGO1_73_27820049337.html. Acesso em 5/04/2006.

SOAVE, J.; MORAES, S.A. Medidas de controle das doenças transmitidas por sementes. In: SOAVE, J.; WETZEL, M.M.V.S. (Ed.). Patologia de sementes. Campinas: Fundação Cargill, 1987.  p. 192-259. 1987.

* Palestra proferida no VI Seminário sobre Pragas, Doenças e Plantas Daninhas do Feijoeiro, realizado no Instituto Agronômico, Campinas-SP, de 14 a 16 de junho de 2006.

 

José Otávio Machado Menten - Professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade São Paulo, ESALQ/USP,
Formação Acadêmica:
Graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade São Paulo, ESALQ/USP
Livre-docência. - Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade São Paulo, ESALQ/USP, Brasil.

Pós-Doutorado: -Cambridge University, CAMBRIDGE, Grã-Bretanha; -Instituto Dinamarquês de Patologia de Sementes, DGISPDC, Dinamarca.; -Agricultural University - Wageningen, WAGENINGEN, Holanda.
Doutorado em Agronomia [Fitopatologia].  -  Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade São Paulo, ESALQ/USP, Brasil.
Mestrado em Fitopatologia. -  Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz Universidade São Paulo, ESALQ/USP, Brasil.  Brasil.

Contato:
jomenten@esalq.usp.br

 

Maria Heloisa Duarte de Moraes

Formação Acadêmica: Graduação em Engenharia Agronômica. Universidade de São Paulo, USP, Brasil. Mestrado em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil e Doutorado em Agronomia (Fitopatologia) pela Universidade de São Paulo, USP, Brasil.
Contato: mhdmorae@carpa.ciagri.usp.br

 

Ana Dionisia da Luz Coelho Novembre
Formação Acadêmica: Graduação em Engenharia Agronômica pela Universidade de São Paulo , mestrado em Fitotecnia pela Universidade de São Paulo e doutorado em Fitotecnia pela Universidade de São Paulo. TEC. NIVEL SUPERIOR da Universidade de São Paulo. Tem experiência na área de Agronomia , com ênfase em Fitotecnia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Germinação, temperatura, substrato.
Contato:
adlcnove@esalq.usp.br

 

Márcio Akira Ito é pesquisador científico da UPD de Tatuí/DDD/APTA – Tatuí, SP., Graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (2002) e mestrado em Fitotecnia pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (2005). Tem experiência na área de Agronomia, com ênfase em Fitotecnia. Atuando principalmente nos seguintes temas: Agricultura, Fontes de Nitrogênio, Fungos de Solo, Phaseolus vulgaris, pH.
Contato:akira@aptaregional.sp.gov.br

 

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica (ABNT):

MENTEN, J. O. M.; MORAES, M. H. D. de; NOVEMBRE, A. D. L. C.; ITO, M. A.. Qualidade das sementes de feijão no Brasil. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_2/SementesFeijao/index.htm>. Acesso em:

publicado no InfoBibos em 01/08/2006  

imprimir

Envie para um amigo


Veja Também...