ELEMENTOS PARA AVALIAR O SOLO EM SISTEMA PLANTIO DIRETO

por Afonso Peche Filho  e Moises Storino

        A agricultura realizada no sistema de plantio direto vem ganhando adeptos a cada dia, e muitos acham que a técnica se resume somente em conseguir semear na palha. O plantio direto não pode ser simplificado ao ponto de ser considerado uma técnica que somente elimina as operações de mobilização do solo e consegue controlar o mato através do uso de herbicidas. As questões ligadas ao sucesso de implantação do sistema plantio direto passam pela evolução do agricultor na "arte de agricultar" e isso significa no mínimo desenvolver conhecimentos aprofundados sobre a gleba de terra a ser explorada, as potencialidades do seu sistema operacional e os produtos resultantes dos processos operacionais, nos quais se incluem os grãos mas também os impactos ambientais do seu sistema de produção.

        Seguramente podemos considerar o plantio direto como a mais tropical das técnicas agrícolas e por isso mesmo é complexa e muitos ainda sentem dificuldades para obter sucesso em todas as suas fases. A agricultura nos trópicos é muito impactante e normalmente produz problemas ambientais relacionados à erosão, à compactação do solo, ao uso irracional de agrotóxicos e de fertilizantes.

        Apesar da crescente popularização das informações técnicas sobre este sistema, alguns pontos básicos e muito importantes, são esquecidos e é ai que se compromete o principal fator de sucesso do plantio direto: obter perenidade produtiva das terras.

        Para explorar o solo buscando sua perenidade produtiva com o auxilio do sistema plantio direto o agricultor deve ter em mente que o sucesso é um conjunto de pequenos detalhes. Eles estão em cada operação e para isso é preciso conhecer a fundo o solo, as plantas, os efeitos das máquinas e as técnicas, como por exemplo a rotação de culturas e a calagem. Além disso deve haver uma boa dose de constância de propósitos, pois a cada safra o cenário muda e novas decisões deverão ser tomadas.

        É interessante que o agricultor adote critérios para avaliar o seu desempenho no manejo de solos e com essa "auto-avaliação", crie o hábito de buscar a melhoria contínua no sistema de produção.

        Para uma avaliação prática das condições do solo em uma área onde o sistema de plantio direto esteja estabelecido ou em fase de implantação pode-se averiguar alguns pontos relacionados com a produtividade do solo e com a cobertura morta.

        A qualidade produtiva do solo deve ser analisada com base nas condições em que se encontram no "perfil cultural", que é a camada na qual ocorrem as principais reações químicas e também o enraizamento. Para tanto sugerimos que o agricultor faça uma pequena "trincheira" ou "buraco" com as seguintes dimensões: 1 metro de comprimento, 0,5 metros de largura e 0,6 metros de profundidade. Ela irá servir para averiguar e coletar dados referentes às propriedades físicas, químicas e biológicas do solo.

Figura 1: Trincheira para análise do perfil cultural.

        Entre as propriedades físicas, a compactação representa uma informação importante e um exame nas paredes da "trincheira" deve revelar a presença ou ausência de camada compactada em subsuperfície. Se ela ocorrer, deve-se determinar sua profundidade e sua espessura com auxilio de uma trena. A camada compactada não permite o enraizamento, as plantas sofrem demais com a seca e quando ocorre um período prolongado de chuvas, a água não infiltra e provoca sérios danos nas plantas cultivadas. Em áreas com problemas de compactação fatalmente ocorre erosão e isso é inadmissível em áreas com sistema de plantio direto. O uso de escarificação, subsolagem ou aração profunda, pode amenizar o problema, mas temos que admitir que isso é um retrocesso no manejo de áreas com sistema plantio direto. Em resumo: "O monitoramento da compactação permite avaliar se o esquema operacional está ou não prejudicando o solo. Se o plantio direto causa compactação ele condena as lavouras à baixa produtividade".

