Efeitos das várias
etapas do processamento de requeijão e queijos fundidos na
microbiota do leite
Izildinha Moreno,
Airton
Vialta,
José
Leonardo Etore do Valle
1. INTRODUÇÃO
Dependendo do
produto a que se destina, o leite cru é submetido a vários tipos de tratamentos
e processos tecnológicos que promovem uma alteração qualitativa e quantitativa
em sua microbiota inicial. A predominância de determinadas espécies dependerá
das modificações físicas e químicas empregadas, tais como temperatura, atividade
de água, potencial redox e pH.
Geralmente, o resultado dessas modificações é
uma diminuição da microbiota total e uma seleção de microrganismos específicos,
como por exemplo, os psicrotróficos em produtos refrigerados e os esporulados em
produtos tratados termicamente. Em outros casos, as operações produzem uma
homogeneização da microbiota procedente de distintos tipos de ingredientes.
A fermentação por bactérias lácticas também tem uma influência na
modificação da microbiota do produto, chegando, em muitos casos, a dominar a
flora banal e reduzir ou eliminar os microrganismos patogênicos.
As
principais etapas e processos tecnológicos utilizados na fabricação do requeijão
e outros queijos fundidos e sua influência na modificação da microbiota
contaminante do leite e outras matérias-primas foram revisados neste
trabalho.
2. ETAPAS E
PROCESSOS TECNOLÓGICOS
2.1.
CLARIFICAÇÃO
Este processo é empregado para a remoção de matérias estranhas
do leite por força centrífuga e utiliza equipamento similar ao de separação do
creme. É uma alternativa efetiva para a filtração e é realizada a temperatura de
32,7-37,8°C. A clarificação remove bactérias, leucócitos e grumos de bactérias.
2.2
BACTOFUGAÇÃO
Dentre as tecnologias de separação física empregadas para
reduzir o número de microrganismos do leite, a bactofugação é uma das que têm
sido efetivamente utilizadas na prática. Seu princípio consiste na remoção das
bactérias e esporos por meio de diferença da densidade (1,2g/ml para os
microrganismos e 1,03g/ml para o leite). O leite é separado do concentrado
bacteriano ou bactofugado, que é descarregado separadamente. A quantidade de
bactofugado é de 2 a 3% do fluxo total do leite e contém entre 80 e 90% das
células bacterianas presentes. O bactofugado é esterilizado, enquanto o leite é
pasteurizado normalmente, sendo depois misturados.
A bactofugação é
realizada a 60°C e, embora a eficiência de redução dos esporos dependa das
condições (número inicial de esporos, temperatura e característica do
equipamento), esse processo é capaz de reduzir de 75 a 95% de esporos de Clostridium, 90% de bactérias propiônicas, 52% de bactérias mesófilas e 88% de
coliformes. Uma eficiência de 99,9% pode ser obtida quando se procede a uma
dupla bactofugação.
2.3
TERMIZAÇÃO
Consiste em um tratamento térmico especial que não substitui a
pasteurização e que tem a finalidade de reduzir a contagem microbiana total,
incluindo os microrganismos psicrotróficos. Antes de ser estocado a temperaturas
abaixo de 7°C, o leite é submetido a 64-68°C durante 10-15 segundos. Outros
binômios de tempo/temperatura, como 63-68°C/25s, 68°C/40s, 70°C/15s, 60°C/16s ou
65°C/2s, também são utilizados, não sendo suficientes para desnaturar a fosfatase.
2.4 DESNATE
A
separação dos glóbulos de gordura do leite é um processo normal, visto que a
gordura e o leite têm densidades diferentes, de 0,92g/cm3 e 1,034g/cm3,
respectivamente. Esse processo pode ser acelerado quando o leite é submetido a
uma centrifugação contínua. Junto com a gordura também são removidos bactérias e
esporos.
2.5 PASTEURIZAÇÃO
A pasteurização é um tratamento térmico
que causa a destruição total dos microrganismos patogênicos, elimina 90 a 99%
dos microrganismos saprófitos e desnatura determinadas enzimas, sem, contudo
alterar consideravelmente a composição, sabor e valor nutritivo do produto. A
pasteurização lenta (62 a 65°C durante 30 minutos) apresenta uma eficiência da
ordem de 95%, enquanto que a rápida (72-75°C durante 10 a 15 segundos), ao redor
de 99,5%. Esses tratamentos são suficientes para destruir a maioria das células
vegetativas, incluindo as patogênicas e os bolores e leveduras.
Apenas as
bactérias vegetativas termodúricas são capazes de sobreviver à pasteurização,
mas não de se multiplicarem nessas temperaturas. Neste grupo são incluídos
principalmente as espécies de Micrococcus, Microbacterium, Streptococcus
(principalmente enterococos), Coryneformes, lactobacilos termofílicos (L.
bulgaricus e L. lactis) e S. thermophilus, bem como as bactérias formadoras de
esporos Bacillus e Clostridium. Ocasionalmente, alguns bolores dos gêneros
Aspergillus, Penicillum e Byssochalamys podem sobreviver.
Os tipos e números
de bactérias termodúricas encontradas no leite pasteurizado dependem da
população inicial no leite cru. As bactérias termodúricas mais comumente
encontradas são: Streptococcus (S. thermophilus), Micrococcus (M. luteus),
Corynebacterium, Lactobacillus, Microbacterium,
Arthrobacter e Enterococcus. A
estocagem do leite pasteurizado a temperatura de refrigeração pode favorecer o
crescimento das espécies psicrotróficas, principalmente de Bacillus, e
influenciar na vida útil do produto. B. cereus pode ocasionar defeitos de
amargor em creme e coágulo doce.
Com exceção de determinadas linhagens de
enterococos ou de espécies pouco freqüentes de Bacillus e Clostridium, as
bactérias termodúricas não são capazes de se desenvolver em temperaturas
inferiores a 7,2°C, não sendo portanto um fator importante de deterioração de
produtos refrigerados. Por outro lado, em produtos refrigerados de forma
inadequada, elas podem se desenvolver e promover defeitos de aromas, sabores
indesejáveis e alterações físicas dos produtos.
2.6.
ULTRAFILTRAÇÃO (UF)
No processo de UF utilizam-se membranas, geralmente de 2
a 10nm de diâmetro, possibilitando a permeação de pequenas moléculas e a
retenção de macromoléculas e colóides. Consequentemente, os microrganismos
presentes são retidos e junto com os outros componentes do leite formam o
retentado ou ultrafiltrado. Além disso, a desintegração de grumos formados por
cadeias de bactérias e o crescimento de microrganismos durante este processo
promovem um aumento da contagem total e dos seus diferentes grupos no retentado.
Este crescimento está diretamente relacionado com as condições do pH e
temperatura.
A temperatura adequada para o processamento UF é 48°C. Isso
porque ela promove um aumento da fase Lag de diferentes microrganismos. Outras
faixas, como por exemplo, 40°C favorece o crescimento de coliformes e bactérias termodúricas, enquanto 60°C, tem sido recomendada para leite cru, na qual o
crescimento microbiano é mínimo. Além disso, permite fluxos maiores e evitar o
desenvolvimento de bactérias termófilas.
Em relação aos psicrotróficos,
produtores de enzimas termorresistentes, os problemas são idênticos àqueles
encontrados para leite estocado a baixa temperatura, com o agravante da
concentração das enzimas neste processo. Estudos publicados revelaram não haver
uma diferença marcante no crescimento e morte de microrganismos psicrotróficos
em leite e em leite UF (x2 e x4) estocado a temperaturas de refrigeração. De um
modo semelhante, o fator de concentração não afeta a destruição de grupos de
bactérias pela termização e pasteurização, tendo sido similares ao do leite. Ao
contrário, o crescimento e atividade das bactérias lácticas são afetados pelo
aumento de teor de sólidos do leite UF, aumentando seu poder tamponante. Como
níveis mais elevados de ácido láctico são produzidos por essas culturas no
retentado e o pH não varia muito, existe risco de desenvolvimento de bactérias
indesejáveis.
2.7. MICROFILTRAÇÃO (MF)
A MF separa seletivamente
partículas com pesos moleculares superiores a 200.000 daltons. Em geral, o que
varia é o diâmetro dos poros da membrana. O diâmetro normalmente utilizado é de
1,4mm, permitindo ampla retenção de microrganismos e restrita retenção de
micelas de caseína. Como os glóbulos de gordura apresentam o mesmo tamanho das
bactérias, são também retidos pela MF. Normalmente, a microfiltração do leite é
realizada utilizando-se temperatura na faixa de 35 a 50°C.
Um estudo revelou
uma redução máxima decimal de 2,6, correspondendo a concentração de 99,5%, de
bactérias contaminantes no retentado. A retenção microbiana é independente do
número inicial e varia de acordo com a morfologia e tamanho das bactérias. Para
as patogênicas, reduções celulares de 2,3, 2,4 e 3,3 foram observadas em
Listeria, Staphylococcus e Salmonella, respectivamente.