        Um parâmetro físico pouco divulgado, porém muito importante é a chamada MOL do solo (matéria orgânica livre), que nada mais é do que material orgânico que está presente no solo sem ter sido totalmente decomposto, são os pedaços de raízes, fragmentos de caule, restos de colheita etc. Esse material distribuído no perfil cultural tem o papel de prevenir a compactação pois aumenta a compressibilidade do solo, propicia sua aeração e diminui o efeito do rearranjo das partículas do solo causado pelo tráfego das máquinas agrícolas. A MOL do solo pode ser determinada cientificamente em laboratórios, mas no campo ela deve ser examinada visualmente através da sua constatação em torrões e amostras de solo retiradas ao longo do perfil. Em resumo: "a presença abundante de MOL atenua dos efeitos da compactação nas áreas de plantio direto".

Figura 2: Material orgânico livre (MOL) do solo.

        Um outro parâmetro físico a ser examinado é a espessura da camada humificada ou seja, aquela camada "preta" na superfície do solo, e essa cor demonstra que é ali que ocorre a humificação de todo material orgânico provindo do manejo. A medida de sua espessura, apesar de ser pouco estudada, é um bom parâmetro para avaliação, pois quanto mais aumenta, melhores são as condições para a planta produzir. Em resumo, "o plantio direto deve todo ano aumentar a camada humificada".

        Os principais parâmetros de solo ligados com as propriedades químicas que devem ser monitorados pelo agricultor são o pH, o teor de alumínio e a saturação de bases.

        O pH pode ser facilmente determinado em diferentes profundidades nas paredes da nossa "trincheira", através de um pHmetro portátil de leitura direta. Todos sabemos que o pH baixo (ácido) dificulta o desenvolvimento das plantas, imobiliza os nutrientes e diminui a eficiência das bactérias nitrificadoras. Em resumo: "em plantio direto o pH do solo deve ser monitorado constantemente".

        A presença do alumínio em níveis tóxicos pode ser confirmada através da análise química do solo. É interessante, no entanto, conhecer também sua localização. Analisando visualmente nossa trincheira, podemos desconfiar da ação tóxica do alumínio quando o perfil não apresentar sinais de compactação, porém as raízes não se desenvolvem, restringindo-se a crescer somente nas camadas mais superficiais. Em resumo: "áreas de plantio direto com alta produtividade não apresentam alumínio em níveis tóxicos".

        Para a determinação da saturação de bases do solo (V%) é imprescindível a análise química do solo. Seu valor traduz a proporção da capacidade de troca de cátions ocupada por nutrientes como o cálcio, o magnésio e o potássio. Cada cultura tem sua exigência em V% o que irá permitir traçar uma estratégia para a calagem e adubação, assim como para a rotação de culturas. Em resumo: "o monitoramento da saturação de bases ajuda adequar quimicamente o solo, permitindo respostas mais rápidas do plantio direto".

        Com relação as propriedades biológicas do solo o agricultor deve averiguar a porosidade natural, o enraizamento, e a presença de nematóides e de nódulos de bactérias nitrificadoras.

        Na nossa trincheira podemos examinar visualmente a presença da porosidade natural e sua profundidade. Na verdade tratam-se das galerias e orifícios resultantes da atividade da fauna do solo (larvas de insetos, minhocas, besouros, cupins, entre outros) como também do sistema radicular das plantas cultivadas ou do mato. Essa macro porosidade é responsável pela aeração e drenagem interna do perfil. Em resumo: "em áreas de plantio direto com alta porosidade natural a atividade biológica é intensa".

        A trincheira permite ainda examinar o comportamento do sistema radicular, verificando a distribuição das raízes, bem como a profundidade de enraizamento. Isto nos dá uma idéia das condições de adaptação que a planta tem para desenvolver-se no local, em resumo: "em uma área com um bom plantio direto a planta apresenta raízes bem profundas".

        Neste mesmo exame aproveitamos para verificar a presença de nematóides, que são prejudiciais às plantas, e a presença de nódulos de bactérias fixadoras de nitrogênio. Em resumo: "num plantio direto bem manejado há ausência de nematóides e abundância de organismos fixadores de nitrogênio".