Um outro tipo de
tratamento térmico deve ser aplicado adicionalmente ao retentado MF,
preferencialmente a pasteurização ou a UAT. Dependendo do tipo da membrana MF ou
UF, pode-se alcançar redução de 98,9 a 99,99% (MF espiral e membranas UF) no
número de esporos, bactérias, bolores e leveduras. As células danificadas também
são removidas e, consequentemente, as suas enzimas.
2.8. OBTENÇÃO DA
MASSA
A massa do requeijão cremoso pode ser obtida pela coagulação enzimática
do leite desnatado pasteurizado, pela adição de coalho e das culturas lácticas
acidificantes Lactococcus lactis subsp. lactis e L. lactis subsp.
cremoris
(fermento tipo "0") ou pela precipitação do leite desnatado aquecido a 85°C com
ácido láctico a 85%, desaconselhando-se a utilização de leite não pasteurizado.
Durante a obtenção da massa, os contaminantes pós-pasteurização podem ser
micrococos, estafilicocos coagulase-positivos, coliformes e bactérias lácticas
(lactobacilos, pediococos e, mais raramente, Leuconostoc e enterococos). Esses
microrganismos são provenientes das linhas de processamento, utensílios e
tanques de fabricação, ar, água utilizada na limpeza e a partir do pessoal
envolvido no processo. O nível de contaminação será menor em processamentos que
utilizam tanques fechados e equipamentos mecanizados, do que naqueles realizados
em tanques abertos e processos manuais.
A coalhada deve apresentar-se
gelatinosa, homogênea, sem bolhas, sem o mínimo sinal de estufamento e sem
dessora. Também, é necessário controlar a proliferação de bacteriófagos com
higiene rigorosa dos equipamentos, principalmente quando os tanques são
utilizados mais que uma vez durante o dia.
A massa obtida por fermentação
láctica deve apresentar pH de 5,0 a 5,2, que auxilia na inibição do crescimento
de microrganismos patogênicos e deteriorantes. Já no caso da acidificação direta
a quente do leite, o pH no momento da coagulação das proteínas deve encontrar-se
na faixa de 4,6 a 5,4, sendo necessário corrigi-lo por meio de lavagens
sucessivas com água filtrada, seguida de uma ou duas lavagens com leite fresco
desnatado ou integral.
2.9 FUSÃO DA
MASSA
Segundo o Regulamento Técnico para Fixação de Identidade e Qualidade de
Leite e Produtos Lácteos (1997), o produto deverá ser submetido a aquecimento
mínimo de 80°C durante 15 segundos ou qualquer outra combinação
tempo/temperatura equivalente. Na prática, a mistura é aquecida a 65-70°C por 5
minutos, sob vácuo e agitação constante. A seguir, a temperatura é elevada para
75-80°C por 3 minutos e, finalmente, para 92-95°C por 2 minutos. Esse tratamento
não é suficiente para destruir todas as formas vegetativas nem tampouco os
esporos de Clostridium. Por isso, o resfriamento deve ser rápido para evitar o
crescimento de microrganismos sobreviventes ao tratamento térmico da fusão.
Normalmente, um aquecimento a 100°C é eficiente para destruir todos as células
vegetativas, mas não os esporos.
2.10 TRATAMENTO
ULTRA ALTA TEMPERATURA (UAT)
Após a fusão, o queijo processado pode ser
submetido a tratamento térmico de ultra alta temperatura (UAT), a 135-145°C
durante 5 a 10 segundos, ou a alguma outra combinação de tempo/temperatura
equivalente. Nesse caso, sua denominação será a de queijo processado UAT e sua
conservação pode ser feita à temperatura ambiente. Essa temperatura é ideal para
os queijos fundidos pastosos, pois além de proporcionar maior cremosidade,
melhora a sua durabilidade, normalmente mais susceptível à deterioração em
função de um teor de umidade mais elevado e pH mais alto.
Os microrganismos
sobreviventes potenciais ao processo são os esporos de B. subtilis, B. stearothermophillus e
B. sporothermodurans. Os bolores e leveduras são muito
sensíveis ao calor e somente Byssochlamys fulva, B. nivea e Poecylomyces podem
resistir a 100°C, mas não são produtores de toxinas.