        Com relação a cobertura morta os parâmetros a serem avaliados são o percentual de cobertura do solo na época da semeadura, a uniformidade de picagem e a uniformidade de distribuição da palha.

        A porcentagem de cobertura determina a área de solo que está sendo protegida, ela indica a capacidade de proteção que a manta de material orgânico propicia. Se verificada regularmente dá uma idéia precisa da velocidade de decomposição, que varia com o material, com a época e com a forma da picagem. Aconselha-se sua realização imediatamente antes da semeadura, uma vez que esta operação é a mais afetada pelo estado da cobertura morta.

        Para medir a porcentagem de cobertura existe um método simples de cálculo baseado na presença ou não de palha sobre o solo. Basta esticar uma trena sobre o solo e em 0,5m verificar a cada 10cm (5 pontos) se há ou não a presença de palha debaixo do ponto marcado. Repita a amostragem 20 vezes em diferentes locais da gleba, totalizando 100 pontos. Considerando que cada ponto vale 1%, a soma dos pontos que tiverem com palha é diretamente a porcentagem de cobertura, de posse destes valores podemos avaliar qual é a eficiência do manejo da cobertura de solo.

Figura 3: Exemplo de solo com cobertura parcial.

        Um outro parâmetro que avalia a qualidade da cobertura é a uniformidade da picagem, pois dela dependem dois fatores importantes para o sucesso do plantio direto que são: boas condições de plantio e velocidade de decomposição da palhada. É extremamente desejável que a picagem ou a rolagem do material propiciem pedaços ou fragmentos vegetais de tamanho uniforme, facilitando a escolha da regulagem e evitando o embuchamento e outros problemas.

        Outro ponto fundamental para qualificar a palhada é a regularidade da deposição da massa picada na superfície do solo, é indesejável a ocorrência de locais com excesso de palha e outros com falta, isso compromete a qualidade de todas as operações subseqüentes influenciando diretamente na qualidade do estande e comprometendo a produção. A determinação destes parâmetros é trabalhosa porém uma análise visual no momento da operação auxilia nos ajustes das máquinas, bem como promove diretrizes para um manejo mais lapidado da cobertura.

        A qualidade no manejo de cobertura morta passa indiscutivelmente pela busca da regularidade e uniformidade da picagem e da deposição da fitomassa.

        Sabemos que há muitos outros parâmetros para avaliar o solo, principalmente no que se refere a qualidade de manejo, porem é necessário mais empenho em aprender bem como divulgar.

 

Afonso Peche Filho, possui graduação em Agronomia (1983), Mestrado (1998) em Engenharia de Água e Solo e Doutorando  em Engenharia Agrícola pela Universidade Estadual de Campinas. É Pesquisador Científico, nível VI, do Instituto Agronômico de Campinas, atuando principalmente nos seguintes temas: Gestão agroambiental, Preparo e manejo do solo, Qualidade em sistemas operacionais de produção.
Contato: peche@iac.sp.gov.br

 

 

Moises Storino,  possui graduação em Agronomia pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (1990) e mestrado em Ciências (Energia Nuclear na Agricultura) pela Universidade de São Paulo (1993). É pesquisador científico do Instituto Agronômico de Campinas. Tem experiência na área de Engenharia Agrícola , com ênfase em Máquinas e Implementos Agrícolas. Atuando principalmente nos seguintes temas: mecanização agrícola, agricultura de precisão, gestão, instrumentação.
Contato:
storino@iac.sp.gov.br

Reprodução autorizada desde que citado o autor e a fonte


Dados para citação bibliográfica(ABNT):

PECHE FILHO, A.; STORINO, M.. Elementos para avaliar o solo em sistema plantio direto. 2006. Artigo em Hypertexto. Disponível em: <http://www.infobibos.com/Artigos/2006_2/PlantioDireto/Index.htm>. Acesso em:


Publicado no Infobibos em 03/08/2006