2.11 ENVASE
O
requeijão deve ser embalado a quente (71°C), em copos ou potes previamente sanificados em solução sanitizante à base de iodo para evitar o desenvolvimento
posterior de bactérias esporuladas e leveduras termorresistentes. A inversão dos
copos é recomendada para evitar problemas de crescimento de fungos junto à
tampa. O fechamento indevido das embalagens poderá permitir a entrada de esporos
de bolores e leveduras.
2.12 RESFRIAMENTO
E ARMAZENAMENTO
Após a embalagem, o produto deve ser refrigerado o mais
rápido possível para uma temperatura inferior a 10°C, de modo a se deslocar o
espaço vazio para o fundo do copo, evitando que fique sob a tampa e favoreça o
desenvolvimento de bolores e leveduras na superfície do produto. Essa
temperatura deve ser mantida durante toda a etapa de transporte e
comercialização do produto. Qualquer tipo de variação nas condições de
armazenamento e transporte e comercialização poderão ocasionar a proliferação
dos microrganismos contaminantes.
3.
CONCLUSÃO
Assim como há
processos que reduzem a carga microbiana, entre eles a bactofugação, a
microfiltração e os tratamentos térmicos, há outros que aumentam ou selecionam a
microflora, como é o caso da ultrafiltração, envase e estocagem. Dessa forma,
além de matérias-primas de qualidade, é importante que as indústrias conduzam os
vários processos tecnológicos de maneira adequada. O correto processamento
certamente propiciará a obtenção de produtos seguros e de qualidade, aumentando
a competitividade da empresa.
4. REFERENCIAS
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Izildinha Moreno
possui graduação em Bióloga pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas (1983), especialização em Seleção
e Conservação de Fermentos Lácticos de Int pelo Centro de Referência
Para Lactobacilos Dr Ernesto Padilha (1989), especialização em
Bacteriocinas de Bactérias Lácticas pela Centre de Recherches
Laitières de Jouy En Josas (1992), especialização em Seleção e
Conservação de Fermentos Lácticos de Int pelo Centro de Referência
Para Lactobacilos Dr Ernesto Padilha (1991), especialização em
Fermentos Lácticos pelo Centro de Referência Para Lactobacilos Dr
Ernesto Padilha (1998), especialização em Autólise de Bactérias
Lácticas pela Laboratoire de Recherches de Technologie Laitière
(2002), mestrado em Ciências dos Alimentos pela Universidade de São
Paulo (1996) e doutorado em Ciências dos Alimentos pela Universidade
de São Paulo (2003). Atualmente é Pesquisador Científico VI do
Instituto de Tecnologia de Alimentos e Membro de corpo editorial da
Revista Indústria de Laticínios. Tem experiência na área de Ciência
e Tecnologia de Alimentos , com ênfase em Ciência de Alimentos.
Atuando principalmente nos seguintes temas: autólise, bactérias
lácticas, maturação de queijos, microbiota láctica, proteólise e
queijo Prato.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
Contato:
imoreno@ital.sp.gov.br
Airton
Vialta possui graduação
em Ciências Biológicas pela Universidade Estadual de Campinas (1982), mestrado em Genética e Biologia Molecular pela Universidade
Estadual de Campinas (1987) e doutorado em Genética e Biologia
Molecular pela Universidade Estadual de Campinas (1994). Atualmente
é Pesquisador Científico VI do Instituto de Tecnologia de Alimentos.
Tem experiência na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, com
ênfase em Ciência de Alimentos. Atuando principalmente nos seguintes
temas: genética, cefalosporina C, Acremonium chrysogenium.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
José
Leonardo Etore do Valle
possui graduação em Engenharia Agronômica pela Escola Superior de
Agricultura Luiz de Queiroz (1971), graduação em Fac Edu pela
Universidade de São Paulo (1971), mestrado em Tecnologia de
Alimentos pela Esalq (1983) e doutorado em Ciência dos Alimentos
pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas (1991). Atualmente é
Pesquisador Científico VI do Instituto de Tecnologia de Alimentos.
Tem experiência na área de Ciência e Tecnologia de Alimentos, com
ênfase em Tecnologia de Alimentos. Atuando principalmente nos
seguintes temas: mozarela, fermentação, filagem.
(Texto gerado automaticamente pela aplicação CVLattes)
Reprodução autorizada desde que citado o autor
e a fonte
Dados para citação bibliográfica(ABNT):
MORENO, I.; VIALTA, A.; VALLE, J.L.E do.
Efeitos das várias
etapas do processamento de requeijão e queijos fundidos na
microbiota do leite.
2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_2/requeijao/index.htm>.
Acesso em:
Publicado no Infobibos em 28/09/2006
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